Uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em 2007, distribuída para a 4ª Vara do Trabalho de Criciúma, teve uma tramitação tão complexa que a sentença só foi publicada mais de quatro anos depois. A decisão determina que a empresa Seara Alimentos S.A. tome providências visando a preservação da saúde dos seus empregados na unidade industrial de Forquilhinha, sul catarinense, e condena a ré a uma indenização de R$ 14,6 milhões, por danos sociais. Durante a tramitação, o processo acumulou mais de 30 volumes e quase seis mil páginas.
Há alguns anos o MPT vem se ocupando com a saúde dos trabalhadores em frigoríficos, que manuseiam peças semi congeladas de aves, suínos ou bovinos, em ambientes com baixa temperatura.
Tudo começou com a demissão, em 2006, de dez trabalhadoras da ré, que segundo o MPT, se ausentaram por alguns minutos da sala de cortes por não suportarem o frio intenso do local.
Quando tomou conhecimento dos fatos o MPT promoveu uma série de diligências nas quais verificou a precariedade das condições de trabalho na empresa, com temperaturas abaixo de 10 °C e carga de trabalho exaustiva, que provocaram número crescente de empregados doentes e incapacitados para o trabalho.
O motivo da demora no julgamento é tratado na sentença de 73 páginas, que condena a empresa por litigância de má-fé, caracterizada por inúmeras atitudes com objetivo protelatório, segundo a juíza do trabalho Zelaide de Souza Philippi. Após analisar o processo, ela conclui que a ré, durante a demanda, “vem lançando mão de todo o expediente possível e imaginável no intuito de intimidar o autor, seu assistente litisconsorcial e o próprio Juízo, além de procrastinar o andamento do feito, conduta que não pode passar impune.”
Entre as iniciativas da empresa que podem se sujeitar aos incisos do art. 17 do Código de Processo Civil (CPC) - litigância de má-fé -, a magistrada destacou, “prefacial de ausência dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo, pela não submissão do feito à Comissão de Conciliação Prévia, absolutamente ciente da inexistência daquele órgão na localidade de Forquilhinha, no intuito único de protelar o feito (tanto que, no curso da presente demanda, não demonstrou autêntico intuito de conciliar)”.
A juíza também registrou a intenção de cerceamento da atuação do procurador do trabalho que assinou a petição inicial, pleiteando sua substituição e a intervenção do procurador-chefe.
Além disso, anotou a tentativa da ré de “intimidar os juízes que atuaram no feito, lançando ameaças veladas de fechamento da unidade de Forquilhinha em caso de procedência da demanda, bem assim de processos judiciais” contra as autoridades mencionadas, por supostos prejuízos causados, bem como “exceção de suspeição absolutamente intempestiva e infundada, com intuito único de causar embaraços ao andamento do feito e coagir as autoridades”.
A Juíza Zelaide salienta, por fim, que o advogado da empresa empregava reiteradamente “expressões irônicas, injuriosas e agressivas em relação aos demais litigantes, ao perito técnico designado nos autos e ao próprio Juízo”, referindo-se às trabalhadoras demitidas como “grupelho”.
Tal profissional ainda referiu que o perito teria frequentado “sessões de tanglomanglo” - alusão à feitiçaria - para justificar suas conclusões, de que o MPT estaria atuando de maneira “pérfida”, e que o juízo teria armado “circo de horrores para a empresa”. Por essas razões, a magistrada concluiu pela litigância de má-fé da empresa, determinando o pagamento de multa prevista no art. 18 do CPC.
A julgadora vislumbrou nas condutas da ré, além dos prejuízos ao trabalhador individual, reflexos nocivos à coletividade. Para ela, a conduta de precarização do trabalho atinge a sociedade local e o sistema previdenciário do país, acionado por trabalhadores incapacitados para o trabalho. E conclui: “Entendo, assim, que as reiteradas práticas da demandada de desrespeito à normas legais e constitucionais relacionadas ao Direito do Trabalho devem ser desestimuladas, bem assim reparado o dano social causado, na forma dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, mediante o arbitramento de indenização que contemple não apenas a gravidade da conduta da demandada e os efeitos maléficos decorrentes, mas também o poderio econômico da empresa”.
A empresa foi condenada, dentre outras medidas, a conceder pausas de 20 minutos para cada 1 hora e 40 minutos trabalhados, sempre que a temperatura medida no local de trabalho for inferior a 10ºC, bem como a instalar instrumentos de controle da temperatura eficazes e garantir o acesso do MPT e do sindicato profissional para verificação a qualquer tempo.
Também determinou a suspensão de horas extras na linha de produção, a garantia aos empregados de ida ao banheiro sempre que precisarem, bem como a aceitação de atestados médicos de profissionais não ligados à empresa, acatando o tratamento e o período de afastamento prescritos, sem qualquer limitação. A ré ainda fica obrigada a diagnosticar antecipadamente as doenças relacionadas à atividade, afastando imediatamente o empregado e fazendo a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT).
Por fim, a juíza Zelaide confirmou a antecipação de tutela concedida inicialmente e condenou a empresa a pagar a indenização por danos sociais. Os R$ 14,6 milhões deverão ficar à disposição do juízo até que a Secretaria Estadual de Saúde e o Instituto Nacional de Seguro Social apresentem, em conjunto, projeto a ser custeado com o valor da condenação, destinado à recuperação de trabalhadores e reintegração ao mercado de trabalho.
A empresa entrou com recurso para o TRT/SC.
Fonte: Assessoria de Comunicação Social do TRT/SC
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