Fernando Karl
Para iniciar o ritual da nudez, a Senhora retorna ao quarto, após o banho de sais, envolta numa toalha branca. Para entenderes bem o que é o céu na alma, observe primeiro o modo como ela se desnuda. Eu obedeço, dando ao rosto o maior interesse possível, enquanto a senhora deita na cama e acaricia as pernas com óleo de amêndoas. Acaricia, também, o Ponto G, com sabonete de gérbera.
Confesso que foi no verão a primeira vez que vi a Senhora, no Café Graben, que era então o único lugar onde se podia observar, pela imensa janela transparente, as pessoas que andavam na rua. E elas todas iam ao açougue, à Botica da Erva Santa ou ficavam nos bancos no Largo do Paço.
No Café Graben eu tinha fome, muita fome, porque não havia comido nem uma folha de alface nem bebido um copo d’água sequer. A Senhora entrou de longo chapéu azul, como se usava naquela época, e sua nuca muito branca foi o que de imediato me chamou atenção. Ela se sentou próxima de gordas senhoras, nas suas ricas vestimentas que, ao fundo do Café Graben, faziam barulho com o garfo e a faca e davam com a língua nos dentes sobre um assunto ou outro, sempre banal.
No momento em que a Senhora se levantou para ir ao banheiro, eu fui atrás, um pouco encharcado de vodca, confesso, e aconteceu dela se espantar quando o animal que há em mim arrancou cada peça de sua roupa e ali a Senhora ficou, no meio do banheiro, com a nudez branca e um tufo de pêlos negros entre as coxas. Confusão? Tumulto? Nada disso. Ela colou seu corpo no meu e fiquei durante minutos passando a língua nos ombros, nos quadris, no púbis, com a intenção de secar a chuva que nesses lugares havia se acumulado.
Depois que saímos do banheiro do Café Graben, a Senhora foi levada em braços para a Botica da Erva Santa, veio o farmacêutico, era noite; a Senhora tinha a cabeça rachada e, da fenda de sua cabeça tentava sair, com dificuldade, um pássaro azul com garras afiadas que bateu asas, singrou ao telhado de um casarão próximo.
Dali do interior da Botica da Erva Santa pude fazer sinal a um tílburi que por ali passava; e retornamos, eu e a Senhora, ao sobrado onde ela residia.
O tílburi, no meio do caminho, atropelou uma menina de 12 anos. Eu escutava a respiração da menina, com a alma nos olhos, incapaz de desvendar sequer um resquício de sua breve existência. O dono do tílburi fugiu e nunca mais foi visto.
Por muito tarde que chegássemos ao sobrado da Senhora, não estávamos com sede, ela adormeceu e a coloquei na cama.
Enquanto ela afundava a cabeça no travesseiro, meditei sobre esse princípio indestrutível: a uma água de chuveiro nunca se destroça e o sabonete de gérbera da Senhora continua lá, abandonado, no ladrilho do banheiro. Assim chamo de incorruptíveis às águas fortes dessa ducha; e porque os cabelos da senhora esquecem sombras no tapete, eu a chamo de rainha da Babilônia e quando o céu é alto eu digo: eis a respiração da rainha.
Para iniciar o ritual da nudez, a Senhora retorna ao quarto, após o banho de sais, envolta numa toalha branca. Para entenderes bem o que é o céu na alma, observe primeiro o modo como ela se desnuda. Eu obedeço, dando ao rosto o maior interesse possível, enquanto a senhora deita na cama e acaricia as pernas com óleo de amêndoas. Acaricia, também, o Ponto G, com sabonete de gérbera.
Confesso que foi no verão a primeira vez que vi a Senhora, no Café Graben, que era então o único lugar onde se podia observar, pela imensa janela transparente, as pessoas que andavam na rua. E elas todas iam ao açougue, à Botica da Erva Santa ou ficavam nos bancos no Largo do Paço.
No Café Graben eu tinha fome, muita fome, porque não havia comido nem uma folha de alface nem bebido um copo d’água sequer. A Senhora entrou de longo chapéu azul, como se usava naquela época, e sua nuca muito branca foi o que de imediato me chamou atenção. Ela se sentou próxima de gordas senhoras, nas suas ricas vestimentas que, ao fundo do Café Graben, faziam barulho com o garfo e a faca e davam com a língua nos dentes sobre um assunto ou outro, sempre banal.
No momento em que a Senhora se levantou para ir ao banheiro, eu fui atrás, um pouco encharcado de vodca, confesso, e aconteceu dela se espantar quando o animal que há em mim arrancou cada peça de sua roupa e ali a Senhora ficou, no meio do banheiro, com a nudez branca e um tufo de pêlos negros entre as coxas. Confusão? Tumulto? Nada disso. Ela colou seu corpo no meu e fiquei durante minutos passando a língua nos ombros, nos quadris, no púbis, com a intenção de secar a chuva que nesses lugares havia se acumulado.
Depois que saímos do banheiro do Café Graben, a Senhora foi levada em braços para a Botica da Erva Santa, veio o farmacêutico, era noite; a Senhora tinha a cabeça rachada e, da fenda de sua cabeça tentava sair, com dificuldade, um pássaro azul com garras afiadas que bateu asas, singrou ao telhado de um casarão próximo.
Dali do interior da Botica da Erva Santa pude fazer sinal a um tílburi que por ali passava; e retornamos, eu e a Senhora, ao sobrado onde ela residia.
O tílburi, no meio do caminho, atropelou uma menina de 12 anos. Eu escutava a respiração da menina, com a alma nos olhos, incapaz de desvendar sequer um resquício de sua breve existência. O dono do tílburi fugiu e nunca mais foi visto.
Por muito tarde que chegássemos ao sobrado da Senhora, não estávamos com sede, ela adormeceu e a coloquei na cama.
Enquanto ela afundava a cabeça no travesseiro, meditei sobre esse princípio indestrutível: a uma água de chuveiro nunca se destroça e o sabonete de gérbera da Senhora continua lá, abandonado, no ladrilho do banheiro. Assim chamo de incorruptíveis às águas fortes dessa ducha; e porque os cabelos da senhora esquecem sombras no tapete, eu a chamo de rainha da Babilônia e quando o céu é alto eu digo: eis a respiração da rainha.
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