Nas fotos, dona Rosinha em dança típica e o jornalista Celso Martins fotografando o presidente da Associação do Bairro de Sambaqui, Rodrigues Viana, às voltas com a preparação das crianças para o boi de mamão.
Míriam Santini de Abreu
Primeiro Momento
A música ao longe é de festa. Mal desembarco do ônibus e paro em frente a um monumento de azulejos azuis - ao lado de uma vistosa luminária - que conta a história da então Freguesia, elevada a esta categoria em 27 de abril de 1750. Na Praça Roldão da Rocha Pires, esquina das ruas Cônego Serpa com Padre Lourenço de Andrade, há outra placa, sob uma árvore seca repleta de barba de pau, que informa: 21 de outubro de 1845, primeira rua calçada de SC. Santo Antônio de Lisboa, 11 de setembro de 2011.
Uns poucos passos adiante e está ali, num majestoso barroco, a Igreja Nossa Senhora das Necessidades. Vai começar mais uma atração da Festa do Divino 2011, a apresentação do grupo folclórico Raízes Açorianas, ligado à Casa dos Açores. Os cerca de 30 integrantes iniciam com o ritual de entrada “Caninha Verde”, e encerram com o ritual de saída “Lare”. Entre os dois, outras 8 canções que fazem bailar os pares, homens e mulheres, com seus trajes e danças, fazem o bailado típico de cinco das nove ilhas dos Açores entre os séculos 17 e 18. Às vezes calçam chinelos, sandálias, apenas meias de renda ou pés no chão.
Entre um volteio e outro aparece a bandeira dos Açores, branca, azul e laranja, na qual brilham um açor – ave de rapina – e nove estrelas representando as ilhas habitadas que compõem o arquipélago. Os casais se olham, sorriem um para o outro. O menino Bruno, de 8 anos, dança parte das músicas, com um chapéu preto sobre o rostinho branco de olhos verdes. Está com a mãe, Paula e o pai, Juliano. Bisavós de Paula vieram dos Açores.
Recordo do filme “Orgulho e Preconceito”, baseado em um livro de Jane Austen. Douglas Ferreira Gonçalves, integrante do grupo, me explica que, naqueles séculos, as festas eram lugares de cortejo, porque o desejo, o amor entre os que procuravam par não podiam se manifestar através de toques, a não ser nas celebrações. O Raízes Açorianas, formado por voluntários, formou-se em maio de 2010, incluindo integrantes vindos de outros grupos. Hoje, é o único, na Grande Florianópolis, a manter a tradição das danças típicas dos Açores. Mesmo as roupas, com exceção de duas, foram feitas na ilha, a mão e com tear. Para manter a tradição, o Raízes faz estudos em livros, na internet e mantém contato com grupos de outros municípios de SC e de outros estados.
Para 2012, eles preparam uma surpresa: “Vamos trabalhar com o folclore das ilhas dos Açores e também com o folclore ilhéu, a partir de releitura de contos de Franklin Cascaes, usando a dança contemporânea, mais teatral, para mostrar a eleição bruxólica”, diz Douglas. Outro projeto é encenar poemas de Cruz e Souza, ambos com apoio adicional da Fundação Franklin Cascaes. Quem não conhece Franklin Cascaes e Cruz e Souza deve, de imediato, se apropriar da beleza da obra de ambos para saborear as iniciativas planejadas para o próximo ano.
Segundo Momento
Rosa dos Santos Cruz, a dona Rosinha, de 76 anos, parece uma fada que se desenrolou das fitas da tradicional apresentação de Pau de Fita do grupo Olaria. Era para ser encenada por homens e mulheres, mas, segundo dona Rosinha, os homens não se estusiasmam muito, nem as mais jovenzinhas, para manter a tradição, então são mulheres que também envergam o traje de calça branca e camisa vermelha. Dona Rosinha, no seu vestido rosa, as sapatilhas brancas, o cabelo curto adornado por um arco, os delicados brincos de pérola, parece incrustada em um camafeu. Teve tempo apenas para me contar que dança o pau de fita há uns seis anos: “Quanto mais a gente dança, mais a gente gosta”, revela ela, com um sorriso. Mas no meio da conversa precisa correr, porque vai participar do desfile do Cortejo Imperial com a mesma faixa que havia usado no desfile anterior, a que tinha escrita a palavra “Fortaleza”, em alusão a um dos sete dons do Espírito Santo.
Terceiro Momento
Enquanto o professor e pesquisador Nereu do Vale Pereira lançava o livro “O boi de mamão – Folguedo folclórico da Ilha de Santa Catarina: introdução ao seu estudo” (2010), os visitantes ocupavam o Largo da Igreja para ver as figuras típicas deste folguedo, trazidas à festa pela Associação do Bairro de Sambaqui. Vinham o boi, os ursos, a bernunça, a maricota, as crianças de mãos dadas com os personagens, e em meio à brincadeira um cachorro preto tentava driblar os pés dos passantes. Virou personagem. Lindo de ver quando entrou a benzedeira que foi curar o boi: “Eu te benzo, meu boi, com galinho de alecrim”, começava a benzedura, que foi repetida duas vezes. Não saí de perto daquele espumoso mar de Santo Antônio de Lisboa sem visitar o cemitério, ladeado por altas árvores enredadas, encantada com o gesto de um homem que, no alto da igreja, tocava o sino para anunciar o Cortejo Imperial. Eu te benzo, Santo Antônio.
Um comentário:
Festa bem legal... o Boi de Mamão do Sambaqui deu um brilho a mais na tarde ensolarada de domingo. Fortalecer a cultura popular para que as próximas gerações a conheçam.
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