Samuel Frison
http://palavramundo-fsg.blogspot.com
O que leva uma pessoa a rever um filme ou ler um livro tantas vezes e transformá-lo num objeto de culto? Pergunto-me que essência contém tal filme ou livro que ressoa em tanta complicidade na pessoa que o cultua. Eis que novamente pus-me a ver 84 Charing Cross, traduzido no Brasil como Nunca Te Vi, Sempre te Amei. Confesso que assisti ao filme como se fosse pela primeira vez, como se estivesse descobrindo o primeiro amor e, encantado, deixasse-me levar pelo fluído da narrativa. Não é um filme Avatar, cheio de efeitos especiais. Foi produzido por uma quantia mínima.
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O que leva uma pessoa a rever um filme ou ler um livro tantas vezes e transformá-lo num objeto de culto? Pergunto-me que essência contém tal filme ou livro que ressoa em tanta complicidade na pessoa que o cultua. Eis que novamente pus-me a ver 84 Charing Cross, traduzido no Brasil como Nunca Te Vi, Sempre te Amei. Confesso que assisti ao filme como se fosse pela primeira vez, como se estivesse descobrindo o primeiro amor e, encantado, deixasse-me levar pelo fluído da narrativa. Não é um filme Avatar, cheio de efeitos especiais. Foi produzido por uma quantia mínima.
A história é muito simples e aconteceu realmente: escritora solitária, apaixonada por livros ingleses antigos, mantém uma correspondência de décadas com livreiro inglês casado. Entre eles, surge uma amizade que transcende as fronteiras, somente pelo charme das cartas que um envia para o outro. Por isso a tradução Nunca te Vi, Sempre te Amei que acaba por entregar o final. Charing Cross é o nome de uma famosa rua em Londres onde ficava a livraria. Minha paixão por essa história foi tão grande que sabendo que um amigo iria a Londres, pedi para que fotografasse o endereço. Quando para minha decepção o prédio havia sido demolido, restanto apenas uma placa num local, onde hoje funciona uma fast food.
Em tempos de comida rápida, Nunca Te Vi, Sempre te Amei conta a história de gente muito simples, mas com singeleza: é um apenas que é muito. A escritora Helene Hanff (personificada com maestria pela maravilhosa atriz Anne Bancroft) e o livreiro Frank Doel (Sir Anthony Hopkins, em início de carreira, quando ainda fazia filmes bons). Não há reviravoltas mirabolantes, nem planos e sequencias inovadores. Há uma terna história, de uma amizade sincera, uma ode aos livros e à leitura, um convite à excentricidade e a complitude. Sempre fui fascinado pela vida dos escritores. Quando leio um livro, além de conhecer a história, procuro saber onde viveu o escritor, que obras lançou, quais eram suas ideias, que palavras semeou ao vento, onde era o seu espaço de criação. Helen Hanff, que viveu sua vida em Nova Iorque, gostava de comprar ou trocar livros antigos para além de lê-los, ver anotações e sentir o cheiros dos leitores que os possuíram. Era uma bibliófila, apesar dos poucos, mas cultuados exemplares que possuía em seu apartamento.
O quarto-sala onde vive Helene, no filme, é um reduto para mim. Gostaria de viver ali, rodeado de livros antigos, poder passear pelo Central Park, em Nova Iorque, com meu exemplar de Yeats embaixo do braço. Em certa sequência da película, sua melhor amiga, a atriz Maxime, traduz meus pensamentos, quando diz "se eu fosse um livro, gostaria de morar aqui!". Com o passar do tempo, a escritora se muda para um apartamento maior, não menos aconchegante, cercada de livros. O espaço criativo é o espaço das ideias. Pessoas excêntricas são as que admiro, pois são alternativas, diferentes, têm personalidade e marcam pela diferença, num mundo tão pasteurizado como o nosso. Os excêntricos são um antídoto para o tédio.
Outro charme do filme são as cartas. Elas chegam sempre com a promessa de um novo livro, mas também como forma de cumplicidade sobre histórias e autores. É com elas que a amizade de Helene e Frank se torna mais sólida, e se estende para a esposa dele, filhas e os livreiros da 84 Charing Cross. Saudades de receber a carta de um amigo. E-mails não tem o mesmo charme. Cartas vem com selo, envelope e papéis personificados. São sinestésicas, não há divisão entre emissores e receptores. Há o crivo da letra, o perfume do emissor, a força da expressão em linhas e a cumplicidade do destinatário.
Nunca te vi sempre te amei foi lançado oficialmente no ano de 1987. Vi-o pela primeira vez em 1991, ano que ingressei na universidade, num cinema que já não existe mais também. Naquele tempo os filmes levavam de seis meses a um ano para chegar ao interior. Por anos o acompanhei nas reprises das madrugadas da Globo, mais precisamente na Sessão de Gala. Nos anos 90, uma peça foi encenada no Brasil, reproduzindo o livro de mesmo nome, com Eva Vilma e Carlos Zara, no papel de Helene e Frank. Hoje o que resta dele é uma cópia rara em DVD e o livro, que encomendei pela estante virtual. Mas é reconfortante saber que ele está lá na minha estante e basta a saudade apertar para eu novamente deixar-me levar. Não vejo a hora de, novamente, reencontrar Helene e Frank.
Um comentário:
Mimi! Obrigado pelo link e postagem. É sempre um privilégio contribuir para Pobres. É como receber a carta de um amigo, algo de existencial. Bjss
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