Texto de Míriam Santini de Abreu
Minha mãe comenta, por telefone, que vai a um jantar dançante e tomará emprestado das amigas um xale “chique”.
– Vai com que roupa, mãe?
– Com o conjunto da Ilse! – ela responde.
Há uns 30 anos, a mãe pediu à amiga Ilse, já falecida e conhecida estilista de Caxias do Sul, que lhe fizesse um conjunto “chique” para o casamento de um sobrinho. A Ilse fez uma saia plissada de crepe com forro de cetim e uma blusa de manga comprida com um detalhe drapeado na cintura. A cor, um rosa “antigo”, como define a mãe. Lembro-me de que, no dia em que ela trouxe o vestido para casa para a primeira prova, e eu invoquei com o tal detalhe drapeado.
– Não gostei. Diz à Ilse para tirar porque vai sair de moda.
Ela insistia que não, mas eu não desistia. Depois de minutos tentando convencê-la, fiquei exasperada:
– Ah, mãe, até parece que tu tem medo dessa Ilse!
Nunca me esqueci desse último comentário porque, naquele momento, eu registrava toda a conversa com um pequeno gravador comprado dias atrás. No que mencionei o tal medo, vi que um dos cachorros da vizinhança, sabe-se lá como, despencava de um muro com uns dois metros de altura que faz o limite entre o beco e a nossa casa. Comecei a gritar como uma louca:
– Ahhhhhhhhhhhhhhhh! Ahhhhhhhhhhhhhhhhh! O cachorro caiu! O cachorro caiu!
E lá ficou, gravado, o meu gritedo, meio ridículo, sempre lembrado quando se fala do tal vestido. A história só não é mais anedótica do que a conhecida frugalidade de minha mãe, não só em relação a roupas, mas a tudo. Tem as mesmas roupas e sapatos há anos, a maioria dados por amigas e conhecidas.
Eu, que só viajo com o que puder carregar em uma bolsa apenas – seja para Caxias ou para outro lugar – sempre vasculho as gavetas dela para me vestir. E me decepciono:
– Credo, só tem paninho!
E ela, quando todos os filhos moravam em casa, volta e meia fazia o que chamava de “dar uma limpa”, que significava doar tudo o que não usava ou que não tivéssemos vestido nas semanas anteriores. Eram dias de medo. As coisas sumiam do guarda-roupa e da cômoda. Não adiantava xingar nem ranger os dentes. Hoje continua a “dar limpas” nas próprias roupas sempre que ganha alguma peça nova.
Ao longo dos anos, salvaram-se apenas as peças do enxoval dela e do meu, uns sapatinhos de lã e babeiros lindamente bordados que usei quando era criança, um casaco de pele dado por uma prima e, cuidadosamente pendurado no roupeiro, o conjunto de crepe rosa antigo da Ilse.
Na nossa conversa por telefone, ela profetizou:
– Vai durar para sempre. Tu vai ficar velha e também vai usar.
Não duvido.
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