sábado, 31 de janeiro de 2009

Montanhas Semiramis




Míriam Santini de Abreu

Diz a lenda que a Deusa, um pouco cansada depois do sétimo dia da Criação, entediou-se com o formato das montanhas Semiramis, na Pérsia. Os cumes pontudos e arrogantes pareciam desafiá-la, a Deusa que os havia criado. Então olhou em volta, os olhos dourados estreitados, desejando outra forma para a pedra que a inquietava.
O seu mundo ainda era um afresco. Num canto dele, espiou uma das criaturas cujo esboço havia lhe custado ordens imperiosas ao barro, para que ficasse da forma como havia sonhado. Um sonho estranho, no qual ela havia custosamente caminhado até o alto das montanhas Semiramis para buscar a Chuva. E a Chuva lhe havia sido ofertada por aquele estranho ser que agora ela observava. Assim que despertou, deitada sobre trevos úmidos, soprou a idéia ao barro e fez o homem.
Agora, findos os dias, estudou os detalhes de sua criação.
Passaram-se eras. E então, a Deusa contemplou os braços do homem. Os braços que fizera para ele. Sorrindo, acariciou com os dedos as pontas incisivas das montanhas Semiramis.



Bolsa da Pobres!

Sucesso total a "bolsa ecológica" de Pobres & Nojentas!

Sol de verão

O sol anda imenso em Floripa. Suam as gentes, as flores, as pedras. Até os pensamentos suam.

E o sol manda um presente:

http://br.youtube.com/watch?v=5MltrnVOG2s

Um espelho no banheiro

Por Elaine Tavares - jornalista

Apesar de estarmos no século XXI algumas questões ainda permanecem estagnadas no serviço público, principalmente na universidade. Uma delas é o completo desconhecimento da “mulheridade”.. Uso esse conceito em vez do de “gênero” porque o segundo não me compraz. Parece-me que de alguma forma esteriliza as lutas pela emancipação das mulheres e torna tudo meio gosmento, sem identidade. Por isso inventei o conceito de “mulheridade”, porque creio que falar da mulher é falar da diferença e da posição de classe. Não dá para só pensar na mulher como um gênero, porque este gênero se divide em classes e as mulheres da classe dominante são tão opressoras quanto os homens, por isso não me permito misturar as coisas.

Quando digo mulheridade quero falar do jeito específico de ser mulher trabalhadora, lutadora, cheia de vontade de mudar esse mundo que aí está como espaço do consumo, da dominação, do medo e da opressão.

Pois um dos aspectos da mulheridade é a beleza. E isso bem que poderia ser considerada coisa do gênero, porque é comum às mulheres que oprimem e às que lutam. Há uma coisa em nós que nos move na direção da beleza, esse jeito de escolher um adereço, uma pintura. Pode ser a mulher mais pobre do mundo, mas ela sempre vai encontrar um jeito de realçar o que é bonito nela. Por isso me encantam as mulheres indianas. Mesmo na mais triste miséria elas vestem-se de cores, pulseiras e pingentes. Sabem que a beleza é um estado de espírito e que se precisa dela para ter força de lutar e mudar as coisas. A beleza nos aquece, enternece, salva. Veja a diferença de uma Margareth Thatcher, a dama de ferro inglesa, com seus terninhos sem sal e o cabelo armado como um capacete. Mulher sem mulheridade. No poder feito um homem, com toda a sua vileza, crueldade, desprovida de ternura.

Outra coisa que atrai ás mulheres é o espelho. Filhas diletas de narciso elas não podem ver um. Porque as mulheres cheias de mulheridade gostam de se ver. No reflexo invertido elas saúdam a beleza, a graça, a ternura que brota nos seus corpos, nos olhos cheios de brilho e vontade de transformar as coisas em volta. Esse adereço indispensável é coisa mítica, é primal. Sem a imagem por inteiro antes do arrancar para o dia, parece que falta algo. É por isso que as mulheres aproveitam cada falso-espelho como as vitrines, por exemplo. Parece que há sempre que confirmar a beleza que nos é intrínseca.

Na Universidade Federal de Santa Catarina o único banheiro a ter um espelho onde a gente se vê por inteiro é o Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Pudera. Ele, geralmente, é dirigido por mulheres. E elas lá sabem muito bem da mulheridade que lhes cabe. Sempre falei deste delicado detalhe do CFH, sonhando com o dia em que o Centro onde trabalho também tivesse espelhos de se ver por inteiro no banheiro feminino. Mas os demais centros são masculinos demais, incapazes de um gesto de ternura e compreensão da mulheridade.

Pois, ao voltar à ativa neste janeiro, tomei um susto. Susto bom. Ao entrar no banheiro do Centro Sócio-Econômico lá estava ele. Enorme. Desci as escadas conferindo o banheiro de cada andar. E, em todos, assomava o santo oráculo da beleza feminina. Isso me deu um alento. Se no CSE, ao assumir a nova direção sob o comando de Ricardo Oliveira, deu-se um passo na direção da compreensão da mulheridade, isso significa que esta universidade pode, sim, um dia mudar. Sair do atraso, do conservadorismo, do pensamento único, patriarcal, colonialista. O professor Ricardo me surpreendeu com esse gesto de profunda ternura e me deu esperanças! Isso foi um bom começo de ano!

A arte vazia do arqueiro de palavras

Schopenhauer

Fernando Karl

Há um pensamento do filósofo alemão Schopenhauer, que li em "O Mundo como Vontade e Representação", que reza assim:
O ponto em que a Coisa-em-si entra mais imediatamente no fenômeno é aquele em que a consciência ilumina a Vontade.
A Vontade é, para Schopenhaeur, irracional. A Vontade, no fundo, não sabe o que quer. E, para educá-la, só há uma saída: focarmos as coisas que nos cercam (ou as coisas que imaginamos) com o Vazio da contemplação tranqüila, sem intenção, desapegada.
Segundo Kenzo Awa, mestre do Kyudô (Caminho do Arco), se quisermos acertar o alvo, devemos proceder assim: “Na máxima tensão, sem intenção”.
Algo dispara a flecha, Algo acerta o alvo.
Algo: outro nome para o Deus, para a quintessência.
Mas também Algo
diz pára de ressentimento
diz pára de medo
diz pára de mentir
diz pára de sofrer
diz pára de desamor
diz pára de pobreza
O Eu, que só será Eu se for um Vazio reverente, se torna o claro espelho do objeto. Wu wei: ação na não ação. Noutras palavras, o Eu deixa fluir, reverente, o Algo que o rege no íntimo; o Eu não se intromete, deixa a onda jorrar, a música ser música.
Vazio (Capítulo 1 do Tao): “Não sendo, podemos contemplar sua essência”.
Objeto (Capítulo 1 do Tao): Sendo, apenas vemos sua aparência”.
O Deus, segundo o Evangelho são João, “é Espírito”. E, sabemos, o Espírito sopra onde quer.
Se me permitem um exemplo: Na máxima tensão, o Eu profundo de cada um de nós contempla, sem intenção, a seguinte cena prosaica: um bule que verte chá fervente na toalha de linho. A Coisa-em-si (que é libérrima e irracional por natureza) é que retém a potência profunda do que está acontecendo com este bule que verte chá fervente na toalha de linho. Se o Eu se intrometer nesta imagem do bule que verte chá fervente na toalha de linho, o Eu só terá a fantasia, a farsa, e se transformará num bicho peludo de longas patas, mais conhecido como ego. Por outro lado, se o Eu deixar fluir a Coisa-em-si deste bule que verte chá fervente na toalha de linho, aí o Eu terá a presença do Algo, do Deus que, respeitado em sua ancestralidade, virá à tona e revelará ao Eu todo o Seu Mysterium.
E sendo Mysterium, é improviso, é Vita Nova, é Algo, é o Deus, é paraíso, é jazz do coração.
Nunca é demais recordar a etimologia do vocábulo Deus: vem do sânscrito –, onde é grafado D'jeus e significa lua clara no céu: mente silenciosa, sem sonhar.
De onde se conclui que o Deus, tendo forma lunar, é o feminino.
O Deus, o Algo, é luz, é consciência.
A quem o Deus serve, a quem o Algo serve? A todo Eu que tiver consciência do Deus, do Algo.
Quando pronuncio a palavra feminino, não me refiro à mulher, mas ao Ser, que tanto pode ser macho ou fêmea.
Há homens que são mais femininos que as mulheres.
O cano do canhão é o pênis masculino; os edifícios pontiagudos são pênis masculinos; o punhal é o pênis masculino.
A árvore é feminina; a pérola é feminina; o vento é feminino.
A Coisa-em-si: aquilo que independe do espaço e do tempo.
A Coisa-em-si independe da causa e do efeito.
Segundo Platão, uma Idéia é aquilo que sempre é, mas nunca vem a ser, nem deixa de ser.
Idéia: objetividade imediata da Coisa-em-si. Para Schopenhauer, a Coisa-em-si é pulsão vital (a Trieb freudiana: força vital). Pulsão como discernimento vital? Ainda mais: pulsão como discernimento vital do discernimento vital. Pulsão (a partir de um aforismo de Lacan): objeto jamais fixável de uma vez por todas. Fixar o que não pode ser fixado, isto é função da arte que cria a consciência que ilumina a Vontade. Para Schopenhauer a maior das artes é a música. Ele a menciona em "O Mundo como Vontade e Representação": se tudo findasse, ainda não findaria a música.

O texto acima, inédito, é um fragmento do livro O cacto e o angorá (o aqui e o agora) – A arte vazia do arqueiro de palavras, de Fernando José Karl.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Varais

Escrevi uma crônica sobre varais para o amigo e jornalista Eduardo Schmitz, do Observatório Local, de Taió. Concordamos: jornalista parece gostar de varal!

Comentário do Eduardo:

Não gosto de tocar nas roupas de varais, a não ser as que jazem estendidas no quintal de casa. São como vampiros cujo gene lhes permite regalar-se ao sol. Carregadas de sensação, são mortas-vivas sedentas de um corpo para deles roubar o espírito e viver outra vez. Quando cursava a quinta série a professora de português (Veneranda) passou à turma a tarefa de escrever alguns versos descrevendo a rua onde cada aluno morava. No meu tinha um trecho que dizia: "Na minha rua existem varais que não se esvaziam mais". Bobinho é claro, mas nunca esqueci deste verso e da visão da rua.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Câmara aprova projeto que pisoteia direitos dos municipários




Veja entrevista com Charles Pires, do Sintrasem, sobre as implicações do projeto

A administração de Dário Berger e a quase totalidade da Câmara de Vereadores de Florianópolis disseram a que vieram na noite de segunda-feira, dia 26. Em sessão que teve convocação extraordinária e que atropelou o regulamento da Casa, foi aprovado o projeto que cria o Regime Próprio de Previdência dos servidores do município. Entre outros problemas, o texto do projeto prevê que o dinheiro arrecadado para garantir as aposentadorias será jogado no mercado financeiro. Como se sabe, os fundos de pensão que administram esses valores são os que sofreram as maiores perdas na crise financeira iniciada em 2008. A alíquota de pagamento também subirá de 8% para 11%, significando perda salarial para os trabalhadores.

Servidores com cargos comissionados praticamente lotaram a galeria da Câmara de Vereadores, deixando de fora quem estava na manifestação contra o ataque ao bolso e aos direitos dos municipários. O SINTRASEM - Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis - organizou a luta contra a aprovação do projeto do lado de fora da Câmara. Para garantir que os servidores não entrassem para protestar, a Polícia Militar isolou a entrada do Plenário. Houve agressão aos manifestantes quando servidores e lideranças sindicais exigiram o direito de entrar na assim chamada "casa do povo". O cinegrafista da TV Floripa, além de outros manifestantes, teve os olhos atingidos por spray de pimenta. E assim começa a segunda administração de Dário Berger em Florianópolis.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Movimento dos Atingidos pelo Desastre se levanta em Blumenau

Míriam Santini de Abreu

Mais uma luta se faz sob a figueira que inunda de sombras a entrada da prefeitura de Blumenau (SC). A maioria dos homens, mulheres e crianças que ali se encontraram na tarde de 22 de janeiro não havia saído de suas casas. Para eles, o que antes era um endereço virou amontoado de terra, pedra e escombros. Identificavam-se pelo abrigo onde foram deixados pelo poder público. Mas já faz dois meses. Agora, formaram o Movimento dos Atingidos pelo Desastre e apenas ontem, organizados, arrancaram uma data na agenda do prefeito João Paulo Kleinübing. Serão recebidos na terça-feira, 27, às 14 horas.

“Houve uma catástrofe, mas não podemos ser esquecidos, não podem tratar isso como coisa normal”, dizia Nelson de Almeida Rodrigues, 53 anos, que está em um abrigo com a família. Ele perdeu a casa onde morava, no bairro Asilo, e quer ver cumprida a promessa que os governantes fizeram de reconstruir as moradias. Há três anos ele também espera a decisão judicial para responsabilizar quem o atropelou quando pilotava uma motocicleta. A cirurgia no fêmur direito lhe custou a plena capacidade para o trabalho. “Tem hora que dá vontade do cara gritar”, desababa Nelson.

O Movimento exige a imediata reconstrução gratuita das casas e definição de prazo para que todos os desabrigados tenham as suas moradias. Também esperam mais agilidade da Defesa Civil, que dá o parecer sobre a situação das áreas que ainda não foram vistoriadas. A luta tem o apoio do Fórum dos Movimentos Sociais e Fórum dos Trabalhadores de Blumenau. Tulio Vidor, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Ensino Superior de Blumenau (Sinsepes), conta que, logo depois do desastre, pessoas ligadas às entidades que compõem os Fóruns começaram a visitar os abrigos para verificar a situação de seus trabalhadores. Formaram-se grupos para fiscalizar, levantar os problemas, esclarecer a população e cobrar providências. Os desabrigados e desalojados organizaram reuniões e duas plenárias e criaram o Movimento dos Atingidos pelo Desastre, que ontem obteve a primeira vitória.

Nelci Klaus de Morais e Luciana Ribeiro não se conheciam, mas agora sabem que há muito em comum a uni-las. Ambas tem três filhos e estão no abrigo da escola Júlia Lopes de Almeida. Antes das chuvas que arrasaram a cidade, elas moravam de aluguel. “Perdi todos os meus móveis, que ainda estou pagando, mas salvamos nossas vidas”, diz Nelci. Agora, recebendo 500,00 por mês e endividada, ela não tem como alugar outro imóvel. Luciana deixou na casa de parentes o que conseguiu salvar. A preocupação de ambas é serem forçadas a sair da sala de aula onde se abrigam para voltar ao ginásio da escola. “O ginásio é quente, tem goteiras, não dá para ficar lá.”

A situação pode ter data marcada para ficar pior. Com a volta às aulas no final do mês, a prefeitura de Blumenau começou a discutir o projeto de “moradias provisórias”. Na verdade, são obras para levar as famílias a galpões. Planeja-se concluir o primeiro no Bairro Badenfurt, onde deverão morar em torno de 40 famílias. Além do Badenfurt, estão mapeadas as regiões do Garcia, Progresso, Velha, Itoupava Seca, Itoupava Norte e Salto. Os prédios seriam locados e adaptados pela Prefeitura para as construções de moradias em parceria com o Governo do Estado. Só que, nas condições definidas pelo município – e sem ouvir as pessoas - os desabrigados não aceitam deixar os atuais abrigos.
Até agora, a prefeitura não deu informações elementares como localização exata, capacidade de pessoas, segurança, respeito à privacidade familiar, tempo de permanência. Também não há garantia de que o tal “provisório” não vire “definitivo”. “Os recursos das doações, que deveriam ser destinados a resolver nosso problema de moradia, estão servindo para aumentar a especulação imobiliária. Isso porque o dinheiro é usado para pagar aluguel de casas e não para a construção das moradias destruídas pelas chuvas”, diz a Carta Aberta à população. Nicacio Antonio Mariano, da coordenação do Movimento, diz que faltam esclarecimentos por parte da prefeitura, e por isso a luta também é por acesso e discussão pública sobre os projetos e propostas em tramitação.

Instalada em um abrigo no bairro Progresso com a filha de 2 anos, Josiane Butci, 25 anos, divide o lugar com cerca de 40 pessoas, e a maioria se conhece porque eram vizinhos. “A falta de informação é o problema maior, porque não sabemos quando e para onde vamos, e quanto tempo teremos que ficar nos galpões”, diz ela.

Os abrigos têm um regulamento que define a hora das refeições. Quem chega atrasado não come. Há denúncias de que crianças são impedidas de se alimentar porque os pais precisam sair para trabalhar e as deixam na companhia de outros desabrigados. O horário de visitas também é controlado, assim como a hora de apagar as luzes. Muitos desabrigados, em suas falas, comparam a experiência a uma prisão. Há outras situações humilhantes, como a proibição de reuniões do Movimento. Qualquer atividade depende de autorização da SEMASCRI (Secretaria Municipal da Assistência Social). Os desabrigados, já fragilizados pela falta de privacidade e de conforto adequado, ouvem ameaças de expulsão do abrigo e de demissão do emprego. Em muitos casos a presença de militares serve para aumentar a intimidação.

Mas dois meses depois do desastre, e agora que na mídia se fala mais do verão e dos turistas, os desabrigados de Blumenau mostram que, para além dos gestos solidários, o que se faz fundamental é a luta.

Outras reivindicações do Movimento


- Os Abrigos Provisórios devem ser construídos em localização adequada, com segurança,
- Participação dos desabrigados nas decisões e definição do tempo de permanência nos abrigos provisórios.
- Direito de reunião, de ir e vir e fim imediato das perseguições e ameaças nos abrigos
- Respeito às famílias nos abrigos e direito de privacidade
- Acesso às informações de recursos das doações e sua destinação final.
- Não-demissão e repressão no ambiente de trabalho
- Reconhecimento do Movimento dos Atingidos pelo Desastre como legítimo representante de todos os desabrigados e atingidos

LEIA MAIS NA PRÓXIMA EDIÇÃO DA REVISTA POBRES & NOJENTAS, QUE CIRCULA EM FEVEREIRO

A voz do Movimento nas ruas

Crédito: Míriam Santini de Abreu, da revista Pobres & Nojentas

Ato reuniu centenas de atingidos pelo desastre







A caminhada nas ruas centrais de Blumenau






O aumento da tarifa é abuso do direito

Por Elaine Tavares – jornalista

Já vai longe a Revolta da Catraca, quando, em 2004, na cidade de Florianópolis, as gentes decidiram se rebelar contra o aumento das tarifas de ônibus. Naqueles dias, quem não lembra, a polícia baixou valendo no povo sob o seguinte argumento: aquela massa de desvalidos, os que são obrigados a usar o transporte coletivo, estava atentando contra a ordem pública. E assim foi como os meios de comunicação se referiram aos lutadores. Eram os baderneiros, os desordeiros, atentando contra o direito de ir-e-vir. Muitos foram presos e respondem processos até hoje.

Pois nestes dias de sol forte, de um janeiro doido, fomos surpreendidos com mais um aumento de tarifas. Agora, para irmos trabalhar e fazer mover a roda do capital, precisamos pagar 2,10, isso quem tem cartão. Quem não tem terá de desembolsar absurdos 2,70. Agora vejam: uma família que seja formada por um casal e dois filhos vai gastar mais de 500 reais em passagem. Isso se resumir sua vida a ir e voltar do trabalho. Nada destas coisas “anti-produtivas” como ir almoçar em casa, ou passear, ou ir à praia, ao cinema, por exemplo. Não, só para trabalhar, vai entregar aos empresários do transporte 500 reais. Parece uma coisa surreal. A gente paga para trabalhar. E mais, paga adiantado. Essa gente nunca perde.

Procurei indignação nas gentes, mas não encontrei. Nas filas, o povo segue com sua cara triste, amansado pela máquina de moer ideológica que diz: aceitem, aceitem, aceitem, é assim mesmo. Agora começou mais uma novela da Globo, melhor ficar em casa e acreditar que a pobreza da gente é digna, afinal, ali na novela, pobre toma suco de laranja no café da manhã.

Então, depois de ouvir o Dário Berger dizer na TV que o aumento da tarifa é um direito dos empresários, fui buscar algumas coisa na área do direito para ver se ele estava certo. Então, num trabalho do historiador argentino Alejandro Olmos, encontrei uma doutrina que fala do abuso do direito. Diz essa doutrina que os direitos nunca são absolutos e que o exercício das faculdades que surgem da lei devem efetuar-se em função do espírito que anima a própria lei. Um dos elementos que caracteriza o abuso do direito é a intencionalidade de prejudicar; ou seja, quando existe um fazer doloso ou culposo no sujeito, mas também quando sua ação excede os limites impostos pela boa fé, a moral e os bons costumes.

Diz Alejandro que um dos antecedentes é uma lei prussiana de 1794, na qual se impunha a obrigação de ressarcir o dano “quando das circunstâncias resultar de modo inequívoco que entre as várias formas de usar o direito se optou pela mais prejudicial” estabelecendo ainda que “ninguém pode abusar de sua propriedade para ofender ou prejudicar a outro”. Ó, isso é importante.

Também o Código Civil alemão estabelece em seu parágrafo 226 que “não se permitirá exercer um direito quando seu exercício somente tenha por objetivo prejudicar o outro”. Bueno, e por aí vai.

Fiquei pensando, será que esse aumento da tarifa do ônibus não é um abuso do direito? Não está nesse aumento a intenção clara de prejudicar os trabalhadores, visto que eles já não têm salário digno e ainda terão de desembolsar mais para ir gerar lucro ao patrão?

Diz ainda o Código Civil da Grécia de 1941 no artigo 281: “o exercício de um direito está proibido se sobre passa manifestamente os limites impostos pela boa fé ou os bons costumes, ou pelo fim social e econômico deste direito”. Na Tchecoslováquia diz o direito: "Nenhuma pessoa pode abusar de seus direitos em prejuízo dos interesses da sociedade ou de seus concidadãos; não pode enriquecer-se em detrimento deles".

Pronto: esse último é supimpa. Então, se a doutrina do direito internacional estabelece que ninguém pode enriquecer em detrimento dos interesses da sociedade, vamos usar isso aí a nosso favor. Que tal, não é incrível?

Ah, tá... Esqueci. A justiça brasileira tem os olhos vendados para nós. Bueno, então resta a luta! Vamos a ela!

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Karl: 25 anos de poesia

Um dos desenhos do livro


A editora Letradágua está lançando Casa de água, uma edição comemorativa dos 25 anos de produção poética do escritor catarinense Fernando José Karl, autor do blog Nautikkon e colaborador da revista Pobres & Nojentas. Casa de água é uma antologia que reúne 200 poemas, selecionados pelo poeta catarinense Dennis Radünz, dos livros de Karl. Nessa antologia também foram incluídos 30 desenhos de sua autoria. Eis os títulos que compõem o Casa de água:
1. Tema para romance
2. No verão amadurecem os chapéus
3. Desenhos mínimos de rios
4. Diário estrangeiro
5. Travesseiro de pedra
6. Brisa em Bizâncio
7. Se eu mesmo fosse o inverno sombrio.
Quem deseja adquirir o livro pode entrar em contato com o Antonio, dono do sofisticado Sebo Dom Quixote, na cidade de São Bento do Sul/SC, e solicitar um exemplar a ele através do
contato@sebodomquixote.com.br ou do telefone: (47)3633-5365. Detalhe: o livro só pode ser encontrado no Sebo Dom Quixote. O preço do exemplar é de R$ 30,00 + o valor do impresso registrado (que custa mais ou menos R$ 4,00). Isso significa que, por apenas R$ 35,00, você pode levar para casa 25 anos de dedicação ininterrupta à arte de escrever.

www.sebodomquixote.com.br

Filosofia e noite escura

Jussara Godoi
Numa noite dessas, ouvindo o barulho do vento, resolvi abrir uma das janelas do apartamento, que fica próxima a uma pedra monumental, obra da arquiteta natureza. Bem no alto, estão as plantas que cresceram sem a ajuda humana. Por alguns instantes senti pena de um pequeno coqueiro, que lutava para conseguir ficar em pé, parecendo me pedir socorro. Fiquei olhando e pensei: será que ele sabe o que se passa ao seu redor? Atrás de mim, estava a TV ligada. Ao levantar para ouvir o vento, deixei em canal qualquer. Era um debate filosófico, cujo público era formado por educadores e o tema “Família, Educação e Cidadania”. Fiquei entre ouvir o vento e o debate. O palestrante se esforçava para passar a sua idéia sobre a atual situação da sociedade. Em alguns momentos, com citações bíblicas, comparava a maioria da sociedade aos fariseus. Percebendo que daquele debate pouca coisa era relevante, revolvi mudar de canal. Desta vez, era um psicanalista que falava sobre "Ética na contemporaneidade", baseado em Spinoza e Nietzsche. Voltei os olhos novamente para o coqueiro se debatendo e, desta vez, desejei estar no seu lugar, pois sua luta contra o vento me pareceu mais leve do que aquela que eu nem sei direito qual é... Fiquei por mais alguns instantes a olhar a noite escura. Depois pensei em algumas amigas, que de vez em quando se sentem assim e ficam a desejar que venha a grande onda... E quem sabe ela nos dê uma resposta.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Pinus de Cima da Serra


Míriam Santini de Abreu

Na frente da casa de minha avó Antônia havia uma araucária. Na época das pinhas, era uma festa fazê-las despencar árvore abaixo, os pinhões espalhados sobre a terra. Nos chamados Campos de Cima da Serra, no Nordeste gaúcho, elas reinavam. Hoje se brinca: a região virou a dos Pinus de Cima da Serra. No Rio Grande do Sul, assim como em Santa Catarina, alastram-se os monocultivos de espécies exóticas.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

P&N apóia luta dos praças de SC


Página na internet fora do ar, pedido de dissolução de entidade representativa de cerca de 10 mil trabalhadores, lutadores a ponto de serem punidos em Conselhos de Disciplina, nos quais o procedimento é sumário para excluir, da instituição militar, profissional considerado incapaz do ponto de vista ético, moral e profissional. Assim o governo de Luiz Henrique da Silveira está tratando a Associação de Praças do Estado de Santa Catarina, a Aprasc. Na quarta-feira, 14, representantes de cerca de 20 entidades do movimento sindical, popular e de partidos políticos participaram da reunião do COMITÊ DE SOLIDARIEDADE À APRASC E CONTRA A CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS. A P&N foi representada por Míriam Santini de Abreu e Elaine Tavares.


Um dos assuntos discutidos foi a afronta, por parte do governo, ao princípio da liberdade de expressão e informação, consagrado na Constituição Federal. A página da Aprasc informa: Por determinação da Justiça, a pedido do governador Luiz Henrique da Silveira, o site da APRASC (www.aprasc.org.br) vai ficar fora do ar durante 90 dias. Além disso, já são 10 os soldados submetidos a Conselho de Disciplina.


Mas a Aprasc, com apoio de movimentos, entidades, grupos políticos e personalidades, segue firme na luta. Está recolhendo assinaturas em abaixo-assinado – são quase duas mil por dia apenas em Florianópolis – e organiza vigília na praça em frente à Assembléia Legislativa, em Chapecó e em Lages. Na reunião desta quarta-feira foram encaminhadas outras atividades. Uma delas será o Ato Popular Nacional Contra a Criminalização dos Movimentos Sociais e em Solidariedade à Luta dos Praças e seus Familiares, programado para fevereiro.


O governo estadual tenta impedir e punir a luta dos praças desde que, para exigir o cumprimento de lei, os trabalhadores e trabalhadoras ocuparam os quartéis, de 22 a 27 de dezembro. A principal reivindicação do movimento é o cumprimento integral da Lei Complementar n° 254, aprovada na Assembléia Legislativa e sancionada por LHS em 15 de dezembro de 2003. A lei reorganiza a estrutura administrativa e a remuneração dos profissionais do Sistema de Segurança Pública: incorpora abonos e gratificações aos salários, prevê reajustes salariais e cria adicional de atividade progressivo. Também avança na construção de um plano de carreira, estabelecendo a proporcionalidade remuneratória (o maior salário não pode ser superior a quatro vezes o menor salário, eliminando as graves distorções vigentes até hoje, quando a diferença ultrapassa sete vezes). Embora no caso dos oficiais os abonos de dois soldos e meio já tenham sido incorporados aos salários, os praças sofrem há três anos com os salários congelados.


A Aprasc está divulgando junto à população que já são cinco anos de promessas não- cumpridas por parte do governo estadual e inúmeras mesas de negociação, nas quais o governo sequer apresentou uma proposta de cronograma para o cumprimento prático da Lei. A luta está se fazendo com o apoio fundamental do nascente Movimento de Esposas e Familiares dos Praças. Trata-se de uma luta em defesa da segurança pública para todo o povo catarinense e em defesa da dignidade e dos direitos dos servidores públicos.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Esperando um menino

Por Elaine Tavares - jornalista

Eu confesso. Gosto de ler a bíblia. Acho um livro fantástico, quase que uma grande reportagem sobre a história de um povo. É fascinante. Uma das histórias das que gosto muito é do menino Davi vencendo o gigante Golias. Aterrado diante de um homem grande, o exército de Israel se acovarda na guerra contra os filisteus. Seus homens tremem e paralisam. Até que um guri, com uma prosaica funda, se adianta e diz: vou pegar esse gajo! E assim faz. Com a força de sua mão, joga a pedra no meio da cabeça do gigante e ele tomba. Mais tarde, Davi torna-se rei daquele povo, que conheceremos como judeu.

Hoje, vendo a TV julguei ver Golias. Não era mais filisteu. Havia assumido a face daquele que lhe vencera há milênios. Ali estava diante das portas de Gaza, com todo o seu poder. O gigante acossando um povo indefeso. Tal como um daqueles monstros de filme japonês, este Golias avança sobre os palestinos com um dos mais poderosos exércitos da terra. Pasma, ouço os locutores falarem dos ataques do Hamas. Para William Bonner e os demais títeres da mídia cortesã, quem está agredindo é a Palestina. “Mais um ataque contra Israel”. É assim. Seria para rir se não estivéssemos num palco de horror. O governo de Israel é o Golias redivivo. Sabe de seu poder e avança, roubando terras, roubando vidas. Estoura as cabeças das mulheres, que carregam crianças. Arrebenta crianças, que buscam as mães. Aniquila a juventude palestina, esperando que esta gente se acabe. Destrói casas, deixa almas em escombros.

Espero a ação dos governantes da terra. Espero o embargo, o bloqueio, e nada. Penso em Cuba, embargada desde há 50 anos por querer ser livre. Contra a ilha socialista a coisa funciona. E este Golias que baba sangue, por que não é parado? Por que se calam as gentes? Por que gritam apenas os que não têm poder? Por que se omitem os grandes da terra? Como podem permitir que isso prossiga?

Na tela de luz encontro os olhos de um menino. Está impávido. Não tem medo. Nesta história enviesada ele é Davi. Tem uma funda e uma pedra. Só ele pode parar o gigante opressor.. A sua volta jazem os mortos, o vermelho do sangue encharca a terra. Crianças mutiladas, homens destroçados. E ele segue de olhos vidrados. Já não espero governantes, poderosos, grandes da terra. Eu sinto vontade de um desses guris palestinos que parecem “imorríveis”. Porque ao que parece, quanto mais deles tombam, outros tantos se levantam.

Um dia, naquelas terras, um guri judeu venceu o filisteu, que nada mais era do que a raiz da Palestina. Falastin. Mas, hoje, os guris estão do lado filisteu. A história e suas voltas. A samsara. Nós aqui gritamos, do alto de nossa impotência. Os grandes dormem. Deles nada virá. São vocês, pequenos filhos da palestina que, sozinhos, com suas pedras, hão de vencer essa criminosa ocupação que vem desde 1947. Você estão aí morrendo, lutando. E eu, tão longe, ainda que abomine a guerra, só posso esperar que vocês, tal qual aquele Davi, tenham boa pontaria.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Nosso balanço

O ano de 2008 foi pleno para a equipe da Pobres & Nojentas. Conseguimos chegar ao número 15 da revista, que completou três anos com novo projeto gráfico. Também lançamos, além do blog em www.pobresenojentas.blogspot.com e da conta no You Tube, br.youtube.com/PobresyNojentas, um novo blog, http://revistapobresenojentas.wordpress.com, para postagem exclusiva de artigos jornalísticos e científicos sobre comunicação e jornalismo. No final do ano também vendemos a camiseta da Pobres, com ilustração assinada pelo jornalista Eduardo Schmitz.
Outra novidade foi a estréia da Pobres & Nojentas Teórica, que fala sobre o jornalismo que se faz nos sindicatos. Os três artigos mostram que este é um espaço privilegiado para se fazer jornalismo contextualizado e que aprofunde a interpretação dos fatos. O livreto (36 págs., Cia. dos Loucos, Florianópolis) foi lançado no encontro anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, em novembro, no Rio de Janeiro.
No dia 1° de dezembro também lançamos o livro Mulheres da Chico, escrito por Catarina Francisca de Souza, Daniele Braga Silveira, Janete Osvaldina Marques, Lídia Almeida, Maria do Carmo Apolinário e Jussara Fátima dos Santos, a Sara, moradoras na Chico Mendes, bairro Monte Cristo, na capital catarinense, que enfrentaram o desafio de fazer um livro sobre suas experiências de vida.
O livro, editado pela Companhia dos Loucos, que também edita a revista bimestral Pobres & Nojentas, conta histórias de lutas, desafios, de momentos tristes e de alegria, de fantasias e desejos. A organização do livro foi feita pela educadora Sandra C. Ribes, com fotografias de Sônia Vill e projeto gráfico e diagramação de Sandra Werle e Marcela Cornelli.
O segundo lançamento foi na Casa Chico Mendes no dia 16 de dezembro. As autoras falaram sobre o significado de ter o livro impresso, e sobre a forma como as famílias acolheram a iniciativa. As cinco que estiveram no lançamento expressaram o desejo de, futuramente, escrever outro livro. “Eu deveria ter falado mais, contado mais. Mas dá para fazer outro, né? – perguntou Janete. Daniele, que mora em Laguna, concedeu entrevistas e foi convidada a deixar exemplares para venda em uma livraria da cidade.
Mais uma vez, em 2008, contamos com o apoio fundamental do SINDPREVS-SC, o Sindicato dos Previdenciários em Santa Catarina, para viabilizar a publicação da revista, da P&N Teórica e do livro Mulheres da Chico. Em 2009 queremos fazer a Pobres chegar ao número 20, terminando o ano com a publicação de mais uma P&N Teórica. E sabe mais o quê!

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Ato em solidariedade aos palestinos


O Comitê Catarinense de Solidariedade ao Povo Palestino realizou ato público na terça-feira, dia 6, em protesto contra os bombardeios em Gaza, na Palestina ocupada. O ato ocorreu em frente ao Pró-Cidadão, em Florianópolis. Participaram representantes do movimento sindical e popular na Capital. A Pobres estava lá. As fotos são da jornalista Vera Flesch, que já fez matéria para a revista, na qual entrevistou Khader Othman, que nasceu em uma cidade a oeste de Ramallah e hoje vive em Florianópolis. Ele é membro do Comitê.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Panos de beleza




Míriam Santini de Abreu

Gosto de toalhinhas de crochê, de tricô, bordadas, espalhadas sobre os móveis da casa. Minha mãe agora me presenteou com duas colchas e uma almofada feitas por ela, que dessas artes tudo entende. A renda da colcha rosa tem uns 60 anos, recente apenas o tecido. A colcha branca tem quase a mesma idade; ganhou apenas uma reforma. Panos belos, trabalho de décadas atrás, que me ligam com as mulheres da família.

Anoitecer

Míriam Santini de Abreu
Li uma vez sobre o anoitecer, hora da volta ao lar, da esperança, da renovação. Nasci às 6 horas, mas encantam-me mais as 18 horas, ou mais tarde, para ver o sol sumir atrás das montanhas, como nas do interior de Caxias do Sul.