Míriam Santini de Abreu - jornalista
Nas ciências naturais e sociais, a expressão “desenvolvimento sustentável”, há pelo menos uma década, não é mais usada sem que se deixem claros os sentidos que pesquisadores, quando a utilizam, dão a ela. A crítica ao conceito cresceu rente à disseminação acrítica que a quase totalidade do jornalismo fez dele. O discurso do desenvolvimento na mídia está impregnado de sentidos do meio empresarial, onde qualquer mercadoria se vende de forma “ecologicamente correta” se nela estiver o selo de produção baseado em supostas práticas ditas sustentáveis.
Há, sim, no país, jornalismo crítico em relação aos efeitos provocados pela transformação da natureza em mercadoria. Muitos profissionais estão ligados à RBJA – Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental - http://www.jornalismoambiental.org.br - que reúne as discussões e conversas entre os jornalistas e estudantes de jornalismo que tratam de questões ambientais no Brasil. Mas são experiências jornalísticas concretas esparsas - direcionadas geralmente a um público que já é formador de opinião - e que enfrentam dificuldades para atingir parcelas significativas de leitores, ouvintes e telespectadores. O fato é que, se desejar contribuir para o desenvolvimento sustentável sem ser crítico, o jornalismo só poderá dar uma vil contribuição: impedir a compreensão das relações que cercam a apropriação privada e cada vez mais lucrativa da natureza. Seguir o rumo contrário significa revolver os princípios e a prática jornalística e enfrentar dois temais centrais: a concentração de mídia no país e a formação profissional.
Concentração de mídia
Como
retrata James Görgen (2009) em pesquisa
baseada nos dados do “Projeto Donos da Mídia”, a influência direta ou
indireta das 54 redes de rádio e televisão controladas pelos conglomerados de
comunicação social no Brasil atinge mais de 25% dos 9.477 veículos de
comunicação identificados pelo projeto.
Há dez conglomerados de mídia que controlam, direta ou indiretamente, 12
redes de televisão, 9 de rádio e 1.310 veículos de comunicação, 14% da base
identificada pela pesquisa.
É
nesse cenário que se movem os poucos veículos de comunicação que efetivamente
contribuem com o debate sobre as consequências da relação entre sociedade e
natureza. Isso porque esses veículos deixam clara a impossibilidade de
desenvolvimento sustentável se mantido um modo de produção que lucra a qualquer
custo, seja ele com base em extração máxima de “recursos humanos” ou recursos naturais.
Discorrer
sobre a possível contribuição do jornalismo para o desenvolvimento sustentável
já embute a discussão nos marcos acima apontados. Trazer à tona um conceito já tomado
por discursos empresariais por si só torna inócuos adendos como contribuir para
preservar biomas e recursos hídricos, estimular a geração das chamadas energias
limpas ou apoiar ações de educação ambiental. Nesse contexto, proteger
florestas, rios, ar limpo, serve somente de marco discursivo para aclamar os
avanços científicos e tecnológicos como salvaguarda para proteger o que restar
no rastro do desenvolvimento.
Para
tornar essa afirmação mais clara, basta ler o documento final da Conferência Rio
+ 20 – que agora consagrou a expressão “economia verde” -, já em seus artigos
primeiro e segundo. O primeiro renova o compromisso dos chefes de estado e de
governo com o desenvolvimento sustentável e os já gastos pilares nos quais ele
se sustenta: a promoção de um futuro econômico, social e ambientalmente
sustentável para o “nosso” planeta e para as gerações presentes e futuras. O segundo artigo também merece ser mencionado: “La erradicación de la
pobreza es el mayor problema que afronta el mundo en la actualidad y una
condición indispensable del desarrollo sostenible. A este respecto estamos
empeñados en liberar con urgencia a la humanidad de la pobreza y el hambre”. Ao longo de 283 artigos,
porém, o documento não menciona meios concretos para erradicar a pobreza e a
fome. A proposta de criação de um fundo de 30 bilhões de dólares por ano para
isso foi, segundo a mídia, afetada pela crise mundial.
O
documento final da Conferência Rio + 20, tão espetacularizada pela grande
imprensa, impressiona pela planejada indefinição do que intitula “O futuro que
queremos”. Mas o artigo 51 menciona que “a informação, a educação e a
capacitação em matéria de sustentabilidade a todos os níveis, incluindo o lugar
de trabalho, são essenciais para reforçar a capacidade dos trabalhadores e dos
sindicatos para apoiar o desenvolvimento sustentável”. A classe trabalhadora e
seus sindicatos, portanto, são chamados a promover o que lhes suga a capacidade
de vida.
Foi
ao espetáculo da Rio + 20 que a mídia deu atenção. No quadro já apontado,
relativo à concentração da mídia no país, não seria diferente. Nesse sentido é
fundamental mencionar experiências como a da Venezuela e da Argentina. A Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão (Resorte), aprovada
em 2010 na Venezuela, diz o seguinte em seu artigo segundo: “La interpretación
y aplicación de esta Ley estará sujeta, sin perjuicio de los demás principios
constitucionales a los siguientes principios: libre expresión de ideas, opiniones
y pensamientos; comunicación libre y plural; prohibición de censura previa;
responsabilidad ulterior; democratización; participación; solidaridad y responsabilidad
social; soberanía; seguridad de la
Nación y libre competencia”.
Também
na Argentina a lei de meios audiovisuais, de 2009, inovou ao limitar a
concentração de mercado e promover o pluralismo. É o contrário do que permite a
legislação brasileira, em que, diz James
Görgen (2009), “a simplicidade e as fortes garantias à renovação ilimitada
da outorga transformam a cessão do recurso, na prática, em título perpétuo.
Isto resulta na privatização do bem público, que passa a integrar o patrimônio
(embora não seja propriedade stricto sensu) do outorgatário”.
Formação profissional
Um
debate sempre presente no chamado jornalismo ambiental é a necessidade ou não
de especialização na área. Pode-se dizer que não há um jornalismo ambiental, há
o jornalismo, que assume algumas características específicas quando trata de
meio ambiente, economia, esporte, cultura e política. Não é possível falar de
meio ambiente e ignorar questões de saúde, sociais, econômicas, políticas e
culturais. Assim, a expressão “jornalismo ambiental” só se legitima se levar em
conta esse contexto. Afinal, citando o geógrafo Milton Santos, os fatos da
realidade são objetivos. Mas é papel dos jornalistas transformá-los em fatos
históricos, identificando as relações que os definem e seu significado na
realidade como um todo.
Por
isso os cursos de jornalismo não podem ser unicamente reféns da lógica
tecnicista, pela qual a formação se volta aos interesses do mercado, que exige
o profissional “multifunção”. Saber tudo não significa exercer tudo dentro das
empresas, com as consequências que tal prática traz para as relações de
trabalho, a saúde, o tempo livre para continuar a formação. Os currículos dos
cursos devem contemplar a filosofia, a sociologia, a economia, a linguística,
mas ligando todas essas áreas de conhecimento com o fazer jornalístico no
cotidiano.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Jornalismo, no que se refere à Organização do Curso, mencionam a
necessidade de se promover a integração teoria/prática e a
interdisciplinaridade entre os eixos de desenvolvimento curricular. Falta,
porém, fiscalização efetiva, que garanta a qualidade de formação oferecida aos
estudantes. Já é notável, por exemplo, que não haja números confiáveis sobre os
cursos distribuídos em todo o país.
Em seu Estatuto, a Fenaj é quase omissa
em relação à concentração de mídia e à formação profissional. Apenas o artigo 2º diz: “São objetivos da FENAJ: V – Lutar pela união e
defesa dos direitos da categoria, buscando o desenvolvimento intelectual,
profissional e as conquistas trabalhistas dos jornalistas brasileiros, zelando
também pela garantia da liberdade de expressão”.
Tanto do ponto de vista formal,
estatutário, quanto na relação com a categoria, a Fenaj pode e deve avançar
para fazer frente aos desafios do jornalismo, especialmente com o fim da
exigência de formação superior específica para exercer a profissão. No que
tange ao chamado jornalismo ambiental, esse desafio é ainda maior, porque o
debate em torno da democratização da comunicação não dá conta da crítica
necessária para a construção de um discurso jornalístico que se proponha a
desvendar a lógica mercantilista da apropriação da natureza.
Nesse sentido, a Federação, em todas
as suas instâncias internas e junto aos Sindicatos filiados, também precisa
articular uma reflexão mais aprofundada sobre os aspectos da formação nacional
brasileira e a relação entre o mundial, o nacional, o regional e o local que vão
se construindo no discurso jornalístico sobre o meio ambiente. A partir das
experiências de milhares de jornalistas, atuando em regiões com diferentes
formações sociais e espaciais, atuantes ou não na cobertura jornalística sobre
meio ambiente, é possível, no aprofundamento da crítica, formular de fato um
jornalismo sustentável, esse sim capaz de interpretar os fatos para permitir
que a sociedade compreenda e possa mudar a atual realidade de mercantilização
da natureza.
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