Elaine Tavares
- jornalista
A greve dos
trabalhadores do transporte público foi uma linda lição de luta de classe, que
durou três dias em Florianópolis. Nesses momentos de ruptura da ordem
estabelecida é que se pode ver como todo esse pacto que os ditos liberais fazem
de “colaboração e parceria” com os trabalhadores se traduz em nada. Basta que os
trabalhadores exijam um direito, melhores salários e melhores condições laborais
e o empresariado arreganha os dentes, acompanhado de toda a mídia comercial,
mais os poderes da república. Tudo vira contra a luta dos trabalhadores. E eles
ainda passam pelos grandes vilões.
Quem mora numa
cidade grande, sabe. O trânsito mata. Não só por conta da violência dos
acidentes, mas pelo caos diário que provoca estresse e selvageria. Nesse
universo, um motorista de ônibus, que faz dezenas de viagens, iguais e
repetitivas, está submetido a forte pressão. Não é à toa o pedido de redução de
carga horária para seis horas. E a resposta dos empresários? “Isso é impossível,
vamos ter de contratar mais gente!”. Mas, ora, e isso não é bom? Mais emprego,
mais “colaboradores”? Pois ninguém fala sobre isso. A imprensa, feito papagaio,
se limita a reproduzir à exaustão os argumentos pífios dos empresários.
Em todos os canais
de televisão foram convidados os empresários do transporte, os lojistas,
especialistas em economia e o festival de bobagens se espraiou. Reclamações
indignadas dos comerciantes que estavam perdendo dinheiro. E a culpa, de quem?
Dos trabalhadores. Declarações indignadas dos empresários do transporte sobre o
prejuízo à cidade. E a culpa, de quem? Dos trabalhadores. Também a população era
incitada a dar sua opinião, com os telefones abertos, para que reclamassem à
vontade. E a culpa, de quem? Dos trabalhadores.
Uma reportagem da
RBS mostrou um repórter, dentro de uma empresa de ônibus, no interior de um
veículo que tentava furar o cerco que os grevistas faziam em frente ao portão. O
espetáculo da defesa do direito daquele trabalhador específico que queria
trabalhar, e não podia. Uma minoria entre os motoristas e cobradores, mas foi o
que recebeu os holofotes. A maioria dos trabalhadores que enfrenta o trânsito
maluco de uma cidade que prioriza o carro não teve sua história contada. As duas
seriam boas histórias, as duas, e não apenas um lado da
moeda.
Não teve repórter
na casa de um motorista mostrando seu cotidiano, sua vida na periferia, seu
acordar de madrugada, seu medo de assalto nos madrugadões, o sacrifício para
criar os filhos. Não. A dor era a dos empresários que, desgraçadamente, estavam
tendo prejuízos por conta do fato de que os trabalhadores estavam exigindo
direitos.
Também os números
eram manipulados na cara dura. “Os empresários estão dando aumento de 7%, o que
querem mais?”, diziam os comentaristas, arvorados subitamente de defensores da
ordem e das gentes. Mentira. A proposta era de recomposição salarial de quatro e
pouco, mais dois de aumento real. Os mesmos comentaristas,
inflamados diante da ousadia dos trabalhadores não eram capazes de falar que em
Florianópolis são apenas cinco empresas que cobrem o serviço de transporte, que
há um monopólio de linhas, que as gentes não têm opção, que nunca houve
licitação para a contratação das empresas, que tem gente graúda da política com
ações nessas empresas. Nenhuma confrontação de dados sobre os lucros das
empresas, do que a prefeitura joga de dinheiro público no serviço privado. Nada.
Hélio Costa foi o único que fez alguma pergunta incômoda ao representante dos
empresários, mas acabou incorporando o discurso de que o caos era culpa dos
trabalhadores.
O prefeito Dario
Berger, como sempre, foi um fiasco, agindo como se a prefeitura não tivesse nada
o que fazer diante da “violência” imposta pelos trabalhadores. Seu único arroubo
foi dizer que mandaria punir os donos de vans que estariam cobrando a mais dos
quatro reais autorizados pela prefeitura. E nenhum repórter ou comentarista para
questionar essa omissão.
A procuradoria foi
rápida em dar seu parecer, lançando uma nota digna de “nota”. Chegou a propor a
demissão de 10% dos trabalhadores de cada empresa, como medida de punição aos
trabalhadores em luta. E a nota era lida e relida, como se fosse a verdade
verdadeira. Lembrei-me do dia em que entramos na Justiça com pedido de suspensão
do show do Bem Harper, no Campeche, que estava sendo proposto em uma área de
preservação permanente. Nenhuma palavra da “justiça”. Contra os ricos não há
ação “punitiva”. Não há. É fácil ser valente diante daqueles que só têm os “seus
corpos nus”, como diria o grande contador de histórias do povo, o repórter
Marcos Faerman.
Mas essa gente
aguerrida fez a sua luta. Mostrou que esse papo de conciliação entre capital e
trabalho não existe. Não há como existir. Os trabalhadores estarão sempre em
busca de melhoria no seu fazer cotidiano que, dentro do capitalismo, sempre será
de exploração. É uma corda esticada no limite. E nesse cabo de guerra, os
empresários nunca – eu disse nunca – serão bonzinhos. Cada pequeno avanço só vem
com luta, luta forte, luta renhida. Assim, quando a luta de uma categoria se
faz, o certo mesmo é haver a união de classe. Os trabalhadores todos, juntos,
apoiando a luta daqueles que tiveram coragem de fazê-la.
Aí, agora, os
papagaios dos poderosos já estão atuando ideologicamente. Os trabalhadores
venceram essa queda de braço, arrancaram mais uma coisinha dos patrões. Isso não
pode ficar impune. Então, o braço duro da vingança vem com força. Já começam a
falar em aumento da tarifa. E aí, a culpa será de quem? Dos trabalhadores que
lutaram. Falar-se-á em conluios, em tramoias entre o sindicato dos trabalhadores
e os patrões. Dir-se-á que foi tudo armado, que era jogada. E mais
uma vez os trabalhadores serão punidos, porque ousaram lutar e vencer.
Então, quem tiver
ouvidos para ouvir, que ouça. A greve é a expressão da luta de classe. A greve é
a ruptura da ordem que impõe a exploração aos trabalhadores. A greve é um dos
poucos recursos de força que os trabalhadores têm para negociar. Ela é
necessária para que os direitos avancem. Se vier aumento, não é por causa da
greve. É porque os empresários não querem diminuir em um centavo sequer os seus
lucros. Então, eles, não satisfeitos em sugar os trabalhadores, ainda sugam o
povo. Se vier aumento, a causa é a ganância pelo lucro, a omissão de uma
prefeitura que não se importa com os cidadãos.
E se ele, o
aumento, de fato vier? Então, será hora de a população aprender com os
motoristas e cobradores. Lutar e vencer!
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