Por Elaine Tavares
- jornalista
“Na federal é assim. Todo ano tem
greve”, dizem, entre risos, alguns estudantes. É como se fosse um ritual a
cumprir, e algo que nascesse da “vagabundice” dos trabalhadores públicos que não
querem trabalhar. É certo que tem algum trabalhador que se comporta dessa forma,
mas não é a maioria. Se fosse assim, as universidades não funcionariam e nem
seriam as instituições mais importantes do país, onde se cria 90% da ciência.
Algum mérito os técnico-administrativos têm de ter nisso aí, porque nenhuma
pesquisa, estudo ou extensão acontece sem esses trabalhadores.
E, como é comum nas relações de
trabalho, todo os anos os trabalhadores precisam ter seus salários ajustados,
pelo menos no que diz respeito às perdas do período, como acontece com qualquer
outra categoria. Mas, entre os trabalhadores públicos não é o que sucede. Não há
data-base para eles. Os salários só se reajustam se existe luta. E olha que é
lei. E, como também ocorre com qualquer outro trabalhador, os públicos
igualmente comem, vestem seus filhos, gastam com saúde, educação e tudo mais.
Logo, precisam recuperar as perdas e, de quebra, garantirem um aumento real.
Não bastasse esse kit-básico da
vida laboral que diz respeito a salário, os trabalhadores públicos lutam desde
há anos por uma carreira. E o que é isso? A possibilidade de, entrando numa
instituição pública, fazer carreira lá dentro, mudar de posto, crescer, como
também acontece nas empresas privadas. Mas, isso, igualmente está fechado para
os trabalhadores públicos. Não há proposta de carreira e uma criatura, ao entrar
num cargo, ali fica até morrer, mesmo que estude e se qualifique. Fora isso, ao
longo dos anos, por conta dos governos de plantão, muitas outras desgraças se
abateram sobre o funcionalismo – principalmente os do executivo. Cargos
importantes foram extintos, funções iguais ganharam salários diferenciados,
aposentados foram mal enquadrados na tabela salarial, enfim, um festival de
horrores.
Tudo isso vem sendo discutido com
o governo, sem avançar um passo sequer. Na greve do ano passado, os
trabalhadores ficaram quase três meses parados e as negociações não avançaram em
nada. O governo exigiu o fim do movimento para apresentar uma proposta. Os
trabalhadores saíram da greve, derrotados. E o governo não ofereceu proposta.
Desde 2007 já foram contabilizadas 52 reuniões com o governo, no que ele chama
de negociação permanente. E o que de fato permanece é a completa indiferença com
a situação dos trabalhadores. Os salários estão congelados, não foram feitas as
mudanças de racionalização dos cargos, os aposentados perdem direitos. O
caos.
Na semana passada os
trabalhadores das universidades decidiram encaminhar um indicativo de greve.
Mais uma. Porque também não dá para ficar aturando enrolação permanente de um
governo que não se dispõe a oferecer qualquer solução aos problemas criados.
Pelo contrário, existe até projeto propondo o congelamento dos salários em 10
anos.
Pois a última reunião com os
representantes da Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do
Planejamento foi uma tristeza. Usando da velha tática da chantagem, a
funcionária do Planejamento, Marcela Tapajós, disse que era muito difícil o
governo sentar com os trabalhadores que já estavam anunciando greve. Ao que foi
respondido que a proposta de greve só nasceu por conta de essas reuniões não
saírem do lugar. E o que se sucedeu não foi diferente de tudo o que os
trabalhadores vêm vivendo desde sempre. Conversa fiada, chantagem e ameaças.
Basta ver como o governo está tratando a greve dos professores, também se
recusando a conversar. Nas mesas “de enrolação”, o governo aparece ora com a
conversa de mudança no piso, ora com uma ideia de nova carreira, mas nada
aparece como proposta real. Apesar de alardear crescimento no PIB nos últimos
anos, a presidente Dilma não quer saber de dividir isso com os trabalhadores.
Certamente o interesse maior é seguir pagando os escorchantes valores das
dívidas externa e interna.
E, assim, o governo vai criando
um impasse, deixando os trabalhadores num beco sem saída. Nas mesas, nada
avança. Então, talvez, quem sabe, na luta. Mesmo com a derrota no ano passado,
os trabalhadores acreditam que não dá para ficar inerte, vendo os salários
congelarem e todas as misérias da carreira e da tabela salarial seguirem
crescendo.
Isso significa que as
universidades viverão nova greve dos técnicos administrativos. Em Santa
Catarina, o movimento dos professores que assoma em todo o país, não chegou. Os
sindicatos de docentes não chamaram assembleias nem deliberaram por greve. Há
uma apatia e uma acomodação muito grande entre eles. Mas, o dos
técnico-administrativos acatou o indicativo da Federação Brasileira dos
Sindicatos das Universidades Brasileiras e deve entrar em greve a partir do dia
11 de junho, assim como também os técnico-administrativos dos Institutos
Federais.
Como sempre acontece, uma greve
na universidade demora a tocar a sociedade. No geral, os movimentos duram de
dois a três meses. Não tem a mesma força que uma greve de ônibus, que paralisa
uma cidade e não passa dos três dias. Greve na educação é coisa que se arrasta,
como se parar o processo de criação de conhecimento de milhares de pessoas fosse
algo sem importância. Parece até que o governo lucra com a greve, já que muitos
dos gastos acabam diminuindo. É uma coisa perversa. O governo deixa os
trabalhadores sem qualquer aceno de negociação e passam-se os meses. Quando
então aparece algum impasse, como a impossibilidade de um início de semestre,
uma formatura, ou coisa assim, então a sociedade se volta contra os
trabalhadores. Eles são os vagabundos que não deixam seus filhos se formarem, ou
arranjarem um emprego. Toda a dor das famílias dos trabalhadores fica no vazio,
diante da ira de quem precisa de um serviço que não é prestado.
Então, na queda de braço entre os
trabalhadores e o estado – no geral sempre a serviço do capital – o cordão
arrebenta no lado mais fraco. Até porque, desde o final dos anos 90 que os
trabalhadores públicos vêm diminuindo seu ímpeto de luta. As últimas greves
tiveram muita adesão, mas pouca mobilização. Isso significa que os serviços
param, mas a força da luta não aparece em passeatas massivas ou atos de massa.
Isso é ruim porque o governo percebe a fragilidade do movimento e aí deixa o
tempo passar para que a greve vá se desmilinguindo.
Esse ano está colocado mais um
desafio. Muitos trabalhadores novos entraram nas universidades nos últimos
tempos. Espera-se que esse sangue novo vibre na órbita da luta mesma, luta real,
na rua, na mobilização. Muitos direitos que os trabalhadores mais antigos ainda
têm, os novos não terão garantido. Entraram em desvantagem. Então, mais motivos
ainda têm para fazerem a greve ferver. Vai ser um momento importante no qual
esses novos trabalhadores mostrarão a que vieram: se são meros carreiristas,
pulando de concurso em concurso, ou se tem mesmo o desejo de atuar na construção
de uma educação universitária de qualidade e com compromisso social.
A semana que vem aponta para esse novo embate com o governo.
Educação parada. Universidade parada. Criação do conhecimento prejudicada. A
eterna luta do trabalho contra o capital. Sim, porque quando um governo prefere
pagar juros a banqueiros em vez de valorizar seus trabalhadores, ele está, de
fato, representando o capital. A luta de classe outra vez se expressando. A ver
como se comportam a sociedade, os trabalhadores, o governo, o capital.
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