sábado, 23 de janeiro de 2010

Via Pane: a nova padaria da Pobres

Por Elaine Tavares

Florianópolis é uma cidade feita para ricos. Aqui, as ruas priorizam carros e o transporte coletivo é o pior do sul do país. Caro e ruim. Opções de lazer também quase não existem e ao pobre resta a praia, que tampouco é uma opção barata. Com o ônibus custando 2,50, ir e vir, para uma única pessoa, já custa cinco reais. Se for a família toda, aí a coisa pega. Tudo é difícil para quem não tem dinheiro. Um encontro para o café no final de tarde, então, nem pensar. A gente sai do trabalho, já estressado pensando na maratona de ônibus que vai enfrentar até chegar a casa, e uma paradinha para o café com os amigos é coisa difícil de fazer porque os preços estão pela hora da morte. As confeitarias tiram o escalpo e um café chega a custar três reais, com um pão de queijo, já se vão seis reais. Nas livrarias chiques, tudo é bonito, há paz, mas os comes são caros. Aí não dá. As lanchonetes mais baratas são tumultuosas e a gente tem de comer em pé. Não há condições. A hora é de relaxar.

E foi na busca de um lugar barato para tomar café no fim da tarde que nós, “as pobres”, encontramos a Padaria Brasília. É uma padaria que fica bem em frente a Praça XV, tem bastante movimento de gente, lugar para sentar e um café mais um pão com manteiga ficam por 1,50. Perfeito. Enfim, tínhamos um lugar. E essa padaria acabou sendo nosso referencial para os finais de tarde. Passeatas, greves, protestos e passeios, tudo acabava ali, onde as atendentes, apesar de lentas, eram simpáticas e já conhecidas. Até a Pobres e Nojentas nasceu ali, naquelas mesas entre farelos de pão bem quentinho.

Pois um belo dia, tudo ruiu. Voltávamos de uma grande mobilização de trabalhadores que havia fechado a ponte e causado um grande engarrafamento na cidade. Tudo já tinha acabado e decidimos tomar café, para comemorar, e esperar acabar a confusão do trânsito para voltarmos para casa. Lá fomos nós para a Padaria Brasília. Desfrutávamos nosso café com pão, e falávamos excitadas, sobre a grande manifestação. Estávamos felizes, havia muito tempo não tínhamos tantos nas ruas, mobilizados e em luta. Então , um homem que estava na mesa ao lado começou a gritar com a gente. Estava indignado com o fato de não ter podido sair da cidade. Era de Tubarão e queria ir embora. Ficou trancado na cidade por conta do fechamento da ponte. A gente tentou conversar, explicar os motivos dos trabalhadores estarem mobilizados, mostrar que ninguém gosta de trancar a ponte e apanhar da polícia. A gente faz isso para ser visto, ouvido, para reivindicar, quando ninguém mais nos escuta. Nada adiantou, o cara foi se alterando e já estava quase partindo para a porrada.

Foi quando chegou a dona da padaria e passou a dar razão a ele. Basicamente a mulher estava nos enxotando. Não importava que fôssemos suas clientes de anos, que vivêssemos fazendo propaganda do seu café com pão, que a tivéssemos quase como uma velha amiga. Aflorou ali o seu pensar político. Ela também era contra as manifestações, os trabalhadores em luta e tudo mais. Ela também nos achava um bando de vagabundo, baderneiro e tudo mais que os conservadores pensam de gente que precisa lutar para poder viver. Foi o fim. Saímos dali perplexas, chocadas, ainda ouvindo os gritos do homem. Acabava-se o sonho da padaria Brasília. Nunca mais poríamos o pé ali. Foram anos e anos de convivência quase diária e acabava assim, numa descoberta infeliz. A mulher dera razão a um cara lá de Tubarão, que nunca tinha entrado na padaria, que só tinha entrado ali para esperar a ponte abrir. A mulher era contra as lutas. Era contra nós. Pois ela nos perdeu. Saímos e batemos o pó das sandálias. Nunca mais voltamos.



Desde então iniciou nossa jornada em busca de uma padaria onde pudéssemos comer e conversar nos finais de tarde. Foram meses de procura pelo centro da cidade. Achamos algumas, mas sempre na lógica do lugar apertado e pequeno, onde não se podia sentar. Zanzamos pelo centro, pagando caro em lugares ruins, sonhando em encontrar algo que fosse, pelo menos, parecido com a padaria Brasília. Um belo dia, já sem opções, arriscamos ir um pouco mais adiante, na rua do terminal velho, um espaço da cidade em que nada mais há, porque com a desativação do terminal de ônibus, aquilo virou um estacionamento. Fica um vazio de gente por ali. Pois eis que era bem naquele lugar que estava a surpresa. Uma padaria, barata e com mesinhas. Virou nosso ponto. As atendentes logo passaram a nos tratar como velhas conhecidas, já sabem nossos gostos, já sentem nossa falta quando demoramos. O rapaz do caixa também virou amigo, parceiro das conversas. Temos de volta um lugar seguro no centro de Floripa.

Fica ali, quase em frente ao velho terminal, chama-se Via Pane. Serve pão quentinho, café delicioso e as garotas que atendem são um amor. As “pobres” tem um novo porto. Já a padaria Brasília, soubemos, fechou suas portas depois de quase meio século. O motivo: não sabemos, mas deve ter se rendido à especulação imobiliária. Sei lá. Agora também não importa. Já temos um novo amor!


Lugar bonito, gostoso e com gente muito legal...

2 comentários:

Anônimo disse...

hey, vcs escrevem bem! por causa disso fui dormir tarde. visitarei mais tarde aqui, ou melhor, outras vezes. michelle.

Anônimo disse...

Sobre a padaria brasilia, eu precisava achar o dono, o padeiro, alguém que tenha trabalhado lá. Adorava um doce que faziam lá, já procurei por tudo, não acho, talvez nao exista com aquele nome, era a sola, uma massa folhada recheada com creme. terias algum contato ainda?