segunda-feira, 17 de junho de 2013

A Copa do Capital


Marcela Cornelli

Faltaria espaço para tratarmos de todos os aspectos que envolvem a realização dos megaeventos esportivos no Brasil, mas vamos tentar levantar alguns pontos de reflexão sobre o assunto. Começando com a Copa das Confederações em julho deste ano, a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016 o Brasil sediará megaeventos esportivos que já estão afetando à população brasileira, principalmente as comunidades empobrecidas. Estima-se, nas primeiras análises, que 170 mil pessoas terão seus direitos à moradia violados. Os números verdadeiros se saberá com o tempo e tendem a ser maiores. Em um País com um déficit habitacional de 5.500.000 moradias e 15.000.000 de domicílios urbanos sem condições mínimas de habitabilidade (saneamento, infraestrutura urbana, etc.), segundo dossiê elaborado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa, e a precariedade e descaso que são tratadas a saúde deveríamos ter o direito de decidir onde o dinheiro público deveria ser aplicado e com certeza não seria nos megaeventos esportivos que em nada beneficiarão a população e sim darão lucros às empreiteiras e aos donos do capital.

De acordo com o dossiê, Odebrecht, Camargo Correia, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, OAS, Delta e Galvão Engenharia estão participando da construção de estádios para a Copa. Estas empresas são provavelmente as maiores financiadoras de campanhas eleitorais milionárias no Brasil. E o que dizer da Lei da Copa (Lei número 12.035/2009) que fere a Constituição do País? Institui exigências como a meia-entrada de idosos e estudantes apenas na categoria popular, o mais barato, permissão para criação das Zonas de exclusão, com restrição ao comércio de rua e à circulação de pessoas em um raio de dois quilômetros dos estádios, privatização e exclusividade da exploração de símbolos da seleção brasileira e do Brasil, proibição de aulas nas redes do ensino público e privado durante a Copa, criação de crimes especiais e sanções civis para reserva de mercado, publicidade e propaganda, limitações à captação e transmissão de imagem e som, responsabilidade geral do Estado por quaisquer danos e prejuízos com segurança, levando a União a indenizar a Fifa, a criação de Juizados Especais e da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, Decreto n. 7.536 2011. Tudo isso preocupa e fere a liberdade do nosso povo. Também o PL 728/2011 que tramita no Congresso para coibir o direito a greve durante a Copa.

“Os megaeventos esportivos afetarão a população Brasileira da forma mais danosa possível, estão sendo gastos valores exorbitantes numa parceria do Estado brasileiro e as elites nacionais com a perspectiva de reposicionar em território nacional um programa cultural, econômico e de esporte e lazer que não interessa ao povo brasileiro”, defende o professor Paulo Ricardo do Canto Capela, professor do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina.

“Os megaeventos esportivos em sua estrutura, a qual foi aceita em sua forma integral pelo governo Lula e continua sendo aceita de forma dócil pelos congressistas, constrói o que se convencionou chamar de cidade de exceção que permite alterar os Planos Diretores estabelecidos em plenárias populares, conforme estabelece o Estatuto das Cidades. Através desse instrumento “legal” e o uso da força policial são removidas famílias de forma desumana, ilegal e arbitrária, a pedido da Fifa e COI (Comitê Olímpico Internacional). São ações de interesse da especulação imobiliária, hotelaria de luxo e das grandes empreiteiras. O Estado brasileiro está proporcionando aos grandes especuladores e as elites esportivas nacionais o que eles sempre quiseram, e até mais do que sempre esperavam ter”, afirma o professor.

Santa Catarina não sediará nenhum evento, mas sua população também será afetada. Na opinião do professor Paulo Capela. “está em curso no Estado uma série de ações e “conquista” de verbas públicas para as construções de equipamentos de esporte e lazer, obras de ampliação da capacidade da hotelaria de luxo; obras de infraestrutura; além de infindáveis cursos de formação de mão de obra alienada para trabalhar, sem qualquer questionamento crítico durante esses eventos. São ações que trarão sérias consequências, tanto culturais quanto econômicas, além dos recursos públicos que estão sendo empregados nessas ações poderem ter sido direcionados para atender históricas demandas populares. São obras e ações definidas através de acordos de gabinete, longe do bom debate democrático e público-popular. O que o Estado de SC “conquistará” será por conveniência das mesmas velhas e carcomidas elites empresarias, esportivas, em acordo com as também velhas elites políticas de Santa Catarina”, analisa o professor.

Capela observa que encontram-se em fase adiantada de aprovação duas pistas Olímpicas de atletismo (uma em Florianópolis na UFSC e outra em Chapecó) sem qualquer estudo, debate público, ou sustentação teórico-conceitual sobre ser ou não apropriado tais equipamentos para o desenvolvimento esportivo dos municípios e para o estado de Santa Catarina. “Também estão sendo realizados muitos cursos de formação profissional atrelados ao “calendário dos megaeventos esportivos” que em nada modificarão as possibilidades de esclarecimento sobre os megaeventos esportivos, a garantia de condições dignas para atletas e técnicos do esporte de alto-rendimento e nem para a democratização do esporte e lazer das populações de não atletas. Também não contribuirá para a melhoria da empregabilidade dos trabalhadores no Estado. São ações movidas apenas por interesses em captar verbas públicas disponíveis e para crescer o empoderamento das tradicionais elites do Estado”, afirma.

Segundo o professor, para se opor a este modelo elitista de esporte, em Santa Catarina está se construindo uma rede de articulação com intelectuais, artistas, movimentos sociais, sindicalistas, atletas e universidades apoiadoras, no sentido de organizar um grande movimento pela democratização do esporte e lazer no Estado. “Esses agentes precisam ter voz na construção de um novo modelo de esporte e lazer, um modelo de caráter popular. O grande empecilho para termos um sistema esportivo de qualidade referenciado nas demandas populares aqui no Estado e no país não é falta de dinheiro, mas sim de vontade política dos que sempre mandaram no esporte e no Estado em nosso país”.

Paixão nacional?
Na opinião do professor, os megaeventos esportivos não tem qualquer relação direta com a melhoria da prática esportiva ou de vida do povo brasileiro. “São apenas negócios e uma grande ação de neocolonização cultural e econômica de nosso país e continente, produzirão mais do mesmo, ou seja, o desenvolvimento do sub-desenvolvimento econômico, esportivo e cultural, e é claro, muitos ganhos econômicos para poucos. Quem ganha são as elites empresarias, esportivas, mídia oficial e a indústria cultural do entretenimento, e quem perde é como sempre o povo simples e sofrido, os trabalhadores e seus filhos e todos aqueles que trabalham para a consolidação de um projeto nacional-popular para o Brasil”, finaliza.

Fonte: Revista Previsão nº 2 maio/2013



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