Por Raul Fitipaldi
Desde que começaram as primeiras escaramuças na Tunísia, leio com certo desconforto, que muitos colegas começaram a enxergar revoluções atrás de postes, na fila da padaria e no canto das torcidas organizadas. Ora, que difícil é para nós entendermos minimamente o que acontece no meio oriente, e com que cota de esforço tentamos nos separar da mídia dominante, e lembrar que no meio disso tudo o exército israelense continua bombardeando Gaza; que as potências de ocidente têm com o mundo árabe todo o mesmo instinto que já tiveram com o Iraque.
Por momentos, nós, euro-centristas deslavados, viramos "árabes" desde a nossa mais cândida infância. Estas noites me remoí pensando como circulamos em volta dos mantras dos meios desinformativos de dominação, cantando-os como se fossem o anúncio natalino da Coca-cola. A digna e antiga luta do povo árabe não pode ser tratada como um espetáculo virtual ou um show mediático. Queremos esquecer que no Oriente Médio também a crise estrutural do neoliberalismo está levando os povos às ruas? Que a chama mobilizadora é o desemprego, a fome e a ruptura de contenção da arruinada Europa?
Observo, por enquanto, com as reservas de quem não entende nem línguas nem costumes, que não parecem manifestações originadas no Departamento de Estado ianque, mas, que também não se trata de processos revolucionários. É verdade que ocidente quer se montar encima da mobilização do povo para tirar seus benefícios e corrigir o rumo desconhecido destes protestos que abalam as estruturas muito podres do capitalismo árabe. Mas também não há, ao menos a simples vista, menhum processo revolucionário (e nem toda e qualquer mobilização popular, por mais gigante que ela seja e por mais legítimos que sejam os reclamos que a inspirem, é um movimento revolucionário).
Até o aparente efeito dominó parece difícil de comprovar. Mais do que um contágio, o que transparece no cotidiano dessas mobilizações é um desgaste estrutural do neoliberalismo, o que pode levar a um reajuste do modelo, segundo cada país, ou a um aprofundamento da crise de modelo que terá várias e duras etapas, de acordo com as específicas condições daquelas sociedades. Quem sabe revolucionárias no sentido latino-americano, revoluções incipientes as nossas, que os setores mais dogmáticos da esquerda não costumam aceitar como tais (parece que faltam as receitas e as bulas tradicionais).
A disputa entre uma Mudança dentro da Hegemonia Neoliberal ou uma Mudança de Época enquadra as expectativas de leitura sobre os fatos acontecidos no mundo árabe. Correrão águas que terão muita sujeira interpretativa antes que as clarezas das reivindicações criem as condições para saber se assistimos a uma simples época de mudanças e de ajustes próprios das crises cada vez maiores do sistema ou, ao início de uma nova época no Oriente Médio que venha a criar uma condição política e econômica refundancional que supere a atual organização da sociedade, criando mecanismos de justiça e distribuição da riqueza, que respeitem a cultura da região e liberem os explorados.
Se a substituição dos líderes dos processos que há décadas estão no poder implica um desgaste dos líderes é uma coisa, se supõe um desgaste de modelo é bem outra. Então, é salutar ser moderado e se inclinar por avaliar cada passo dos conflitos e das mobilizações, compreendendo que o fator econômico é o centro eixo da mobilização e não aspectos culturais, religiosos ou de visão ocidental da democracia, ou como se lhe queira chamar ao procedimento pelo qual mudamos os nomes e consolidamos os modelos.
Não desejo nestas linhas, e não é por oportunismo nem abandono, discutir caso a caso, apenas quero estender minha impressão de que há mais uma crise do modelo neoliberal em curso. Que há mais uma disputa regada de petróleo e de pontos estratégicos no Planeta. Que há mais uma história mal contada que se avoluma a cada dia em torno da mídia situacional e, pior, que há muita ansiedade da mídia crítica e alternativa, em olhar desejos legítimos como realidades consumadas. Quero enfatizar que poucas vezes houve tanto para narrar e nunca esse tanto, foi tão difícil de entender e avaliar. Parece-me hipócrita e desnecessário sair cantando louvor a umas revoluções que não consigo enxergar, e também grotesco, dar o aval a todas e cada uma das versões que a mídia do sistema nos injeta minuto a minuto. Nem quero ser moralista só com a ladroagem dos governantes árabes e esquecer a pilantragem diária dos bancos mundiais, ou das fortunas desviadas do Brasil que enchem os paraísos fiscais? Toda fortuna tem que voltar às mãos dos produtores da riqueza: os trabalhadores. Não posso nem devo aplaudir os inflamados discursos de Obama e Sarkozy. São Nossos Inimigos, nunca esqueçamos que se trata da voz do invasor. Só desejo como jornalista e como ser humano que nossos irmãos árabes encontrem, para cada país e para cada reclamo, a solução necessária para que aquela parte estupenda do planeta tenha justiça social, liberdade e soberania comunicacional, o que já a tornaria bem mais democrática que a Velha e podre União Europeia. E que caia quem tem que cair quando quem se levanta é o Povo explorado.
Para concluir, confesso ao leitor que me sinto mais à vontade com aquilo que melhor posso compreender, por isso, não relevo de transcendência conjuntural, por enquanto, a luta dos trabalhadores de Ohio, Wisconsin e Indiana, que ocuparam vigorosamente as ruas nestes dias, e menos ainda, a luta histórica do Povo Palestino, que embora não o vociferem a cada momento a Globo e a CNN, tem sido bombardeado como sempre esta semana, pelo exército israelense, sócio e parte do Império ocidental em Oriente Médio.
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