Míriam
Santini de Abreu
“Grande
Florianópolis tem maior crescimento do país” é a manchete desta quinta-feira,
25, do jornal Diário Catarinense, o carro-chefe impresso do Grupo RBS em Santa Catarina. O
estudo é do programa Habitação da Organização das Nações Unidas (ONU). A notícia,
na página 33, é acompanhada da “Opinião DC”, que inicia com a afirmação de que
“para os moradores é causa de justo orgulho o fato de a Organização das Nações
Unidas (ONU) ter apontado a região metropolitana de Florianópolis como a que
mais cresce no país”. Não se sabem os motivos de tal orgulho, porque, em
seguida, o texto lista os problemas da Capital:
“Eles
vão da falta de mobilidade, do saneamento básico deficiente, transitam pelas
áreas faveladas, focos de delinquência e carência, e chegam a muitos outros que
deprimem a sociedade”.
E
termina afirmando que “os benefícios do crescimento ordenado da região (...)
não têm sido distribuídos com a desejável justiça e equanimidade”: “O
verdadeiro crescimento não se restringe à economia. Mas supõe, também, o
compartilhamento dos seus frutos para a construção de uma sociedade mais justa
e humana. Chegaremos lá”.
A frase
final, como ligá-la ao trecho em que as “áreas faveladas” são indicadas como
focos de “delinquência e carência”? A resposta está no próprio jornal, em
reportagem especial publicada no dia 16 de outubro e que reproduziu notícia do
jornal O Globo, acessível em http://oglobo.globo.com/economia/os-sem-lancha-da-cidade-classe-a-6398816
Em um dos trechos, uma empresária de Jurerê afirma: “Apesar
de reconhecer a qualidade de vida local, ela acha que ainda falta glamour ao
bairro: — Tem muita coisa aqui que parece de interior, faltam bons
restaurantes, bons hotéis, precisamos de um Emiliano, de um Fasano. Tem muita
loja feia, tem coisa que parece favelinha. Precisávamos ter tudo chique, branco
e dourado, poderíamos ter uma “Beverly Hills” aqui.”
Foi na vizinhança, em Jurerê Internacional,
que cinco jovens de classe média foram presos em flagrante no sábado, 20,
suspeitos de furtar casas por “diversão”. Está no próprio DC, em http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/policia/noticia/2012/10/jovens-detidos-por-assaltos-dizem-que-praticavam-os-crimes-em-jurere-internacional-por-diversao-3925704.html
Republico abaixo trecho de outro
texto que fiz sobre como o discurso jornalístico reproduz, sob os mais diversos
modos, a fala preconceituosa da Autoridade e dos “Classe A”.
“Vale a pena relembrar um caso
exemplar, a instalação de um empreendimento empresarial turístico (campo de
golfe) no balneário de Ingleses, em Florianópolis. Próximo
ao empreendimento mencionado há uma comunidade, a Vila do Arvoredo, também
conhecida como Favela do Siri, que começou a se formar nos anos 1980. No embate
travado para a instalação do campo de golfe, é ilustrativo o conjunto de
comentários feitos pelo então governador do Estado, Luiz Henrique da Silveira,
em entrevista concedida à TVBV em abril de 2007, na qual há 17 minutos
referentes à temática ambiental. Ver em http://video.google.com/videoplay?docid=-8286208201407673708#
Nela o governador Luiz Henrique
da Silveira menciona o assunto (1), quando questionado sobre a
reclamação dos empresários em relação à “burocracia” e a “dureza” das leis
ambientais:
1- Eu acho que nós vamos
ultrapassar esse período negro, que não é possível que nós não possamos ter em
uma ilha como essa, maravilhosa, certo, marinas para receber turistas
estrangeiros com muito dinheiro que venham gastar aqui e gerar emprego. Que nós
não consigamos fazer um campo de golfe, meu deus do céu. Em Marbela, você viu,
tem 50 campos de golfe e por isso aquela vila pobres de pescadores foi
transformada num dos maiores pólos milionários de turismo. Então nós precisamos
ter uma evolução. O que as pessoas têm que ter em mente é que uma marina não
polui. Nós vimos lá em Marbela, dentro da marina, a profusão de peixes que
havia. Pelo contrário, ela desenvolve, ela embeleza. Ela traz um novo dinamismo
para as cidades. Então nós temos que superar isso, estamos com um grave
problema, eu vou dizer aqui especialmente para os florianopolitanos [...].
No trecho seguinte (2), o
governador classifica de “medievalismo” a posição do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em relação às licenças
ambientais e diz que é preciso descentralizar as decisões relativas às
políticas de meio ambiente:
2 - Quem sabe cuidar mais de
Florianópolis é o florianopolitano. É a Prefeitura, é o vereador. Quem sabe
cuidar mais do meio ambiente do estado é o Governo do Estado, são os deputados
estaduais. Então é preciso acabar com essa burrocracia [com dois erres na pronúncia] em que dois ou três
técnicos lá em Brasília, longe da realidade, decidem as coisas, ou não decidem,
porque um monte de processo, uma montoeira de processo não lhes dá tempo nem de
examinar os processos.
Um dos apresentadores pergunta
então se não é necessário haver controle em relação a isso, porque a natureza
estaria “dando resposta” às ações humanas, ao que o governador questiona (3):
3 - E agora você me diz: e a
favela do Siri, ali? Do lado do campo de golfe que não querem deixar o Fernando
Marcondes [de Mattos, empresário]
fazer? Por que não se proíbe a proliferação de favelas, que joga - me permita a
expressão irada - cocô para a praia para provocar doenças nas nossas crianças?
Por que não se atua nisso aí para impedir? Né? Por que não se atua nisso aí
para impedir? A favela pode poluir a praia. Agora, um resort, um hotel, um
campo de golfe, para atrair turista e gerar emprego e renda não pode.
Do ponto de vista discursivo,
evidencia-se, na fala do governador, uma série de indícios que apontam para
diferentes sujeitos sociais: “não querem deixar (...) fazer” (quem?); “nossas
crianças” (quais?); “por que não se atua (...)” (quem?). No trecho 2,
ele deixa explícitos, porém, os sujeitos sociais que seriam os mais capacitados
para “cuidar” do “meio ambiente” do estado. E no trecho 1 está
sinalizado o exemplo da “evolução”, o balneário de Marbella, na Costa do Sol,
Espanha, totalmente descaracterizado pela especulação imobiliária estimulada
pela corrupção (ver em http://ises-do-brasil.blogspot.com/2007/08/operao-moeda-verde-verso-espanha.html.”
As páginas 6 e 7 do Diário
Catarinense do dia 19 de outubro estamparam um anúncio publicitário da Hantei
sobre o projeto de hotel na Ponta do Coral. Um dos tópicos das ditas áreas
públicas do empreendimento menciona: “Sem custos à sociedade a nem ao
Município”.
Ora, ora... Vale lembrar o que
diz o geógrafo Milton Santos:
A globalização atual é perversa,
fundada na tirania da informação e do dinheiro, na competitividade, na confusão
dos espíritos e na violência estrutural, acarretando o desfalecimento da política
feita pelo Estado e a imposição de uma política comandada pelas empresas.
O emprendimento da Hantei,
apoiado ardentemente pelo Grupo RBS, “sem custos à sociedade a nem ao
Município”, revela toda a hipocrisia de uma empresa oligopólica, dona de
praticamente toda a informação dita jornalística que circula em Santa Catarina. Diz
ela, em sua “Opinião DC”, que o “verdadeiro crescimento não se restringe à
economia. Mas supõe, também, o compartilhamento dos seus frutos para a
construção de uma sociedade mais justa e humana. Chegaremos lá”. Pena que, para a concretização dessa sociedade
mais “justa e humana” na “Beverly Hills” catarinense, onde jovens de classe média
praticam crimes por diversão, existam, no caminho, “áreas faveladas, focos de
delinquência e carência”...
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