Por Elaine Tavares -
jornalista
Os lutadores sociais e os
sindicalistas de boa cepa tem uma triste sina. São sempre vistos como os arautos
da desgraça. Estão sempre a clamar que alguma coisa muito ruim está vindo, que
algo terrível vai acontecer. E o pior é que é isso mesmo. A desgraça vem. Foi o
que ocorreu no que diz respeito ao Hospital Universitário. Desde o ano de 2007
que as pessoas ligadas ao movimento de luta por saúde de qualidade vêm dizendo
que o governo quer privatizar esse que é o único hospital totalmente público de
Santa Catarina. Ninguém nunca acreditou.
Quando estávamos na direção do
sindicato dos trabalhadores da UFSC promovíamos uma atividade chamada de “café
com sonho”. De manhã cedo, esperávamos as pessoas que vinham do interior do
Estado, para serem atendidas no HU, com um café quentinho e a informação sobre
as propostas governamentais de criar uma empresa privada para dirigir o
hospital, desvinculando o mesmo da universidade. No geral, as pessoas pegavam o
panfleto, liam, conversavam, se apavoravam, e era tudo. Voltavam para suas
cidades e esqueciam. O que é natural, porque quem está doente quer mais é
resolver o problema que lhe aflige.
Mas, no caso dos trabalhadores do HU
a coisa era ainda pior. Como grande parte não gostava - e ainda não gosta - de
conversas de sindicato, nem dava atenção ao que se denunciava. Os panfletos
ficavam nos lixos ou jogados no chão. Os apelos para mobilização eram
ridicularizados. “Lula não vai fazer isso”, ou “ esse tipo de coisa nunca vai
acontecer”. E o tempo passou e a fundação privada vingou.
Apesar disso, muita coisa se fez.
Matérias nos jornais sindicais, atos públicos, abraços ao HU. Um grupo de
valentes lutadores - trabalhadores e estudantes - nunca esmoreceu. Mas não foi
suficiente para barrar a tal da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares,
criada há pouco tempo. Na fala do governo federal – de onde saiu a proposta –
vem a conversa mole de que é uma empresa pública. Não é. É de direito privado,
portanto, vai atuar como tal. Seu objetivo é o lucro. E como se gera lucro no
atendimento à saúde? A resposta vem do médico Pedro Carreirão Neto: “cortando
serviços, diminuindo a qualidade e enxugando pessoal”. Então, imaginem o que vai
acontecer se o HU for entregue a essa empresa. O que nem é tão bom, vai
piorar.
A ideia do governo é de entregar mais
de cinco bilhões de reais para criar a nova empresa. Se esse dinheiro fosse
direto para os hospitais, quanto bem não faria. Mas não. Será criada toda uma
estrutura gigantesca para administrar os hospitais universitários de todo o
país. O objetivo do governo é diminuir custos. Mas, é uma incoerência. Como
diminuir custos, criando mais gastos? Bueno, a resposta a essa questão é
simples. O governo mente. A empresa de serviços hospitalares é uma exigência do
mercado. Empresas, médicos, laboratórios, e mais uma série de abutres querem
ganhar dinheiro com a saúde das gentes. E sem risco, porque vão ganhar tudo de
mão beijada do estado. É um negócio espetacular.
Não é sem razão que o povo brasileiro
vê, todos os dias, as grandes redes de comunicação lançarem matérias enormes
sobre a falta de qualidade dos hospitais públicos. A campanha de demonização do
que é público não é por acaso. Não acontece assim, de repente, a mídia se
interessar pela saúde dos pobres. Tudo isso faz parte de uma campanha muito bem
urdida de lavagem cerebral. Mostra-se, à exaustão, o horror dos hospitais, e
depois vem a boa notícia: agora vai privatizar. Como se privatização fosse a
solução para as coisas ruins que acontecem na saúde pública. É fato que o
atendimento público não é bom, mas não há garantia nenhuma de o atendimento ser
melhor na iniciativa privada. Pelo contrário. Se o que vai valer é o dinheiro de
quem pode pagar, a coisa tende a ficar pior para os pobres.
Em Santa Catarina o governo do Estado
já entregou vários hospitais para as malfadadas “organizações sociais”, espécie
de ONGs que agora cuidam da administração dos mesmos. A lógica do lucro sobre a
doença. Coisa muito perversa. Os sindicalistas estão aí, desde há tempos,
denunciando, sem serem ouvidos. E a coisa foi se fazendo, urdida no silêncio,
pois o que aparece para a população é que agora tudo vai melhorar. Quem precisa
fazer uso de um hospital sabe que não é assim. Há algumas semanas os médicos de
Santa Catarina vêm se mobilizando na denúncia dos horrores que estão vivendo nos
hospitais. Áreas inteiras de hospitais são fechadas, atendimentos são
centralizados na capital, há leitos desativados, equipamentos apodrecem sem uso
por falta de pessoal. E agora? Dizer o quê? Muitos desses hospitais estaduais já
estão em mãos privadas. Significa que o que alardeavam os “arautos da desgraça”
era a mais pura verdade. Tudo ficou pior.
No último dia 19 de junho, o
Sindicato dos Médicos denunciou mais um momento de horror. Uma pessoa sendo
reanimada no chão, dentro do Instituto de Cardiologia de Santa Catarina, por
falta de condições estruturais, ou seja, uma simples maca. Segundo o sindicato,
não é raro que haja apenas um médico na emergência, o que inviabiliza qualquer
atendimento de qualidade. O governo se faz de morto e ainda tem a cara de pau de
dizer que não há falta de profissionais no sistema e que não irá chamar os novos
concursados. Só no Instituto de Cardiologia seriam necessários mais 13 médicos e
o dobro do pessoal de enfermagem. Mas, se a proposta das organizações sociais e
agora a da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares é de cortar gastos, isso
significa que essas reivindicações não deverão ser atendidas. Pelo menos, não
sem luta.
No Caso do Hospital Universitário
resta uma esperança. A universidade tem a possibilidade de decidir não aderir a
essa proposta de ter o seu HU administrado pela empresa privada. O governo diz
que cada universidade terá livre arbítrio, mas ao mesmo tempo trabalha pelas
costas, espalhando o rumor de que aqueles que não aderirem à empresa privada
poderão ter prejuízos na hora de buscar recursos. Segundo o doutor Carreirão
Neto, essa chantagem é imoral e inadmissível: “O governo não poderá penalizar os
HUs que não aderirem, isso seria por demais perverso”. A vice-reitora da UFSC,
Lúcia Helena Pacheco, durante um seminário promovido pelo Fórum Catarinense em
Defesa do SUS e contra a Privatização, disse que a nova administração ainda está
tomando pé da situação, e que já pediu mais prazo ao governo para discutir o
tema. “Nós vamos fazer um fórum, um debate, enfim, vamos ouvir a comunidade.
Nenhuma decisão vai ser tomada sem isso”, afirmou.
De qualquer forma, ouvir a comunidade
não é suficiente. A começar pelos próprios trabalhadores do HU, a maioria sequer
sabe o que vem a ser essa empresa privada e quais os problemas que ocorrerão
caso ela venha a administrar o HU. Assim, conforme sugeriu o professor Irineu
Manoel de Souza, é necessário que as pessoas – trabalhadores, estudantes e
comunidade – sejam informadas do assunto para depois, com clareza do que isso
pode significar para a vida dos catarinenses, decidir. É bom lembrar que o HU
atende pessoas de todo o estado de Santa Catarina, com mais de 30 mil consultas
por mês, sem contar as internações. Assim, o certo é que também as prefeituras
de todo o estado informassem à população. Com a nova empresa, privada,
administrando o HU, estaria aberta a porta para o atendimento por plano de saúde
e qualquer ser humano sabe que entre um “cliente” endinheirado e um pobre sem
recursos, a escolha no mais das vezes tenderá a recair no que pode pagar, já que
numa empresa privada o que importa é o lucro.
Assim, o encaminhamento do Fórum é de
que a população se levante em luta contra mais essa selvageria capitalista que
pretende tomar corpo agora no Hospital Universitário. Vários hospitais do Estado
já estão em mãos de OSIPS – as tais organizações sociais – e a população está
cada dia com menos opções de atendimento público. Assim, não basta só defender o
HU, há que se fazer a luta pela retomada dos demais hospitais estaduais que
estão orbitando o círculo do lucro com a doença.
Como fazer para se manifestar? Há
várias maneiras. Organizar frentes de luta nas cidades, seja através de
sindicatos combativos, seja através de associação de moradores. Pressionar os
prefeitos, o governador. Participar das atividades chamadas pelos sindicatos de
trabalhadores da saúde. Enfim, juntar-se ao movimento. Um sindicato sozinho não
consegue muita coisa. É necessário que as gentes se mexam e ocupem as ruas. Nada
no mundo vem de graça para os pobres, os trabalhadores, tudo é conquistado à
duras penas. Há muita gente se organizando, então, encontre esse povo aí na sua
cidade, e mobilize-se. A saúde pública é um direito das gentes. Vamos garantir,
na luta, que ele seja exercido.
Basta de enganação e basta de abutres
lucrando com a dor do povo. Fora empresas privadas da saúde pública do Brasil.
As empresas que quiserem atuar na saúde privada, que arquem com seus riscos. Os
recursos públicos precisam ser investidos na saúde pública.
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