domingo, 18 de novembro de 2007

Trabalho pesado

Míriam Santini de Abreu, jornalista

Volta e meia me pego pensando em uma notícia lida no final de setembro, “Bombeiros apagam incêndio que durou 180 anos em mina chinesa”. Dizia que a equipe especial de bombeiros trabalhava na extinção das chamas desde 1997, e que o fogo fora provocado aparentemente por mineradores que teriam discutido com seu capataz, na mina Rujigou --região autônoma de Ningxia-- no século 19. O incêndio consumiu 30 milhões de toneladas de carvão, cerca de 10% da reserva total da jazida, em quase dois séculos.
De tudo isso, tão inusitado, o que mais me chamou a atenção foi o fato de que, devido à alta toxicidade da fumaça, cada bombeiro só podia trabalhar no máximo 10 minutos seguidos, o que retardou as tarefas.
Dá para imaginar um serviço desses?
Um livro-reportagem a propósito do tipo de trabalho reservado para determinados grupos sociais é “Cabeça de Turco”, do jornalista alemão Günter Wallraff. Em 1983 ele publicou anúncio em jornais de seu país para procurar emprego, “mesmo que seja muito pesado e sujo, mesmo que paguem pouco”. E assim, meses a fio, ele se empregou disfarçado de turco, justamente para mostrar como a sociedade alemã tratava esses imigrantes. O capítulo no qual fala sobre suas atividades de limpeza em uma usina nuclear é terrível. O trabalho era terceirizado, e subempreiteiras pagavam miséria para que os operários se expusessem à radiação.
Em poucos dias, ou horas, às vezes até mesmo segundos, eles recebiam a dose máxima de radiação permitida por ano. Isso, no jargão nuclear, era chamado, segundo o jornalista, de colocar o operário para “queimar”. Ninguém era avisado sobre as seqüelas tardias que a radiação poderia provocar.
O trabalho de limpeza nas usinas siderúrgicas é igualmente terrível. Descrição de Wallraff:

Depois de uma hora de ofensas e tormentos, o “xerife” aparece e constata que é impossível prosseguir com essas ferramentas primitivas. Manda buscar perfuratrizes, brocas e compridas raspadeiras. Sem máscaras, voltamos a atacar a massa compacta, provocando nuvens de pó. Sob os constantes insultos dos dois chefes, rastejamos para o interior da máquina. O barulho estrondoso das perfuratrizes ecoa nos estreitos dutos metálicos, ensurdece-nos completamente. Protetor de ouvidos? Nunca ouvimos falar nisso... os olhos ardem, o nariz escorre, todos começam a escarrar. É o inferno! [...]
Os joelhos estão ensangüentados; as calças, esfarrapadas; as luvas de trabalho, despedaçadas. E a máquina de transbordo continua parada! Já faz treze, catorze, quinze horas que estamos aqui dentro, batendo com estas ferramentas pesadas e engolindo todo este pó [...]


Aos turcos, diz o jornalista, restam poucas alternativas além desse tipo de trabalho, caso queiram permanecer na Alemanha.
Sobre a questão do trabalho no mundo capitalista vale ler “O horror econômico”, da jornalista francesa Viviane Forrester, sobre o qual há várias resenhas na internet.
Há que se pensar que não é apenas o trabalho dito pesado que adoece as pessoas. Um caso ilustrativo é o dos bancários, cada vez mais acometidos por lesões por esforço repetitivo. E, se os sindicatos que representam esses trabalhadores fazem a luta necessária junto aos banqueiros, o mesmo não acontece em relação às milhares de pessoas que trabalham nas lotéricas, fazem serviço de bancário e tem representação legal frágil como categoria profissional. Assunto que vale uma grande reportagem.

Nenhum comentário: