quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Silêncio dos Inocentes


Míriam Santini de Abreu

A neblina na estrada de Florianópolis para Lages me faz lembrar de outra, a neblina em Caxias do Sul, quando, no inverno, às vezes é difícil ver algo a dois metros de distância. O mundo fica brumoso, distante. No inverno de 1990 a 1992, eu e meu amigo Samuel Frison o enfrentávamos diariamente quando o ônibus que nos levava a São Leopoldo para cursar Jornalismo terminava a viagem, já em Caxias, perto da meia-noite e meia.

Da parada até a rua onde a minha família e a dele moram até hoje eram cinco quadras. Vencê-las era um tanto tenebroso. O coração dava pulos no peito - escuridão, neblina, silêncio, e muito, muito frio, um pouco abaixo de zero algumas vezes. Eu fazia o trajeto todo com os pêlos eriçados de medo. Mas podia ser ainda mais assustador.

O Samuel é um conhecedor de cinema, e adorávamos conversar sobre filmes na viagem de ida e volta. Não sei como os outros passageiros - todos estudantes na Unisinos - nos agüentavam. Um dos filmes que volta e meia era alvo da charla incessante era O Silêncio dos Inocentes, no qual uma das personagens, o terrível Hannibal Lecter, comia suas vítimas, e ajuda a agente do FBI Clarice Sterling a capturar outro assassino.

Uma noite, enquanto eu tentava controlar os nervos na descida diária do ponto de desembarque até o final da rua Marechal Floriano, o Samuel chegou perto do meu ouvido e sussurrou, imitando a voz do canibal:

- Clariiiiccccce...

Eu dei um berro louco e corri em disparada, furando aquele espesso véu branco. Demorei semanas para perdoá-lo. E desde então, basta baixar uma neblina para que eu ouça aquele cicio entre dentes:

- Clariiiiccccce...

2 comentários:

Anônimo disse...

Clariccccccccccce......Olha o boneco de papel higiênico......

Samuel Frison disse...

cinema05Ah Mírian, que neblina nostálgica. Te cuida Claricccce! Lembra do Freddy Krugger na redação do jornal Folha de Hoje? E do incêndio na prefeitura? E da entrevista com o Spiandorello? E nós brigando pelo lead? Bons tempos!