Elaine Tavares
A mídia comercial geralmente não tem partido. É neutra, dizem seus donos. Isso é uma meia verdade. Na química, neutro é aquilo que não é ácido nem base e na física diz-se dos corpos que não apresentam eletricidade. Na política, neutro é quem não toma partido entre as forças beligerantes. Então, nesse contexto, a mídia se arroga o direito de dizer que não toma partido, apenas mostrando o que acontece. Bom, pode-se dizer que os veículos de comunicação brasileiros não são ácidos nem são base, tampouco apresentam eletricidade, mas, que tomam partido diante das forças beligerantes , ah , lá isso tomam. No geral, a mídia está sempre do lado do poder. Não importa se é de direita ou de esquerda. A pessoa sentou na cadeira presidencial e, num repente, todos os meios já se domesticam.
No caso do Brasil houve uma simbiose. Quando Luis Inácio elegeu-se presidente advogando a etiqueta de “homem da esquerda”, houve certo rumor e desconforto. Mas, seu primeiro ato como presidente foi ceder uma entrevista exclusiva para a maior rede do país, a Globo. Estava selada a paz. Depois, as verbas publicitárias foram generosamente distribuídas e tudo ficou como dantes no quartel de Abrantes. Durante os oito anos em que governou Luis Inácio, a mídia se comportou direitinho.
Na troca de governo para Dilma Roussef as coisas seguiram iguais. Durante a campanha pode-se sentir uma espécie de recaída, pois os poderosos têm hábitos alimentares que podem ser escondidos, mas nunca superados. E, os espectros do Serra e do PSDB acirraram as glândulas salivares das grandes redes. Mas, as urnas deram vitória à sucessora de Luis Inácio e os donos das palavras logo voltaram ao ponto anterior, de paparicação do rei, agora, no caso, rainha.
Passado um semestre do governo da nova presidenta, seguimos vendo a mídia fazer seu papel “neutral”. Diante da crise de corrupção generalizada dentro do governo, lá estão os âncoras das grandes redes a louvar a capacidade de “faxina” de Dilma Roussef. A mulher não tem medo de assumir seu posto de mando e está conseguindo garantir a ética e a retidão no uso da coisa pública. Roubou, está fora. Não há mole para a corrupção. Olhando as reportagens a imagem de Dilma é a de uma Diana Caçadora, no caso, dos corruptos. Já vimos esse filme.
Para os espectadores que consomem as notícias do Jornal Nacional, do Datena ou do jornal da Record, a impressão é de que este é o tema mais importante a ser tratado no país. A faxina nos transportes, a faxina nos ministérios, a força da presidenta em livrar a nação dos ladrões. Cada dia aprece um caso diferente de corrupção pequena, média ou grande. É a agenda. Mas, como bem lembra o professor de Economia da UFSC, Nildo Ouriques, a corrupção tem três níveis: o dos pequenos ladrões, o das privatizações e o do sistema financeiro. “Dilma está atacando apenas o primeiro nível, o que é importante. Mas precisamos fazer uma devassa no processo das privatizações, no qual a Vale do Rio Doce, por exemplo, no mesmo ano em que foi vendida por três bilhões, teve um lucro de cinco bilhões. E ainda tem o sistema financeiro, com lucros exorbitantes. Isso precisa também ser investigado e sanado”.
O outro lado da moeda
Enquanto louva-se a “limpeza” presidencial na região norte do país, todo o dia morre alguém, lutando contra a avançada dos latifundiários sobre as terras indígenas. Lutam os ribeirinhos e povos originários contra a gigante barragem que vai destruir a vida de quase todo o Xingu. Uma barragem que já se mostrou desnecessária diante das novas tecnologias energéticas, mas que segue a passos largos atendendo aos interesses das grandes empreiteiras e das multinacionais.
Nos supermercados os preços disparam e os salários das gentes empobrecidas já não são suficientes para uma vida digna. A inflação avança. Imagine quem não tem salário e vive de bico. Nisso, o programa do Gugu é pródigo, mostrando a desgraça da vida dos imigrantes nordestinos em São Paulo, que rezam a deus para que o apresentador sorteie sua carta e eles possam voltar para casa. É, a mídia também tem suas contradições, como diria o grande Adelmo Genro.
Entre os trabalhadores a situação é mais grave. Com o movimento social e os sindicatos praticamente destruídos durante o governo de Luis Inácio, domesticados pela cooptação, pela “mesa de negociação permanente”, pelos cargos e pela divisão, o governo avança no aniquilamento dos direitos trabalhistas, sem que haja grandes protestos.
No ano passado, durante a greve dos trabalhadores da Justiça Federal, Luis Inácio apelou para o Supremo Tribunal de Justiça, pedindo ilegalidade da greve, criminalizando a Federação dos Trabalhadores, a Fenajufe. A ação governamental foi um golpe tremendo no direito à greve, e acabou desestruturando o movimento, uma vez que o STJ deferiu uma liminar exigindo que 60% voltassem ao trabalho sob pena de multa, até que fosse julgado o mérito. Em 2011 saiu o acórdão que julgou a questão dizendo que o STJ não tinha condições de julgar contra a Fenajufe, porque o âmbito da greve deveria ser restrito às bases dos sindicatos e não à Federação, que seria apenas uma subsidiária.
Agora, durante a greve dos trabalhadores das Universidades Federais, a presidenta Dilma usa do mesmo expediente e manda a Advocacia Geral da União entrar na Justiça contra os trabalhadores técnicos-adminsitrativos em greve, também esperando pela decretação da ilegalidade do movimento. Já escolados pelo caso da Fenajufe, a ação não é só contra a Fasubra (federação que representa os técnicos-administrativos), mas também contra cada sindicato local. Isso significa que a greve pode ser julgada nos mais diversos tribunais regionais. Enquanto isso, o movimento paredista segue caminhando para mais de 60 dias, sem que o governo aceite estabelecer uma mesa de negociação real. É a mais alta expressão do autoritarismo.
Enfim, toda a austeridade e retidão que a mídia tem incensado à exaustão não colocam em xeque, por exemplo, a distribuição de dinheiro público para as obras que envolvem a Copa do Mundo de 2014. Os estádios gigantes que serão construídos com dinheiro do povo servirão para quem? Serão colocados à disposição das gentes brasileiras para a prática de esportes ou servirão para engordar a conta de cartolas do mesmo naipe de Ricardo Teixeira? Alguém tem alguma dúvida quanto às respostas?
A corrupção é uma praga difícil de estancar, e justamente por isso não deveria ficar só no primeiro nível, como aponta Ouriques. Uma verdadeira limpeza precisa chegar também às multinacionais, às grandes empresas prestadoras de serviço ao Estado, aos crimes de lesa pátria cometidos durante as privatizações e aos embusteiros cotidianos que conformam o sistema financeiro nacional. Sem isso, é insuficiente. E, no caso da mídia, o mais interessante seria que praticasse o verdadeiro jornalismo em vez de ficar posando de vestal pudica e neutral.
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