Por Elaine Tavares - jornalista no OLA
O filósofo Enrique Dussel é, para mim, quem melhor definiu o que seja corrupção. Ele deixa claro, no seu livro “20 teses sobre Política”, que estas denúncias que envolvem roubo, uso da influência, malversação de verbas públicas, ilegalidades diversas no exercício da função pública, abuso etc... nada mais são do que a capa visível de um processo que é muito mais profundo. Por isso, é a este pensador que recorro para falar de toda essa polêmica envolvendo o senador Renan Calheiros.
Fatos como o que aconteceu no Senado levam às pessoas a acaloradas discussões sobre a democracia, a ética e a política e, no mais das vezes, as opiniões recorrentes são as que não tem jeito mesmo, que a política é um espaço de corrupção, que ninguém pode ser sério na política e coisa do tipo. Multiplicam-se as análises morais. “Absurdo”, clama a população nos ônibus, nas esquinas, nas mesas de bar. Mas, a meu juízo, todo esse moralismo no debate nada mais é do que o desconhecimento do que seja efetivamente a política e, principalmente, a incapacidade da nossa gente de agir de forma contundente no exato momento em que se instala a corrupção.
Dussel fala que, tal como o povo, a maioria dos políticos sequer sabe do exato momento em que começa a ser corrompida. E que isso se deve ao fato de que, normalmente, quem faz política, tampouco sabe o que significa esse fazer. Para o filósofo, aquele que exerce um determinado poder precisa saber, de forma clara, o que é o poder. Poder, para Dussel, não é um espaço de dominação, como quer fazer crer a concepção moderna do termo, machista, colonialista, racista e exclusivista. Quando o poder é usado com esta conotação, de domínio sobre o outro, deixa de ser política e vira um fetiche. Alguém que, no exercício do poder, se considera o centro e a sede deste poder, está corrompido. E é essa a corrupção que deve ser combatida. Os atos que se seguem a essa idéia de que quem está num posto de mando tem a sede do poder, nada mais são do que conseqüências da “grande” corrupção.
Partindo desta idéia, o que aconteceu no Senado apenas se configurou num teatro, uma fantasmagoria. Condenar ou absolver Renan Calheiros no campo da moral de nada adianta. É preciso que as pessoas comecem a pensar sobre a corrupção-mãe que se esconde nos estúpidos atos ilícitos que os que estão no poder se acham no direito de cometer, sem qualquer punição.
A política como grande política, segundo Dussel, se expressa numa outra forma de exercer o poder. Não mais como dominação, mas como poder-obediencial. Ou seja, o político, para não ser corrupto, precisa saber que está representando uma gente que o elegeu e que neste estado de representante do povo precisa fazer o que o povo lhe ordena que seja feito. Não está nele o poder de fazer o que lhe dê na telha. Essa é a corrupção. Quando o político pensa que, investido do poder, pode fazer que quiser. Não pode! Há que ouvir e obedecer a sua base.
Nesse sentido, quando um Renan ou outro qualquer usa o poder para enriquecer, comprar gado ou qualquer outro ato que não aqueles para o qual foi eleito, ele está deslegitimado. E é o povo que o elegeu quem precisa fazer essa deslegitimação. Agindo como se fosse ele mesmo, e não o povo, a sede do poder, este político está acabado. Dever ser riscado do mapa. Daí que o absurdo não está no fato de o Senado ter feito votação às portas fechadas, nem que tenha absolvido o senador. Absurdo será se o povo brasileiro não compreender que este tipo de político precisa ser varrido do cenário nacional.
Outro exemplo gritante de como estes políticos rasteiros se comportam no trato com o poder foi a fala do deputado Raul Junggmann, quando se atracou com um segurança armado de revólver de choque. “Ele não pode fazer isso com um representante do povo”. Mas, são estes mesmos deputados os que chamam as tropas para reprimir o povo que os elegeu quando este se arvora no direito de reclamar a sede do poder. Contra o povo, as balas e o choque, mas contra um deputado, não. Isso é corrupção. Essa é a mãe da corrupção. E é isso que as gentes precisam observar se quiserem realmente um dia viver num sistema político em que aquele que manda, obedece. Ainda temos muito que caminhar para sair da seara da moral e entender o verdadeiro significado da política. Mas, creio, um dia chegaremos a esse patamar.
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