Míriam Santini de Abreu
Agora nós estamos livres... Essa canção eu ouvi quando atravessava o Atlas para alcançar o deserto que desejava ver desde criança. Até hoje não escrevi nada sobre esse desejo, aquele encontro, do qual não tenho sequer uma foto, e de cuja materialidade sei pelo mistério da memória. Chegara em casa. Esperavam-me a areia, o sol ardente, os árabes e berberes que, na noite deserta, cantaram e tocaram, e no alto das dunas falaram sobre a possibilidade de atravessar uma fronteira sem se machucar por conhecer o vigia...
Foi em um livro de J. H. Van Den Berg, lido depois da viagem, lido para percorrer o caminho da liberdade, que li o que não consegui descrever:
"Ninguém viaja para outro país, se já não estiver naquele país, mesmo quando ainda não o conhece. O futuro sempre tem o sentido ligeiramente paradoxal de ali nos encontrarmos a nós mesmos. O viajante já está ali; agora que o seu trem está atravessando aquele país, o viajante está se encontrando a si mesmo; está encontrando o "eu" que mandou para aquele país antes de embarcar em seu trem".
Sim... O escritor marroquino Tahar Ben Jelloun, em seu livro O Menino de Areia, cita a frase dita por um poeta egípcio sobre a necessidade de se manter um diário: "De mais longe que se regresse, nunca se regressa de outro lugar que de si mesmo. Às vezes, um diário é necessário para dizer-se que já não se é mais".
Não mantive um diário da viagem nem conversei como quem entrevista. Mas é preciso palavra para contá-la, porque nela passado, presente e futuro me dizem que já sou outra.
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