Abaixo está um presente para minha amiga Elaine Tavares:
http://www.youtube.com/PobresyNojentas?gl=BR&hl=pt#p/a/u/0/5RzXXnOo2QI
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Nesta quarta-feira,
Veja entrevista com Jilson Carlos Souza, da Agência Contestado de Notícias Populares, de Fraiburgo. Em
http://eteia.blogspot.com/2010/05/o-monopolio-midiatico-e-uma-invasao.html
Lançamento de livro será no dia 25, 11h, Auditório do CDS/UFSC
Por Elaine Tavares – jornalista
O livro “Ensaios Alternativos Latino-Americanos de Educação Física, Esporte e Saúde”, apesar de trabalhar um tema aparentemente árido como a educação física, emociona e surpreende. Edgar Matiello Júnior, Paulo Capela e Jaime Breilh conseguem articular, nos ensaios escolhidos para compor o trabalho, elementos de profunda beleza, temas instigantes, propostas inovadoras, análises críticas e o desvendamento de uma realidade que permanece escondida, jamais revelada nos milhares de programas de televisão que discutem a temática dos esportes.
No trabalho, a própria capa já anuncia o rico universo da discussão. Um menino faz rodar um pneu velho à sombra de uma América Latina invertida. E é esse o debate do livro que já se revela no primeiro artigo, de autoria dos organizadores. É a grande indústria do esporte a expressão da saúde, conforme propaga a mídia cortesã, ou tudo não passa de um grande negócio no qual os atletas nada mais são do que os novos escravos? Nestes tempos de copa do mundo, em que os programas de esporte falam sem parar dos “convocados” do Dunga, o livro em questão aparece como um ar fresco nesta teia de mentiras, negócios e falcatruas. Para além do espetáculo do futebol existe um mundo inteiro de elementos que revelam esta arte, e as pessoas que a fazem, apenas como um espaço de mercadorias e exploração.
E as mentiras sobre o esporte como saúde, de onde vem? Por que os meios de comunicação seguem reproduzindo esta falsa ilusão, quando eles mesmos mostram figuras importantes do esporte lutando contra a derrocada física, ainda na mais plena idade, como é o caso da ginasta gaúcha Daiane dos Santos ou dos jogadores Ronaldo e Kaká? O livro mostra que quando o esporte passa a ser controlado pelas grandes empresas multinacionais, as regras do sistema capitalista transmutam a sua lógica de algo lúdico, divertido e saudável, para cifras e marcas que alienam, escravizam e destroem os atletas.
As tramas que envolvem o movimento olímpico mundial, a interferência das ONGs na consolidação de um tipo de proposta esportiva competitiva e destruidora, a ideologia que se expressa nas variadas formas de encarar o esporte ou de produzir políticas públicas, as questões de gênero no processo da educação física, a liberdade da capoeira, a relação do esporte com educação, o debate sobre a saúde, tudo isso vai passando sob as vistas, de um jeito claro, simples, com uma linguagem passível de ser entendida por qualquer um, descortinando as mentiras, os mitos e as verdades que conformam este mundo aparentemente tão bonito, mas que esconde mazelas e segredos que os donos do poder não querem revelar. Pois, no livro, ali estão eles, descortinados, permitindo que as pessoas se apropriem destas informações sonegadas e possam refletir criticamente sobre a educação física, o esporte, a saúde e o lazer.
O trabalho de Matiello, Capela e Breilh é o primeiro do projeto Vitral Latino-Americano de Educação Física, Esporte e Saúde, ligado ao Centro de Desportes da UFSC e parte do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA). A proposta é justamente identificar, aproximar e disseminar o pensamento crítico que existe nesta área, tão pouco valorizada no mundo acadêmico. Ao ler o conteúdo destes ensaios alternativos, o leitor percebe que este debate está muito mais visceralmente ligado a sua vida cotidiana do que pode imaginar, e guiado pelas veredas dos temas, de forma tão clara, nunca mais poderá assistir um programa de esportes como antes.
O corpo humano, apresentado na mídia como uma máquina, capaz de vencer limites e marcas, só o é se visto pelos olhos do sistema, que exige resultados e espera vitórias, como se o atleta fosse um objeto, uma mercadoria. Para os autores, ligados ao Vitral, o corpo humano é um espaço brincante que precisa ser pensado na sua totalidade. E assim, eles avançam para a construção de uma outra cultura que, no dizer de Leopoldo Nogueira e Silva, autor da linda capa do livro, seja humana e de identidade própria, latino-americana, capaz de transformar a realidade, tal qual ensinava o grande Paulo Freire.
Ler os ensaios do Vitral pode, então, se configurar numa prazerosa viagem, cheia de surpreendentes revelações, capazes de levar o leitor a re-elaborar seus conceitos sobre o tema.
O livro será lançado neste dia 25 de maio, às 11h, no Auditório do Centro de Desportes da UFSC. Vale a pena cruzar este portal!
A Pobres & Nojentas n.22 já está circulando com reportagem sobre o
jornalismo de resistência em Honduras, experiência de amor à
profissão e aos lutadores sociais. Outra reportagem, assinada por
Elaine Tavares, é sobre a luta do povo xokleng para manter suas terras
e a sua cultura. E tem muito mais!
Assine! Contatos por revistapobresenojentas@gmail.com
Rosangela Bion de Assis
Em outubro de 2009 eu e o Amberson fizemos uma viagem que começou em Praga e Amsterdã, depois prosseguiu por Brugge, Gent e Ostend na Bélgica e terminou em Paris. Foram 19 dias de muitas descobertas, alguns sustos e muitos deslumbramentos. Anotações sobre a viagem, folhetos de divulgação, tickets, cartão telefônico, ingressos e até fundo de copo foram guardados para produzir um relato da viagem. Também os arquivos de imagens, mais precisamente 1.166 fotos e 25 vídeos, ajudaram a resgatar as lembranças que foram parar em dois blogs.
A única pretensão deles, a exemplo do que foi feito em 2007 (http://viagemdeambersonerosangela.blogspot.com), é mostrar algumas das lindas fotos produzidas pelo Amberson e dividir essa parte da nossa história. Quem passear pelos blogs não verá muitos dados históricos, mas entenderá como dois manezinhos, um do Ribeirão da Ilha e uma do Saco dos Limões, se viraram na segunda aventura do outro lado do Atlântico.
Endereços dos blogs:
• http://viagemdeambersonerosangelaeuropa2009.blogspot.com
• http://viagemdeambersonerosangelafranca.blogspot.com
Míriam Santini de Abreu
Roupas que exalam poesia com cheiro de sabão.
Assim, recostadas nas varandas.
Os corpos que protegem, que adornam
nesses casarios de tanta memória
talvez sejam açoitados pela dor de um animal feroz
ou talvez se moldem ao que no amor é mar tranqüilo.
Panos brancos, de cor, esses panos dos varais cubanos.
Canto de mundo onde pano e grampo viram roupandorinha.
Por Elaine Tavares - jornalista
Na última sexta-feira, dia 7, os estudantes e populares que realizaram manifestação em frente ao Terminal Central de Florianópolis não deixaram dúvidas. Caso a prefeitura aumentasse o valor das passagens no domingo, eles voltariam para exigir a revogação. E não deu outra! Não é de hoje que o governo de Dário Berguer (PMDB) se faz surdo aos desejos da população. Nos últimos meses tem enfrentado a ira das comunidades de todo o município, que querem ver reconhecidas as decisões que tomaram em três anos de debates sobre o Plano Diretor. Pois o governo, surdo, decidiu contratar uma empresa de fora para refazer o plano, completamente alheio ao que foi decidido pelo povo em Audiências Públicas.
Agora faz o mesmo com as tarifas de ônibus. Jogando a culpa para cima dos trabalhadores do transporte, alegando que pelo fato de eles terem tido aumento salarial, é necessário o reajuste tarifário, Dário joga o povo contra os trabalhadores. Típica trapaça. A passagem dos coletivos de Florianópolis é uma das mais caras do Brasil e a proposta era de elevá-la para R$ 3,10. As mobilizações de sexta-feira colocaram o gabinete municipal com as barbas de molho e o aumento que veio domingo carregou a passagem de 2,80 para 2,95, ainda assim um aumento significativo para grande parte da população que amarga anos de arrocho salarial.
A propaganda que insensa a ilha como “ilha da magia”, fala em tarifa única, mas, na verdade são quatro. Quem paga antecipado, enchendo os bolsos dos empresários, bem antes de usar o benefício, marcha com 2,38. Quem paga direto ao cobrador, em dinheiro, desembolsa 2,95, e os que usam as linhas de tarifa social, no cartão pagam 1,60 e no dinheiro vivo pagam 1,95.
Na segunda-feira, dia 10, os estudantes voltaram à rua, desta vez em maior número. Mais de 1.500 pessoas saíram em passeata pelas ruas até o gabinete do prefeito. Na pressão, entraram porta adentro, decididos a conversar com Dário Berger. Ele não estava. O povo ocupou o gabinete. Mas não foi por muito tempo. Na maior correria chegou a tropa de choque e sobrou pancadaria para todo o lado. Também não faltaram as armas de eletrochoque que acertaram até a deputada Angela Albino. E aí, é bom que se diga, até a ONU já discutiu sobre o perigo destas armas, aparentemente “inofensivas”. Uma pessoa que use marca-passo, por exemplo, pode morrer com um choque destes, e outros problemas relacionados ao coração podem ocasionar uma morte. Mas, ao poder, que importa?
O mais grave é ver a tropa de choque, com toda a truculência, investir sobre garotos e garotas secundaristas, que nada mais querem que garantir o famosos direito de ir e vir. Afinal, com uma tarifa tão alta, esse sagrado direito fica limitado àqueles que Bresser Pereira cunhou como “cidadãos-clientes”, ou seja, só são cidadãos da polis aqueles que podem pagar, consumir.
As manifestações de segunda terminaram em frente à Câmara de Vereadores onde os estudantes e populares foram denunciar a brutalidade governamental. Para quinta-feira, dia 12, está sendo chamado mais um grande ato no centro. Se a polícia é chamada para garantir o “ir e vir” dos graúdos, então os estudantes querem que o governo reconheça o seu direito de ir e vir com uma tarifa zero. “O trabalhador usa o ônibus para vir trabalhar, para entregar sua força de trabalho ao patrão. É justo que o patrão pague por isso. Queremos tarifa zero para o usuário”, insistem os estudantes.
Por Elaine Tavares - jornalista
Eu tenho grandes sonhos: o socialismo, o sumak kawsai, a terra sem males. Eu caminho para estas grandezas, cheia de entusiasmo. Mas eu sou pequena, esse é meu saber-ser. Gosto das pequenas coisas, dos pequenos perfumes, dos pequenos quintais, dos pequenos frutos. Eu sou pequena. Perco-me na multidão, nos espaços vastos, nas aglomerações. Biruteio, doidamente.
Eu sou pequena. Gosto das pequenas casas, dos pequenos doces, das pequenas flores, dos pequenos detalhes que compõem um amor. Gosto dos pequenos livros, das pequenas histórias, dos pequenos risos, das pequenas letras. Perco-me nos descampados, nas salas gigantes, nos centros de compras.
Eu tenho grandes sentimentos. Transbordo deles. Mas eu sou pequena. Gosto das pequenas palavras, dos pequenos gestos, dos pequenos animais, dos pequenos regalos, dos pequenos rios, dos pequenos montes. Perco-me nos grandes projetos que suscitam invejas, arrogância e provocam dores. Eu sou pequena, não tenho espaço para a imensidão. Nela, escorrego pelas frestas, vôo pelas janelas abertas, escapo da névoa da vaidade que as grandes coisas provocam.
Por isso. Porque sou pequena, quando as coisas muito amadas vão ficando grandes demais, eu desapego. Porque as coisas grandes tem uma estranha mania de nos absorver, nos consumir, nos esgotar. Medo? Covardia? Que seja! Mas eu fujo das coisas grandes, porque não quero virar um monstro a defender o que saiu do leito. Gosto de ser como sou, assim, pequena. Permitindo-me a pequenos tragos de canha, pequenas baforadas de Santa Maria, pequenos desvarios.
Eu sou pequena, confesso-me culpada! Mas conservo grandes aqueles sonhos: o socialismo, o sumak kawsai, a terra sem males. Quero chegar neles bem assim como sou: pequena. Sem nunca ter concedido um milésimo, sem ter desviado do caminho por conta das coisas grandes.
Por Elaine Tavares – jornalista
O socialismo ainda anda bem distante dos governos da América Latina, pelo menos é o que pensam alguns teóricos e pesquisadores que participaram das Jornadas Bolivarianas de 2010, cujo tema foi justamente este. Na análise de um dos criadores do termo “Socialismo do Século XXI”, esta é uma forma de governo que ainda não encontrou guarida na vida dos países que atualmente estão na ponta de lança das mudanças estruturais. Segundo Heinz Dieterich, governos como o da Venezuela, Bolívia e Equador, apesar de avançarem no processo de transformação, ainda não deram rédea a mecanismos de consolidação do que define como sendo socialismo. “É certo que a discussão sobre o socialismo do século XXI começou na Venezuela, houve um grande debate, mas não redundou em profundidade, o que significa que, lá, não há grandes avanços na consciência anticapitalista”. Heinz também deixou claro que é fato de que na Venezuela, sob o comando de Chávez, o governo avançou nos mecanismo de democracia, garantindo mais poder ao povo, como é o caso da possibilidade do referendo. “Há eleições limpas, há muita participação popular, mas a economia segue sendo a de mercado. Não há, portanto, socialismo, a empresa privada segue sendo fundamental, os meios de comunicação são privados”.
Heinz diz que a Venezuela segue os preceitos do chamado nacional/desenvolvimentismo, exatamente como o fizeram Getúlio Vargas, no Brasil, Domingos Perón, na Argentina, Lázaro Cárdenas, no México, Salvador Allende, no Chile e até mesmo Bolívar, logo depois da independência. “Eles seguiam o modelo da Grã Bretanha, de um capitalismo protegido pelo Estado. E para os ingleses foi bom, garantiu-lhes muito poder. Eles tinham o discurso do livre comércio, mas era para os outros, não para eles”. O teórico alemão insiste que este é o modelo também seguido pelo Brasil, Argentina, e outros chamados “progressistas”. “O Lula e os demais estão ancorados num modelo que foi extraordinário, e este era também o debate entre os independentistas. Bolívar queria o sistema inglês e os seus inimigos queriam o livre comércio, eram os neoliberais daquela época e foram os que venceram”. Segundo Heinz, os governos latino-americanos que, ao longo da história, decidiram-se por um nacionalismo/desenvolvimentista foram os que mais se aproximaram do povo, os que avançaram, e por conta disso sofreram as ditaduras.
Hoje, pode-se vislumbrar uma nova fase de desenvolvimento na América Latina que, sem dúvida, começa com Hugo Chávez, na Venezuela e depois se estende para Bolívia e Equador. É um desenvolvimento endógeno, uma proposta de valorização das coisas nacionais, de investimentos no mercado interno, acompanhado de transformações estruturais importantes na saúde, na educação, na organização comunitária, no próprio poder. “A oligarquia não podia combater o Chávez acusando-o de desenvolvimentista, não encontraria eco, então se aproveitou do fato de o presidente começar a falar
E o que é, afinal, o socialismo?
A idéia de socialismo é eminentemente européia e aparece, segundo Engels, lá pelo século 15, embutida nas propostas dos revoltosos camponeses da Inglaterra e da Alemanha (como Thomas Münzer, por exemplo). A sistematização do conceito, na sua versão utópica, aparece nos séculos 16 e 17, como um sistema ideal para organizar a sociedade baseado na igualdade entre as pessoas, na distribuição das riquezas e na vida boa para todos. No século 18, teóricos como Morely e Mably pregavam um jeito espartano de viver, que garantia a liberdade e a igualdade, mas supria o gozo de viver. Mais tarde vieram os chamados “utopistas” como Saint-Simon, Fourier e Owen, que propunham a abolição das classes e a vida plena para todos. Ainda segundo Engels, o problema dos utopistas é que não propunham a mudança desde uma classe específica – como o proletariado. Eles reconheciam a sociedade burguesa, do capitalismo emergente, como uma coisa ruim, injusta, mas acreditavam que ela só não dava certo porque não havia nascido “o homem genial”, governando unicamente pela razão. Com a chegada deste homem, tudo poderia mudar, seria instaurado o Estado da Razão. Seus limites, pondera Engels, estavam determinados pela ainda incipiente produção capitalista. Acreditavam que bastava difundir a idéia de que o socialismo era a expressão da verdade, da razão e da justiça, para que ele se fizesse.
Marx vai propor mais tarde o que chamou de socialismo científico, baseado na razão sim, mas incluindo aí a historicidade, já ancorado na análise de um capitalismo real, desenvolvido, que incorporou a grande indústria e expôs as mazelas da divisão de classe. Observando as multidões exploradas e despossuídas que abundavam no século 19, as greves que assomavam entre os trabalhadores, as lutas operárias, Marx compreendeu que o socialismo não era algo nascido apenas no campo da razão, mas sim o produto necessário da luta entre as classes formadas historicamente no modo de produção capitalista. Com isso, pensou que havia que constituir um sistema para explicar essa sociedade capitalista e aí sim, desde esta materialidade, propor um novo jeito de organizar a vida. Ele discordava dos utopistas que apenas criticavam o mundo burguês, sem, contudo, explicá-lo para que, entendido, pudesse ser superado.
Assim, no desvelamento do sistema de dominação capitalista, Marx mostra que o socialismo é uma forma de vida que só pode ser proposta e construída pela classe dominada, naqueles dias, o proletariado. Assim, a sociedade socialista seria então aquela que aboliria a propriedade privada, acabaria com a exploração, reconheceria o caráter social da produção, socializaria os meios de produção, extinguiria as classes. Na prática, como esclarece Engels, seria um jeito de organizar a vida em que, através de um sistema de produção social, seria assegurado a todos os membros da sociedade uma existência que, além de satisfazer as suas necessidades materiais, asseguraria o livre e completo desenvolvimento de suas capacidades físicas e intelectuais.
O socialismo do século XXI
A idéia de um socialismo do século XXI começou a caminhar pela América Latina a partir da reflexão do professor da UNAM, Heinz Dieterich. Segundo ele, os novos tempos exigem reformulações no conceito. “Com Marx aparece o socialismo científico, baseado no materialismo dialético, que em última instância significa que tudo está
O teórico alemão radicado no México recordou que Lenin tentou implementar o socialismo, experimentar na prática, mas as condições não o permitiram, surgindo então o bolchevismo, a economia planificada. Isso colapsou e hoje aí está outra concepção do socialismo, que chama do século XXI. “É uma democracia participativa, com economia planejada no valor do trabalho e não no valor de mercado. São diferenças abissais. Por exemplo, em nenhuma constituição do mundo é o povo que decide se o país vai para a guerra. A decisão está na mão de uma pequena elite. Nesta democracia burguesa o dinheiro tem uma influência tremenda. Exemplo: a taxa de milionários nos Estados Unidos é de 1% da população, mas no Congresso Nacional é de 60% a 90%, ou seja, é uma plutocracia. Mandam os ricos, que são minoria”. Por conta disso, um sistema de voto secreto e universal por si só não significa democracia.
Pois o socialismo do século XXI propõe outra forma de organizar a vida, democratizando não apenas a política – com outras formas de participação popular que não só a eleição ritual – mas também a economia, a cultura e o poder militar. “O orçamento deveria ser decidido pela população, outras questões da economia também. Com a televisão e a internet se poderia informar e formar os cidadãos”.
Essa minoria que hoje manda no mundo pretende continuar apostando na economia do mercado, acreditando que o mercado tem mais eficiência para coordenar o processo, que essa é uma área complexa e não pode ficar nas mãos de um partido ou das gentes. Isso não é mais crível. “Há que clarear essa mentira. Na União Soviética o socialismo não naufragou por conta da planificação. Toda a economia é planificada, inclusive a de mercado. Até no neolítico 10 pessoas tinham que planejar como caçar um animal. No capitalismo também há planejamento. Mas tanto no socialismo soviético como no capitalismo era uma minoria que fazia isso. Não havia a consulta ao povo. No socialismo do século XXI tem de haver essa participação, essa planificação precisa ser democrática”.
Heinz também avança na proposição de outra medição do trabalho. Hoje, o preço de mercado é uma expressão de poder, o aumento de salário só vem se houver sindicato forte, lutas descomunais, competições. Os empresários têm o poder, dirigem e controlam a economia. No socialismo pode-se ter outra medida de valor, a quantidade de energia, a quantidade de informação ou valor do trabalho. “No socialismo do passado a propriedade privada era considerada o grande mal, havia que acabar com ela. Os social-democratas encontraram um jeito de mantê-la. Elas seguem privadas, mas pagam impostos que serão distribuídos. Não deu certo. No socialismo do século XXI, não importa quem tem os meios se for tirada do empresário a faculdade de explorar o trabalhador. Cada trabalhador tem direito ao valor total do seu trabalho. Se trabalha por 40 horas recebe produtos e serviços iguais aos de 40 horas. O que não há é a permissão de enriquecer”.
No socialismo do século XXI, diz Heinz, também não cabe haver partido único, porque se trata de trazer ao povo mais democracia. Hoje a conformação de classes é diferente da do tempo de Marx. “Nesta fase de transição é preciso organizar as forças em um centro comum, um centro de gravitação comum, mas não única, como a Frente Amplia, no Uruguai. Não é partido único. Não queremos monopólios nem na economia nem na política”.
A América Latina
Este espaço geográfico que hoje denominamos “Américas” foi conhecido pelos europeus nos estertores do século 15, quando por aquelas terras já começava a declinar a chamada Idade Média. As miríades de reinos que lutavam entre si iam se juntando e prenunciando o que mais tarde viriam ser as nações. Era um tempo de mudanças e as terras encontradas no caminho para as índias iriam acelerar estes câmbios, financiando, inclusive, a revolução industrial inglesa que foi o estopim da consolidação do modo capitalista de produção. Mas o desconhecimento dos europeus nunca significou que por aqui, as gentes que habitavam o lugar, fossem povos sem história, como chegou aventar Marx. Grandes civilizações haviam florescido, muitas delas até mais avançadas na organização da vida, do que a Europa daquele então. Ainda assim, como os conquistadores não estavam dispostos a qualquer “encontro de culturas”, toda esta história das gentes originárias foi descartada como “barbárie”, “selvageria”, “ignorância”. Os que invadiram as terras de Abya Yala só queriam saquear as riquezas e nunca reconheceram os que aqui viviam como iguais. Quando o sistema colonial se instalou, trouxe para cá o modo de vida da Europa, solapando a cosmovisão autóctone, dizimando povos, submetendo os sobreviventes.
Este domínio se perpetuou, ainda que não sem luta. Desde a invasão, vários povos se rebelaram, na resistência e na tentativa de recuperar seus territórios, sua forma de vida. Foram vencidos, mas, enquanto todos achavam que ali estava uma gente derrotada, eles constituíam, no silêncio da opressão, suas estratégias de sobre-vivência. E, quando ninguém esperava, no bojo do que a Europa e os entreguistas nacionais chamavam de “celebração dos 500 anos”, surge, das profundezas desta Abya Yala, o grito das gentes originárias. “Nada há a celebrar a não ser a retomada de um novo ciclo. O pachakuti esperado”, diziam as gentes autóctones.
Segundo Pablo Dávalos, professor da Universidade Católica do Equador e assessor na CONAIE (Confederação Nacional dos Indígenas do Equador), os anos 90 trazem demandas dos povos originários que não são incorporadas pela esquerda, por isso há uma certa desconfiança com relação ao chamado “socialismo do século XXI”, porque ninguém viu ali contempladas essas reivindicações que extrapolam as já conhecidas lutas contra a dizimação de sua gente e da sua cultura. “A proposta de plurinacionalidade, por exemplo, passou incólume nos programas da esquerda. E esta proposta é a que converte o índio em um sujeito político que disputa no neoliberalismo”. Os povos originários ultrapassam o tempo reivindicativo, agora eles estão propondo novas formas de organizar a vida, que oferecem a partir de sua ancestralidade. E aí há que se pontuar muito bem: não é um retorno ao passado, mas uma retomada, desde o passado, de elementos que, dialeticamente, podem ser incorporados à vida atual, tais como a solidariedade, a cooperação, a distribuição coletiva das riquezas (elementos que, na verdade, se encontram com a idéia de socialismo). “O sistema político desconhece o índio como sujeito e para a esquerda o índio se converteu
Pablo Dávalos fala de uma ontologia política do movimento indígena que atua na radicalidade, oposta ao ser moderno, que propõe a alteridade, ou seja, a capacidade de as pessoas viverem juntas, respeitando, de verdade, o outro. “Na sociedade burguesa, e mesmo na esquerda, não se concebe o índio com vida e desejos próprios. Parece que sempre há que ter uma mão, controlando. Mas a história está aí mostrando que os grandes movimentos políticos dos anos 90 e desta primeira década do terceiro milênio tem uma assinatura indígena. A esquerda não vê porque os índios não estão nos seus manuais de desenvolvimento”.
E aí entra outro nó que, nesta parte do planeta, há que se desatar. Com uma população indígena bastante expressiva, a América Latina está propondo outras formas de organização da vida que não aparecem nos textos dos grandes pensadores socialistas. Porque, afinal, raros tem levado em consideração estas propostas teóricas que nascem da vivência originária. Mesmo nas experiências transformadoras como a da Venezuela e do Equador, pouco espaço se dá a cosmovisão dos povos autóctones. “Na nossa Constituição (do Equador) logramos muitas vitórias, como estabelecer os direitos da natureza e colocar nosso conceito político de organização que é o de Sumak Kawsai, mas, ele, na verdade, não é compreendido de fato. Basta ver como o governo de Rafael Correa está tratando a questão da água hoje, sem respeitar a decisão dos povos originários”, diz Pablo.
É importante lembrar que entre as comunidades originárias que vicejam na região que vai desde a Venezuela até a Patagônia, seguindo a coluna vertebral latino-americana, que são os Andes, as palavras que designam a organização da vida são outras. Não se fala em socialismo ou desenvolvimento (palavras e conceitos nascidos na Europa). Fala-se em “sumak kawsai”, que na língua quíchua significa “regime de bem viver” e expressa uma proposta complexa de organização.
Pablo lembra que no sistema capitalista, e na era moderna, de concepção européia, a idéia de progresso está vinculada a noção de “ir adiante”, já que a noção de tempo se expressa de forma linear: passado (ontem), presente (hoje) e futuro (amanhã). Assim, as gentes, para serem modernas, precisam avançar para o futuro. Mas, na compreensão dos povos originários, o tempo se curva. A mesma palavra que designa passado é usada para dizer futuro, a vida se expressa
O pachakuti
Para os incas, quando chegaram aqui os conquistadores, foi inaugurado um ciclo do pachakuti, que significa “o mundo pelo avesso, o mundo no caos”. Hoje, com as transformações que tomam forma na América Latina, os levantamentos dos povos originários e a percepção de que a preservação da natureza é também uma questão da sobrevivência da espécie, vive-se o início de um novo pachacuti, “el mundo al revés”, pelo avesso de novo, mas desta vez com as gentes organizando a vida e aí, não só os indígenas, mas também os empobrecidos de todas as cores. É a idéia do tempo que se curva, um outro começo, saída do tempo de caos para o tempo da harmonia. Por conta desta crença, as comunidades revigoram as lutas na defesa da Pacha Mama que é, em última análise, a defesa da vida mesma.
No que diz respeito ao mundo não-índio, os intelectuais de esquerda teriam de enfrentar eles mesmos um “pachakuti”, um desordenamento mental, capaz de compreender esta forma de ver o mundo. Quando aqui chegaram os invasores, sedentos de ouro, até havia um motivo para desconhecer as culturas locais. Mas, hoje, e desde a esquerda, isso não pode acontecer. E, se o socialismo é o que ordena e define as reivindicações da maioria, como diz José Carlos Mariategui, está na hora de incorporar aquilo que é essencial para as gentes originária como o estabelecimento do Estado Plurinacional, estatuto jurídico que reconhece as comunidades tradicionais originárias como sujeito político real. E isso implica numa mudança radical de perspectiva, principalmente num país como o Brasil, onde as comunidades autóctones foram quase dizimadas e, as sobreviventes, até hoje vivem tuteladas pelo estado como se fossem incapazes de organizar suas vidas de forma autônoma.
Ao fim, o que ficou dos debates de quatro dias em Florianópolis foi esse desafio. A capacidade da esquerda revolucionária de Abya Yala de desvendar as forças e os sujeitos que atuam no mundo de hoje, e a necessidade de colorir o conceito de socialismo, não com as facetas alegres da pós-modernidade que usa o multicultural como aceitação acrítica do que aí está. Mas o colorido da “wiphala”, a bandeira do movimento originário, incorporando neste conceito as demandas destes povos que não querem mais ser “atores” sociais, que falam um texto escrito por outrem, mas sim autores de sua própria história, escrevendo eles mesmos as suas falas. Aí sim, quem sabe, este espaço geográfico possa constituir, com o aporte de todos os que aqui vivem, e que sonham e lutam por transformações, o socialismo indo-americano, como queria Mariategui, ou, enfim, o sumak kawsai (o bem viver).