sexta-feira, 16 de maio de 2008

A gente adora uma muvuca!

Por Míriam Santini de Abreu

A gente adora uma muvuca! Basta caminhar no centro das cidades para perceber: o povo pára quando percebe uma agitação incomum, um alarido, um bafafá. Formam-se aquelas rodas cerradinhas, quem está fora nada vê, tem que chegar perto, forçar passagem, esticar o pescoço. Mesmo os apressados estreitam as sobrancelhas para tentar ver algo que dê uma pista do motivo para a curiosidade.
Há nas ruas das cidades esses seres incomuns: o velho, tocador de viola, chapéu preto com algumas pratas juntadas ao longo do dia; os guarani, meninos e meninas ainda, com sua canção pungente, que sempre deixa a alma um pouco dolorida, ligada a um passado que, às vezes, ameaça não ter futuro; o vendedor de homens-aranha, que lança os pegajosos bonequinhos paredes acima enquanto grita: - Lá vem eles, lá vem eles!; o homem da cobra, estranhas ervas à venda, ameaçando os transeuntes com uma suposta cobra dentro de um saco. E como fala, esse o homem da cobra!
São acontecimentos da vida urbana bons de perceber. Revelam pequenas afrontas ao tempo do relógio, das mercadorias, da produção. Trinta segundos, um minuto, cinco, pouco mais, pouco menos, tirados para perceber a vida que pulsa na cidade, antes da entrega ao “expediente”. Tempo mágico, de desafio, impetuoso ao quebrar a rotina, arriscar um percurso diferente, um movimento mais sinuoso do corpo, um pensamento hostil ao estado de coisas dito normal.
Milton Santos dizia que, se há um futuro possível, ele está sendo gestado nas cidades, onde revela-se de maneira crua o desamparo a que boa parte da população está relegada mas, que, também, abre novas possibilidades de ampliação da consciência. Em seu livro “Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal”, ele diz que é nas cidades que se observarão a renascença e o peso da cultura popular.
Pena que esse espaço público apareça sempre tão negativamente na mídia. A rua é confundida com pista de veículos, com espaço de comércio – “comércio de rua” em contraposição ao “comércio de shopping”. Há poucas notícias e reportagens que abram outros sentidos, permitindo que essa vida que pulsa nas cidades apareça, mostre-se em suas belezas e feiúras. Mas Milton Santos também acreditava que, sob a pressão das situações locais, das pessoas vivendo nos lugares, se gestaria uma “comunicação imaginosa e emocionada”. Esse tempo virá, e para dar notícias desse espaço.

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