Elaine Tavares
É comum a gente ouvir a maioria dos políticos – de esquerda inclusive - e os empresários de Florianópolis dizer que a cidade virou as costas para o mar e que é chegada a hora de mudar essa concepção atrasada. Investir no turismo, vocação natural. Pois, na contramão da história eu digo que isso está errado. Na verdade, já faz muito tempo que a cidade está bem de frente para o mar, embarcando na onda estúpida do desenvolvimento capitalista que considera o mar e a sua orla como espaço de especulação e lucro.
Quando a cidade de Florianópolis estava mesmo de costas para o mar, a concepção de vida era outra. O mar era visto como espaço de trabalho, lugar onde as famílias iam buscar a comida do dia-a-dia, quintal de descanso e fruição. Quem conheceu a velha Desterro, antes do inchaço migratório dos anos 80, deve se lembrar que, nas praias, as casas tinham o mar ao fundo, onde ficavam os ranchos de canoa, os apetrechos da pesca. Porque ninguém via a natureza como coisa à venda.
Mas, aos poucos o mar começou a ser disputado pelo “empreendedorismo imobiliário”. Como era possível que as famílias vivessem de costas para tanta beleza? Era o que diziam... Mas, isso nunca foi verdade. Ter o mar no fundo de casa não era virar-lhe as costas. Pelo contrário. Era proteção. Aquela maravilha não se lhes aparecia como paisagem especulada. Era mesa farta, morada das sereias, dos peixes, do mistério.
Foram os abutres do capital que mudaram a lógica. Chegaram com suas pastas pretas oferecendo uma vida melhor. “Por que não trocar a difícil vida na beira praia por um bom apartamento no Roçado, em Serraria, em São José? Já não é hora de deixar de andar com os pés sujos de areia e viver num lugar onde o chão é um carpete felpudo?” E tantas famílias caíram nesse conto de sereia, abandonando a beira da praia em busca de um eldorado moderno. Foram viver a promessa capitalista do apartamento seguro de 50 metros quadrados enquanto as empreiteiras iniciavam a construção de monstros verticais ou condomínios de luxo nas praias. O mar deixava de ser mesa para tornar-se paisagem à venda.
Arrisco dizer que aquele que ama Florianópolis deveria pensar melhor sobre essa sanha turística. Talvez fosse hora de, de novo, voltar às costas ao mar, como faziam os antigos. Proteger essa beleza, esse patrimônio. Pensar outra lógica de turismo, comunitário, popular. Um processo de compartilhamento da beleza do qual as próprias gentes da cidade possam se apropriar. Vi essa experiência há pouco tempo no Egito. Ao longo do rio Nilo, lugar de extrema beleza, berço de uma das mais antigas civilizações, circulam milhares de turistas. Mas a forma como as comunidades compartilham a maravilha de sua cultura é radicalmente diferente. Não há grandes companhias ou grandes empresas. A maioria dos serviços é prestada por famílias, pessoas físicas. Tudo se intercala e se complementa. Cada um ganha um pouco e ao mesmo tempo preserva a margem do rio dos monstrengos imobiliários.
Penso que essa realidade é possível de ser constituída na ilha. As pessoas têm essa condição de tomar nas mãos os destinos de Florianópolis e protege-la da destruição. Por isso eu quero muito ver a nossa cidade voltar às costas ao mar, para que ele volte a ser mesa e rede onde descansamos... Eu quero ver, e luto por isso!
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