quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Varais ao sol

Míriam Santini de Abreu
Dizem que o sol nasce para todos. Igualmente banhados pelos raios generosos, teríamos as mesmas oportunidades. Mas não. O sol não é social, ele é natural. E a frase de efeito fica assim apenas bonita, mas nada diz da crua desigualdade da nossa existência. Mas então completo a frase: sol nasce para todos os varais. Ah! Os varais são sociais. A roupa no varal conta um pouco do que somos, do que temos. O vestido de baile na segunda, fraldas na quarta, uma camiseta com o escrito AMOR na sexta, tudo pendurado ao sol. Panos cujo formato, cor, acessórios desvendam parte do que nos move.
Todo o serviço de casa me aborrece profundamente, menos lavar roupa e leva-lá à luz e ao ar. No balde, amontoadas, são algo sem forma; presas aos fios, se libertam. Às vezes, quando estendidas, roçam o rosto da gente, suaves, às vezes furiosas quando lhes açoita o vento sul. E então se enrolam numa promíscua confusão de viscose, algodão, náilon. Quando aparece um vizinho ou vizinha na mesma lida, trocamos olhares cúmplices e um sorriso fugaz. Missão comum: evaporar a água dos panos.
Nos dias em que o sol é ardente, gosto de terminar o serviço e depois me debruçar na janela para espiar o processo de secar. Os prendedores enfileirados parecem andorinhas coloridas. Cantos do mundo onde pano e grampo viram roupandorinha. É prazer igual a chegar em casa minutos antes de uma chuva forte de verão, a tempo de recolher a roupa seca e cheirosa.
Dirão talvez que isso seja coisa desimportante. O mundo se contorce e estou eu a meditar sobre varais. Mas respondo que, tantas vezes, os gestos mínimos ou raros, a pequenez, a desimportância podem ser revolucionárias. Tudo banhado pela luz. Dúvida? Voe para http://admiradoresdevarais.blogspot.com/

Um comentário:

Anônimo disse...

Só quem ama o mínimo pode escrever assim que nem Míriam.

O monge Wan Li ensina:
quanto menor,
mais do tamanho da China.

Karl