quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Croniquintas/ Adiós redes

Ler virou cena rara - Foto: Maicon Cláudio da Silva

Por Elaine Tavares 

Por força da profissão – jornalista – sou obrigada a estar ligada no mundo das redes. Responsável pela Comunicação do IELA e da Rádio Campeche, ficaria impossível eu não entrar nesse universo caleidoscópico. Entrei. Por um tempo foi legal. Tudo novidade. Mas, com a chegada do algoritmo tudo mudou. Os espaços internéticos não são mais lugares de encontros e possibilidades. As redes viraram um imenso supermercado, gigantesco e insaciável, impondo ofertas de mercadorias a cada segundo, com uma violência insuportável. 

Todos os dias esse Walmart mundial vive de cagar-regras. E as mais estapafúrdias e contraditórias. Agora é preciso comer cinco ovos de manhã. Não. Melhor comer aveia. Não. Há que ter um pouco de carboidrato. Não. Não pode comer carboidrato, há que seguir a dieta cetogênica. Ah, mas sem carbo, sem alegria. E com carbo, sem saúde. Durma com isso. 

Também é preciso seguir certas regras até mesmo para tirar uma simples foto. Tem que fazer no tamanho do instragram, no tamanho do face e pequenos vídeos para o tiktok. Se não estiver no tamanho certo, perde seguidores, não há “entrega”. Saiba como tirar fotos melhores com a câmera do seu celular. Faça um cursinho walita que eu te ensino. Tem problema psicológico, compre meu curso e te ensino como enfrentar esse mundo cão. Tu vais ficar bem adaptado, nem vais mais chorar pela Palestina. 

Agora é preciso acabar com esse negócio de usar base líquida. Tem de ser a de bastão, igual às coreanas, mas também tem a da Virgínia, que é top. Ah, correr não emagrece, faça estes exercícios que descobri e que divido contigo por apenas dez reais. Exercício já era, a onda agora é o tai chi. Se tu és velha, há que fazer academia, criar músculo, senão ficas com Alzheimer. Não, não precisa, faça calistenia. Colesterol mata. Não, colesterol é bom. Use as 15 combinações de cores num guarda-roupa cápsula. E não se esqueça de comprar o sapato da temporada. 

Tudo isso me atordoa. Por isso mesmo comecei o desmame. Pouco a pouco vou saindo deste imenso xopin. Cansei de dar meu tempo para essa mais-valia ideológica atordoante. Não quero saber de ninguém cagando regra para mim. Deixa-me flanar pela vida com minhas roupinhas ripongas e chinelos havaianas. Deixa-me tirar a foto como eu quiser, dane-se se vai ficar bom ou não. Não quero comprar nada. Quero fruir a vida, simplesmente. A tecnologia foi feita para o homem, não o homem para a tecnologia, diria um Jesus moderno. Quero ler os meus livros embaixo da árvore e apreciar os passarinhos. 

Claro, essa é uma escolha minha, não cago regra pra ninguém. Só que, para mim, viver é muito mais do que comprar, então, bato o pó das sandálias e saio deste grotesco prédio comercial. Estarei nele, em nível médio, como diz o meu irmão, para trabalho e alguns memes. Então, amiguinhos, quando quiserem realmente falar comigo, me liguem no telefone ou mandem um email... Adiós... 


sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Croniquintas/ Só três palavrinhas

 Por Dinovaldo Gilioli

Ela me pediu, e eu enviei a crônica. Sem hesitar, assim que foi publicada no seu blog, postei na minha página do Facebook. Normalmente, ao compartilhar meus textos, recebo algum tipo de retorno, e eu realmente aprecio essa interação com os leitores e leitoras. Porém, uma semana se passou e a crônica teve pouquíssimas curtidas e nenhum comentário, o que me pareceu bem estranho. 

Só percebi o que estava acontecendo quando um amigo próximo me ligou, comentando que achou minha última postagem no Facebook muito desconcertante. Ele, de forma cautelosa, pediu que eu não ficasse chateado e me contou que até o pastor, sem mencionar nome, fez um comentário durante o culto. Eu, um homem de respeito e moral ilibada, fiquei profundamente impactado com o ocorrido. Completamente constrangido, agradeci a ligação do amigo e, imediatamente, telefonei para a blogueira. 

Descontrolado, expressei minha indignação.  

-Que história é essa? Tenho um nome a preservar. 

Ela simplesmente respondeu:  

-Esse programa do blogspot altera as frases... é o robô tentando corrigir... affff. Buscando justificar, ela ainda disse: 

-Copiei o texto exatamente como estava e fiz a revisão... mas na hora de salvar, o robô muda. 

Talvez, querendo demonstrar superioridade e competência, ela ainda teve a ousadia de dizer que gerencia oito blogs da blogspot e que só nesse é que dá esses bugs suspeitos. -Apesar de revisar atentamente, às vezes pequenos probleminhas escapam. Não se estresse, relaxa!. As pessoas, especialmente jovens, não dão a mínima para texto gigante igual ao seu. Também, convenhamos, não é para tanto, o robô alterou apenas três palavrinhas. 

Já estava irritado com os erros no texto mas a resposta da blogueira inconsequente aumentou minha irritação.

 -Não se estresse? Relaxa? - retruquei. Não se estresse, relaxa, porque isso não lhe afeta. É fácil para você, não é? O que estava escrito como canário virou caralho. O que deveria ser tapete virou cacete. O que era borboleta virou buceta. Com todo respeito às profissionais do sexo, 'vá pra puta que pariu', nunca mais irei publicar uma linha sequer no seu blog. 

E desliguei.

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Sibyla Loureiro Goulart, repórter

 


Sibyla nasceu em Porto Alegre e lá viveu, na beira do Guaíba, até o final dos anos 1970, quando, já formada em jornalismo, mudou-se para Florianópolis. Naqueles dias pouco havia de espaço para trabalho por aqui e ela acabou voltando para a capital gaúcha para atuar junto ao mandato do João Vicente Goulart, filho do Jango, eleito deputado. Pouco tempo depois retornou, atuando como freelance para revistas e outros periódicos de fora.  

Foi só quando o Diário Catarinense se instalou em Florianópolis que ela conseguiu um trabalho fixo. Ali ficou por uma década até que, junto com o marido, Barão, decidiu enveredar pelo caminho do jornalismo comunitário criando a Folha de Coqueiros em 1995, jornal impresso e de distribuição gratuita. A praia da Saudade, em Coqueiros, foi sua primeira morada na capital e ela ali está até hoje, pena em punho, sempre atenta às mudanças e às histórias da comunidade.

Neste episódio do Repórteres/SC Sibyla fala de sua trajetória, dos desafios de reportar a vida do bairro, a experiência de vivenciar as mudanças no jornalismo nos 50 anos de profissão e os planos para o futuro. Seguir com a Folha de Coqueiros – há 30 anos reportando o bairro - é o principal.  

As imagens são de Rubens Lopes. 

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Croniquintas/ Vestido rosa antigo de crepe

 


Texto de Míriam Santini de Abreu

Minha mãe comenta, por telefone, que vai a um jantar dançante e tomará emprestado das amigas um xale “chique”.

– Vai com que roupa, mãe?
– Com o conjunto da Ilse! – ela responde.

Há uns 30 anos, a mãe pediu à amiga Ilse, já falecida e conhecida estilista de Caxias do Sul, que lhe fizesse um conjunto “chique” para o casamento de um sobrinho. A Ilse fez uma saia plissada de crepe com forro de cetim e uma blusa de manga comprida com um detalhe drapeado na cintura. A cor, um rosa “antigo”, como define a mãe. Lembro-me de que, no dia em que ela trouxe o vestido para casa para a primeira prova, e eu invoquei com o tal detalhe drapeado.  

– Não gostei. Diz à Ilse para tirar porque vai sair de moda.

Ela insistia que não, mas eu não desistia. Depois de minutos tentando convencê-la, fiquei exasperada:

– Ah, mãe, até parece que tu tem medo dessa Ilse!

Nunca me esqueci desse último comentário porque, naquele momento, eu registrava toda a conversa com um pequeno gravador comprado dias atrás. No que mencionei o tal medo, vi que um dos cachorros da vizinhança, sabe-se lá como, despencava de um muro com uns dois metros de altura que faz o limite entre o beco e a nossa casa. Comecei a gritar como uma louca:

– Ahhhhhhhhhhhhhhhh! Ahhhhhhhhhhhhhhhhh! O cachorro caiu! O cachorro caiu!

E lá ficou, gravado, o meu gritedo, meio ridículo, sempre lembrado quando se fala do tal vestido. A história só não é mais anedótica do que a conhecida frugalidade de minha mãe, não só em relação a roupas, mas a tudo. Tem as mesmas roupas e sapatos há anos, a maioria dados por amigas e conhecidas. 

Eu, que só viajo com o que puder carregar em uma bolsa apenas – seja para Caxias ou para outro lugar – sempre vasculho as gavetas dela para me vestir. E me decepciono:

– Credo, só tem paninho!

E ela, quando todos os filhos moravam em casa, volta e meia fazia o que chamava de “dar uma limpa”, que significava doar tudo o que não usava ou que não tivéssemos vestido nas semanas anteriores. Eram dias de medo. As coisas sumiam do guarda-roupa e da cômoda. Não adiantava xingar nem ranger os dentes. Hoje continua a “dar limpas” nas próprias roupas sempre que ganha alguma peça nova. 

Ao longo dos anos, salvaram-se apenas as peças do enxoval dela e do meu, uns sapatinhos de lã e babeiros lindamente bordados que usei quando era criança, um casaco de pele dado por uma prima e, cuidadosamente pendurado no roupeiro, o conjunto de crepe rosa antigo da Ilse. 

Na nossa conversa por telefone, ela profetizou: 

– Vai durar para sempre. Tu vai ficar velha e também vai usar.

Não duvido.

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Alzemi Machado, escritor

 

Ele nasceu, por obra do acaso, no Rio de Janeiro, mas só nasceu mesmo. O pai era da Marinha e estava por lá. A sorte é que logo em seguida foi mandado de volta e Alzemi viveu sua infância no bairro do Estreito. Foi na escola que tomou gosto pela leitura e pelos livros. Jovenzinho fez um curso de encadernador, pois achava bonito “curar” os livros. E o curso foi a sua porta de entrada para o mundo da biblioteca.  

Não tinha nem 17 anos quando passou no concurso para encadernador da Biblioteca Pública e desde então nunca mais saiu de lá. Juntava a fome com a vontade de comer. Viver com os livros era tudo o que queria. Por isso mesmo fez a faculdade de biblioteconomia e passou por várias funções na biblioteca. 

O cotidiano contato com a memória da cidade também despertou nele o desejo de vasculhar o passado, principalmente a memória de pessoas, fatos e lugares que não eram muito procurados. Foi assim que nasceu o livro “Memória do Abrigo de Menores”, contando a história esquecida de um lugar que faz parte da memória afetiva de Florianópolis. 

Outro tema que lhe chamou atenção foi o carnaval e lá veio mais uma pesquisa de anos, que resultou na memória das sociedades carnavalescas e os carros de mutação. 

Ele não se considera um escritor, prefere ser identificado como memorialista. E, de fato, é o guardião da memória da cidade, sempre atento aos temas que se escondem nas prateleiras e nos arquivos de computador. Ele olha para a cidade e vê o que ninguém vê. Aí ele pesquisa e desvela. Sua história e e a construção de sua obra estão narradas aqui. 


quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Croniquintas/ Na maldição do transporte coletivo

Toda mudança é sempre para pior

O dia era como eu gosto. Uma chuvinha intermitente, vento suli, tudo conspirando para a alegria, já que eu ia para o centro, espaço de belezas desta cidade amada. Mas, no caminho, vi nas notícias que os malditos da prefeitura alteraram horários e rotas de duas linhas que comumente uso. A da Costa de Dentro e Costa de Fora. Pois os espertinhos - que não andam de ônibus - acabaram com as linhas criando uma única rota para fazer Costa de Dentro e Costa de Fora. Isso simplesmente altera a vida de uma imensidão de famílias que mora naqueles bairros, porque para muitíssimas pessoas essa mudança altera o tempo dentro do ônibus. Só quem usa sabe. Maldito Topázio! Malditos burocratas que não ouvem as gentes. 


Foi exatamente isso que fizeram com as linhas do Castanheira Gramal e Castanheira Eucaliptos. Elas foram eliminadas e agregadas à linha Morro das Pedras. Com isso a trajetória ficou muito mais longa. Imagina levar 45 minutos para chegar em casa, numa linha dentro do bairro, porque ela atende dois bairros juntos em vez de um só. Antes, a gente levava dez minutos. Agora 45. É de enlouquecer. 


Além disso, há que segurar a onda com os motoristas estressados ​​que explodem a qualquer comentário. Dia dessas uma senhorinha informou ao motorista que não tinha parado no seu ponto - ela, velhinha, cheia de sacolas - e ele saltou mal-humorado: "Era eu? Não era? Então não quero saber. A senhora puxa a cordinha e eu paro". Assim, na ignorância, sem nenhuma empatia. A gente meio que entende, eles perderam os cobradores, ficaram pressionados. Mas, não custaria nada ser simpático. 


E assim eu vinha no ônibus remoendo ódio contra Topázio e seus tecnocratas, pensando sobre o que fazer já que o povo é tão manso. Como é possível aceitar essas mudanças no transporte sem um movimento de rebeldia? Queimava em ódio. Nisso o busão chegou no terminal e o povo foi saindo à galope. Fiquei pra trás, cheia de bolsas, tripés e sacolas. Quando fui descer o motorista simplesmente fecha a porta. Plaft! A porta se fechou sobre o meu braço magrinho e eu fiquei meio corpo pra fora, meio corpo pra dentro. Pensei: puta merda, vou morrer igual aquela senhorinha que caiu do ônibus. O cara arrancou e se foi. Gritei, mas ele não ouviu, minha cara estava para fora. Por sorte havia duas mulheres ainda dentro do ônibus e elas gritaram para ele parar. Ele parou e então abriu a porta, me destrancando. Foram segundos, mas eu realmente me apavorei. Não houve tempo nem para reclamação. Ele abriu a porta, eu saltei, as mulheres também e ele se foi. Fiquei ali com cara de tacho. Só consegui pensar: maldito Topázio. 


Por muito pouco eu não fui parar no Balanço Geral, o programa das desgraças. A coisa parece engraçada, mas não é. É muito difícil enfrentar o transporte coletivo todos os dias, ainda mais sendo velho. 

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Escadarias do Maciço - O Parque e seu Guardião (E 6)



Fotos: Rubens Lopes

A equipe da revista Pobres & Nojentas apresenta mais um episódio do projeto Escadarias do Maciço, o sexto, desta vez sobre o Parque Natural Municipal do Morro da Cruz, criado em 2005. Quem nos acompanhou na visita ao Parque foi o morador e ativista socioambiental Ruy Antônio Pures Alves. Na equipe, o jornalista Rubens Lopes e o professor da UDESC Francisco Canella, com edição da jornalista Elaine Tavares.

Ruy mostra o parque, encravado na montanha – como ele chama o Maciço – em uma aula motivada por profundo amor pelo lugar e pela compreensão aguçada da relação sociedade-natureza. A entrevista foi envolvida por silêncio e som da mata, das águas e da flora, ambiente em que as palavras do Ruy ficam ainda mais transmitidas de conhecimento vívido. Ruy é um verdadeiro mestre de saber e fazer. Um guardião do parque, que precisa do cuidado da Prefeitura. 

Uma entrevista coincide com um período no qual a Comissão Parlamentar Especial (CPE) na Câmara de Vereadores discute a situação das Unidades de Conservação da capital e produziu um relatório preliminar de 46 páginas que vai na direção da desconstituição dessas unidades, inclusive o Parque do Morro da Cruz, com argumentos já contestados em pareceres apresentados na Câmara.

O projeto busca ouvir moradores do Maciço Central ou Maciço do Morro da Cruz, parte do Distrito-Sede de Florianópolis, revelando o cotidiano naquele espaço urbano da Ilha de Santa Catarina. O Maciço é uma formação rochosa próxima às áreas centrais da capital catarinense e se estende por quase 5 km no sentido das Baías Norte e Sul, atingindo 285 metros de altura. Nele há pelo menos 18 comunidades e cerca de 30 mil pessoas constituindo diferentes apropriações socioespaciais. 

Um dos desafios para as populações que ali moram é a mobilidade e a acessibilidade, sendo uma das formas mais características, além das linhas de ônibus, o uso das escadas para o trajeto entre as comunidades e delas até as áreas planas do centro da cidade. 

O episódio teve apoio da UDESC (Programa de Extensão Territórios Populares - EDITAL PAEX-PROCEU/UDESC nº 01/2023) e do Instituto Cidade e Território (ITCidades).