sábado, 8 de dezembro de 2007

Croniportagem 2 – O rio cai lento


Acima, rio Itajaí-açu; Alécio Leontino Pereira e Olegário Darolt mostram o mapeamento de Rio do Sul feito pela Defesa Civil; à esquerda, Hilbert Schlup



Míriam Santini de Abreu, jornalista

Encanta-me o nome do primeiro jornal nascido no Norte catarinense, o Der Beobachter am Mathiasstrom - O Observador às Margens do Rio Mathias - nascido em 2 de novembro de 1852 pelas mãos do imigrante polonês Karl Konstantin Knüppel. Imagino o homem a observar os humores do hoje poluído rio Cachoeira, que corta Joinville, e os humores dos primeiros colonos, para, pacientemente, redigir pequenas notícias e anedotas que depois eram copiadas e vendidas aos ávidos por informação. Gesto da noite do tempo, tão humano, esse de se deixar ficar à beira dos rios e a partir deles observar.
Foi também o que fez Francisco Frankenberger, nascido em 4 de outubro de 1856 na Alemanha, que veio para o Brasil e, depois de morar três anos em Blumenau, estabeleceu-se em Rio do Sul, no Alto Vale do Itajaí. Era setembro de 1892. Frakenberger observava e escrevia. Seus escritos podem ser lidos em um pequeno diário cor de ferrugem guardado no Arquivo Público Histórico de Rio do Sul e que, segundo a diretora Cátia Dagnoni, é um dos documentos mais importantes do acervo.
O diário é estruturado em duas colunas, a primeira dedicada ao tempo e a segunda aos acontecimentos na Colônia. Dizem, as breves notas, dum lugar de dois séculos atrás, dum cotidiano que muito lembra a expressão de Albert Camus, cotidiano de um primeiro homem, mas cuja história não se evaporou sob o sol nem se perdeu sob a cinza porque foi tornada eterna pela palavra. Os diários escritos em alemão e a tradução para o português estão disponíveis no Arquivo Público Histórico de Rio do Sul e na publicação Rio do Sul: Nossa História em Revista.

Fala, Frankenberger, da busca de alimento nas matas e no rio:

5 de setembro de 1892 - Coberto, chuva. Voltei de canoa, de passagem cacei antas, mas não deu nada.
18 de setembro de 1892 - Nublado, agradável. Pesquei, apanhei quatro peixes.
16 se abril de 1893 – Chuva, de manhã lua nova, coberto, bonito, clareou, muito bonito. Hoje apanhei 5 pacas, a tempestade de ontem quebrou o milho ainda mais.


Anotações sobre os cultivos:

24 de agosto de 1892 - Nublado. Vinho de laranja está ainda a fermentar.
13 de dezembro de 1892 – Muito bonito. Semeamos ervilhas, fui ao Rio do Bugre comprar víveres.
11 de fevereiro de 1893 – Chuvisco, chuva forte. Semeei repolho, alface, pepino, etc.


A anotação considerada historicamente a mais importante é a de 7 de setembro de 1892, que situa Frankenberger como o primeiro colonizador do Alto Vale do Itajaí:

Coberto, de noite chuva. Trabalhei pela primeira vez na minha colônia.

O dia-a-dia na então localidade de Matador tem nascimentos e mortes, passagem de tropas, missas, visitas a conhecidos, doenças, cuidados com os animais (A égua Jenny sofreu mordida de morcego e foi agredida por vermes, aplicamos mercúrio - 7 de novembro de 1892), fenômenos naturais (Chuvoso, agradável, à notinha lua cheia, nublado, eclipse lunar - 4 de novembro de 1892).

Em 12 de agosto de 1892, o Observador registra:

Coberto, nuvens altas, de noite chuva. Não aconteceu nada de especial, tudo está como era.

Os humores da natureza, especialmente do rio – em Rio do Sul está a nascente do rio Itajaí-Açu, formada pela confluência dos rios Itajaí do Sul e Itajaí do Oeste – são saborosamente adjetivados por Frakenberger: forte vento terral, o rio cai lento, violentas trovoadas o dia todo.

Décadas depois desses escritos, em 1983 e 1984, o rio caiu violento; 70% da área urbana do município foi afetada e a agricultura ficou completamente destruída. As duas grandes enchentes atingiram 120 das 125 indústrias, segundo artigo de Daniel Tomasini e Rafael Casanova de Lima e Silva Hoerhnn no livro Rio do Sul: uma história. No mesmo livro, Thaís Luzia Colaço e Jó Klanovicz dizem que há relatos esporádicos sobre enchentes no Vale do Itajaí desde 1851.
O diretor da Coordenadoria Municipal de Defesa Civil, Alécio Leontino Pereira, informa que, em julho de 1983, quando houve 20 dias de chuva, o rio atingiu a marca mais alta registrada, 15,08 metros. O nível normal oscila entre 1,20 e 1,50 metro. Até quatro metros, a situação é normal; entre 4 e 5, de atenção; de 5 a 6,5, de alerta; acima de 6,5, de emergência. Diariamente, às 7 e às 17 horas, o funcionário da prefeitura Olegário Darolt verifica a altura atingida pelo rio num ponto no centro da cidade.
Como Frakenberger, ele é um Observador, e seus registros viram planilhas no computador. Mas é pouco medir em apenas um ponto. É que essa atividade de monitoramento andava em segundo plano, com falta de investimento, o que deve mudar no primeiro semestre de 2008 com a instalação de novos pontos de medição automática, chegando a 19, com recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos e da Universidade Regional de Blumenau (FURB), totalizando cerca de R$ 1,500 milhão aplicados. Hoje, quando o nível da água pode comprometer o município e a população, são fechadas duas barragens, uma em Taió e outra em Ituporanga, que fazem parte do sistema de contenção de cheias do Vale do Itajaí. O sistema estava com pouca ou nenhuma manutenção, situação que começou a mudar em 2007.

Hilbert Schlup, 67 anos, apelidado de Seu Madruga, maneja com firmeza o rastel com o qual afofa a terra numa área verde da Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (Unidavi) às margens do Itajaí-açu. Funcionário da Universidade há quase 11 anos, ele cuida da limpeza e da conservação, e conhece boa parte das árvores plantadas na barranca próxima à margem do rio, separadas – a barranca gramada das águas cor de chocolate – por uma terra cinza e rachada:
- Olha, ali é um cedro, ali uma canela de casca, e esse aqui é um ipê – enumera Schlup, que está sempre com um chapéu preto um pouco amassado. Tem um para o trabalho e outro para sair – adora ouvir música e dançar. Ele conta que trabalhou na roça, como arrendatário, mas teve que deixar a vida de agricultor para trás. “Depois me joguei de empregado.”
Schlup, quando pequeno, gostava de brincar no rio, e lamenta que hoje as águas do Itajaí-açu não sejam mais cristalinas.
- A gente se jogava ali, era branquinha, o peixe era tanto nos ribeirão de água forte! Hoje não se vê mais um peixe pular, não dá mais coragem de tomar um banho.
O rio, diria Frankenberger, cai lento, e agora também poluído.
  • Veja entrevista com Hilbert Schlup:
Crédito: Periodistas Pobres & Nojentas

Para saber mais sobre os diários de Francisco Frankenberger, acesse os dados sobre o Projeto Resgate do Patrimônio Histórico do Alto Vale do Itajaí: http://www.amavi.org.br/setores/turismo/ph/municipal/riodosul/Folclore%20e%20Tradicao%20-%20Museu%20e%20Acervo%20Historico%20-%20Diario%20de%20Francisco%20Frankenberger.pdf?PHPSESSID=c78bb1217e678ef1b37c717a7b6f91ce



Um comentário:

Anônimo disse...

Este é o caminho, dulcíssima.

Karl