quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Não sou desse tempo


Por Míriam Santini de Abreu, jornalista

Espanta-me o tempo. Cada vez mais, tenho menos, e cada vez mais agrego máquinas-apêndices que, prometem, vão nos fazer ganhá-lo. Computador, e-mail, celular, máquina digital... até dez anos atrás - mais para uns, menos para outros – nada disso fazia parte da vida da casa, da vida urbana. E para tantos, mesmo hoje não faz. E mesmo assim a luta se fazia, o amor se fazia, as pessoas se encontravam, bebiam e comiam, havia risos e choro. Hoje tudo isso há, mas com pressa, entre um e-mail e outro, uma ligação telefônica e outra, a foto imperdível, a imagem por filmar.
E a palavra permeia esses gestos eletrônicos, sempre feiticeira, e produz seus estragos. Já armei briga, mal-entendido por e-mail. São reticências colocadas num lugar da frase que depois se revela perigoso, um substantivo carregado de impensáveis equívocos, um verbo que desencadeia respostas dúbias. Cara a cara, tudo se explica. Há gestos do corpo, piscar de olhos, sobrancelhas que traem sentimentos, um toque, um abraço. Visão, audição, tato. Mas, escrita, a confissão que deixou de ser feita pessoa-a-pessoa faz estragos impensáveis.
A geração que tem 20, 25 anos, parece pensar que a vida se resolve na internet. Ouvi isso de uma amiga, e concordei. Basta notar o vício que páginas de notícias, por exemplo, provocam em muitos internautas. Se o fato não está na WEB, não está no mundo real. E assim empresas, organizações não-governamentais, sindicatos, governo, partidos não passam um dia sem atualizar os seus “sítios”. Cabranotícias, boinotícias, porconotícias, gansonotícias – uma vez, no Parque do Córrego Grande, um ganso me atacou! - marreconotícias vão saltando para o mundo virtual, pastando no Corta e Cola, bebendo num jorro infindável de coisas por dizer. E deus o livre se o pastar demorar mais do que cinco segundos. Uma eternidade. Um absurdo.
Parafraseando o Evangelho, estou nesse tempo, mas, sinto, não sou dele.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que força e fogo na tua palavra,
Míriam. Dá gosto de ler.

Fernando Karl