Por Míriam Santini de Abreu – jornalista
O mundo está sempre à espera de interpretação; o jornalismo também, e nos dois sentidos. Ao jornalista, tanto cabe interpretar a realidade no cotidiano da profissão quanto buscar conceitos que originem outros olhares sobre a teoria e prática do jornalismo. Em seu livro “Jornalismo nas margens: Uma reflexão sobre comunicação em comunidades empobrecidas” (Companhia dos Loucos, 46p.), Elaine Tavares aponta caminhos nos dois sentidos.
Ao longo de cinco capítulos, ela começa pelo resgate de conceitos que, de alguma forma, refletem sobre esse jornalismo não hegemônico, feito às margens, voltado para a grande parcela da população que está abandonada pelo poder público. Entre os autores citados despontam diferentes formas de nomear: folkcomunicação, comunicação alternativa, comunicação popular. Em todos elas a “comunidade” aparece como elemento que desencadeia essa forma de comunicar e, assim, a autora, ao pensar sobre o significado da palavra comunidade, traz uma reflexão fundamental: a imprensa comunitária não é produzida somente pela e para a comunidade. Ela também se faz com a comunidade.
Esse ponto de vista faz nascer o conceito que conduz os pensares dos outros quatro capítulos: jornalismo libertador. Para isso, Elaine busca raízes na Filosofia da Libertação, especialmente no que para ela contribuiu o filósofo argentino Enrique Dussel. Ela traz, para o jornalismo, uma forma de pensar o mundo a partir dos oprimidos, de narrar a vida a partir da consideração de cada ser como único, diferente, mas real. E nessa perspectiva estão embutidos alguns elementos citados pela autora. Um deles é o papel do próprio sujeito-jornalista que, ao trabalhar junto aos que estão à margem, precisa refletir sobre o comprometimento com certas realidades que são negadas ou distorcidas pelo poder público e pela grande imprensa.
A autora discute esses aspectos no capítulo 3, no qual deixa claro que jornalismo é serviço público e nada tem de “neutro”. Segue pela vereda aberta por Adelmo Genro Filho, demolindo um dos tristes pilares do jornalismo moderno, a crença na “objetividade”. E deixa claro que essa ótica libertadora não vale apenas para iniciativas feitas nas comunidades. Ela pode ser colocada em prática nos meios hegemônicos e chegar a um público maior e difuso, entre o qual possa despertar reflexões.
Outro aspecto levantado por Elaine é a necessidade de o jornalista olhar o mundo a partir do ponto de vista local. Essa reflexão relaciona-se intimamente com o pensamento do geógrafo Milton Santos, que vê no lugar, espaço de vivência, a origem da resistência contra os interesses dos atores hegemônicos globais. E cabe ao jornalista praticar essa comunicação imaginosa e libertadora. No capítulo 4, são desenvolvidos aspectos da notícia popular, que necessariamente precisar ligar os acontecimentos do lugar com o regional, o nacional, o mundial, e vice-versa, contextualizando e discutindo o significado dos fatos para a comunidade no qual eles repercutem, fazem sentir seus efeitos.
No capítulo 5, a autora oferece caminhos para colocar a teoria em prática, discutindo as vantagens e as diferentes opções de veículos que podem ser usados nas comunidades. A busca de uma realidade, diz o jornalista Marcos Faerman, exige uma linguagem capaz de captá-la. E é certo que “Jornalismo nas margens: Uma reflexão sobre comunicação em comunidades empobrecidas”, ao dar corpo ao conceito de jornalismo libertador, avança na construção de uma teoria que possa dar conta de inspirar narrativas e jornalistas comprometidos, dispostos, como aponta Elaine, a “dizer o dizível e o indizível, ser capar de ver o que está além dos olhos, narrar, descrever, contar a história”, ajudar, enfim, a narrar e construir um tempo novo.
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