domingo, 3 de agosto de 2008

Renovar o Céu, arranjar as estrelas e lavar a lua

Míriam Santini de Abreu

Recebi o que seria a cópia de uma fatura que um mestre-de-obras teria apresentado em 1853 pela reparação que fez na Capela do Bom Jesus de Braga, em Portugal. Excertos:

Tirar as nódoas ao filho de Tobias, 95 réis
Uns brincos novos para a filha de Abraão, 245 réis
Avivar as chamas do Inferno, pôr um rabo ao Diabo e fazer vários consertos aos condenados, 245 réis
Retocar o Purgatório e pôr-lhe almas novas, 355 réis
Meter uma pedra na funda de David, engrossar a cabeleira ao Saul e alargar as pernas ao Tobias, 95 réis


Meti-me a pensar na riqueza do que seriam, em outro contexto, metáforas, mas que, nesse precioso documento, expressam a concretude do trabalho de um operário. No jornalismo atual as metáforas são malditas. Quando aparecem, soam piegas. Raras provocam deleite. Nada tenho contra as metáforas, mas também me compraz uma escrita mais dura. De todo o modo, estou a teorizar sobre o encanto dessa fatura, que expressa apenas um fazer e consegue colar-se na pele da gente como poucos textos jornalísticos hoje, na sua assepsia de narrativa morta.

E segue mais um encanto fabricado por esse mestre-de-obras:

Renovar o Céu, arranjar as estrelas e lavar a lua, 130 réis