sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Polícia catarinense prende líderes do MST em “ação preventiva”


Um dos coordenadores estaduais do MST em Santa Catarina, Altair Lavratti, foi preso na noite desta quinta-feira em Imbituba numa ação que lembra os piores momentos de um estado de exceção. Com uma força de mais de 30 policiais militares, a prisão foi efetuada no momento em que ele realizava uma reunião pública, num galpão de reciclagem de lixo da cidade. A acusação é de que Lavratti, junto com outros sindicalistas e militantes sociais preparava uma ocupação de terras na região. Foi levado sob a alegação de “formação de quadrilha”.

Segundo informações divulgadas no jornal Diário Catarinense, que estava “magicamente” no ato da prisão ao lado da polícia, os integrantes do MST estavam sendo monitorados desde novembro depois que um integrante do Conselho de Segurança Comunitária de Imbituba passou informações sobre a organização de uma suposta ocupação em terras do estado. Outras duas pessoas também foram presas, sendo que uma delas, Marlene Borges, presidente da Associação Comunitária Rural, está grávida. Ela teve a casa cercada na madrugada de sexta-feira e foi levada para Criciúma. Outro militante, Rui Fernando da Silva Junior, foi levado para a cidade de Laguna.

Integrantes do MST, advogados e um deputado estadual estiveram procurando por Lavratti durante a noite toda, mas não haviam conseguido contato até a manhã de sexta-feira, quando souberam que de Imbituba ele havia sido levado para Tubarão.

Ainda segundo informações da polícia, o juiz Fernando Seara Hinckel autorizou gravações telefônicas e determinou a intervenção do Ministério Público. Também teria havido a participação de P-2 (policiais a paisana, disfarçados) infiltrados nas reuniões dos militantes sociais da região de Imbituba.

Usando de um artifício já usado contra o Movimento dos Atingidos das Barragens, que foi o de prender “preventivamente” integrantes do movimento alegando “suspeita de invasão”, o poder repressivo de Santa Catarina repete a dose agora contra o MST. Para a polícia e para o poder público, reuniões que envolvam sindicalistas e lutadores sociais passam a ser “suspeitas” e sendo assim, passíveis de serem interrompidas com prisão. Só para lembrar, este é um tipo de ação agora muito usado nos Estados Unidos, depois de 11 de setembro, quando o presidente George Bush acabou com todas as garantias individuais dos cidadãos. Lá, e agora também aqui, o estado pode considerar suspeita qualquer tipo de reunião que envolva movimentos sociais. Conversar e organizar a luta por uma vida melhor passa a ser coisa de “bandido”.

A acusação de formação de quadrilha não encontra respaldo uma vez que é pública e notória a preocupação do MST com a situação das famílias daquela região, que vem sistematicamente tendo que abandonar a zona rural em função da falta de apoio à agricultura familiar, enquanto o agronegócio recebe generosa ajuda governamental. A reunião na qual estava Lavratti justamente discutia esta situação e levava a solidariedade do movimento às famílias que seguem sendo despejadas de suas terras, ações que fazem parte do cotidiano do MST. A ação do governo se deve ao fato de em Imbituba ter sido criada uma Zona de Processamento e Exportações que tem engolido fatias consideráveis de dinheiro público sendo, portanto, considerada estratégica para os empresários da região.

Para o MST, as prisões foram descabidas, e só reflete a forma autoritária como o governo de Santa Catarina tem conduzido a relação com os movimentos sociais, criminalizando as tentativas dos catarinenses de realizar a luta por uma vida digna. Já para dar respostas aos atingidos pelo desastre em Blumenau, ou aos desabrigados pelas chuvas que tem caído torrencialmente este ano em Santa Catarina, não há a mesma agilidade estatal. Como bem já analisava o sociólogo Manoel Bomfim, no início do século vinte, ao refletir sobre a formação do estado brasileiro: “desde o princípio o Estado foi um aparelho de espoliação e tirania, feroz na opressão, implacável na extorsão. É um parasita”. Sempre aliado aos donos do poder e da riqueza, o Estado abandona as gentes e só existe para o mal do povo. É por conta disso, que, conforme Bomfim, “a revolta contra as autoridades públicas é o processo normal de reclamar justiça” já que as populações são sistematicamente abandonadas pelo Estado e pela Justiça enquanto a minoria predadora dos ricos e poderosos tem seus interesses defendidos, inclusive com o uso do dinheiro e do patrimônio que é de todos.

Como exemplo disso, basta trazer à memória o escândalo da Moeda Verde, quando ricos empresários locais fraudaram laudos ambientais para a construção de grandes empreendimentos na cidade de Florianópolis. Presos sob a luz dos holofotes, não ficaram um dia sequer na cadeia e o governador do Estado segue frequentando suas festas e dizendo ao país inteiro, através da televisão, que os empreendimentos construídos a partir da fraude são os mais bonitos da cidade e necessitam ser conhecidos e consumidos. Outro caso emblemático e atual, que não recebe a mão pesada do poder público, é o que envolve o vice-governador Leonel Pavan, enredado em escândalo de corrupção, e que também muito pouco interesse provoca na mídia. Não precisa ir muito longe para observar que Manoel Bomfim está coberto de razão: “os estadistas devem inquirir das condições sociais, indagar se as populações se sentem mais felizes e as causas dos males que ainda as atormentam, para combatê-las eficazmente”. Mas, em vez disso, lutadores do povo são presos e os direitos coletivos se perdem diante do interesse privado de uma minoria.

Um comentário:

Ricardo Prestes Pazello disse...

Reproduzo aqui meu comentário já feito no blogue "Assessoria jurídica popular", acentuando as barbaridades realizadas dentro do próprio sistema jurídico burguês e concordando plenamente: Manoel Bomfim é quem tinha razão, digo e não tenho medo de errar!

É realmente indignante saber da notícia da prisão de um companheiro como o Lavratti, em especial quando parecem querer os discursos mais otimistas dizer que temos uma democracia constitucional consolidada.

O crime de quadrilha ou bando, na redação do nosso código penal de 1940, é de uma falta de clareza impressionante: "Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes". Ora pois, se não há crimes comprovadamente verificados, como prender preventivamente por formação de quadrilha? É um devaneio lógico, uma razão epiléptica! Parece que todos os nobilíssimos juristas envolvidos nesse ato escabroso de "justiça" negligenciaram todas as discussões sobre a distinção entre invasão e ocupação. Um exemplo para crianças: invasão foi o que as elites européias empreenderam na colonização da América; ocupação é o que um movimento popular legítimo faz com terras improdutivas, lesivas ao meio-ambiente, desrespeitosas do bem-estar social e do trabalho. E não é doutrina minha nem da cabeça de ninguém; é a constituição da república! E mais: seria interessante o Luiz disponibilizar um dos textos produzidos pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos, com redação de MIguel Baldez, em que se coloca claramente a questão (BALDEZ, Miguel Lanzellotti. "Sobre o papel do direito na sociedade capitalista – Ocupações coletivas: direito insurgente". Petrópolis: Centro de Defesa dos Direitos Humanos, 1989). Precisamos lançar mão de um positivismo de combate, aqui, e construir um direito insurgente, acolá.

Nem vou falar que o crime de quadrilha ou bando está ao lado de outros crimes "inconstitucionais", como a apologia ou a incitação ao crime. Aqui, toda a criminologia crítica se refestelaria. E com a ajuda da filosofia italiana contemporânea, à Giorgio Agamben, encontraríamos nos acusados de quadrilha ou bando o "homo sacer", a vida matável e sacrificável a qualquer tempo, e a acompanhar-lhe o estado de exceção. Mas não precisamos da filosofia italiana, a não ser como argumento de autoridade. Toda uma literatura latino-americana sobre nossa realidade já está denunciando este problema e chega até a propor coisas lúcidas aos nobres juristas. Dussel, por exemplo, sugere, a partir da experiêncai venezuelana recente: “la Suprema Corte de Justicia o el Tribunal Constitucional en última instancia, debe ser igualmente el que juzgue la constitucionalidad de las leyes e instituciones, y debiera corresponderle algo más, es decir, el poder juzgar sobre aparición de nuevos derechos (por las luchas de reconocimiento de movimentos sociales) y sobre el hecho de que acontezca la necesidad de una modificación constitucional” (DUSSEL, Enrique D. "20 tesis de política". México, D.F.: Siglo Veintiuno Editores; CREFAL, 2006, p. 64). Ou seja, o direito, em última análise, deve reconhecer novos direitos (como o de ocupação) e não criminalizá-los analogicamente (violando os próprios princípios do direito penal).

Enfim, é a constituição, tão festejada, que resta descartada. E é ela quem traz o problema: "Art. 5º, XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar"

Ou estão querendo importar o inimigo terrorista para a realidade de reivindicações sociais brasileira ou estão pondo uma pá de cal sobre a carta política brasileira. No fundo, estão querendo calar o povo quando este sai de seu anonimato!

Companheiro Lavratti! Presente!