Mais uma vez a diplomada ignorância e o notório analfabetismo urbanístico se juntam ao ódio de classe para atacar os pobres da Grande Florianópolis. Trata-se de mais um embuste promovido pelo jornal Notícias do Dia – o ND, filiado não por acaso à indústria da fé do bispo e empresário Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus e proprietário do grupo Record.
O pretenso relatório [1] com foco nas “invasões irregulares” busca associar mais uma vez de forma leviana a origem do “caos urbano” da Grande Florianópolis às populações periféricas. Através do velho discurso de guerra ao tráfico, as matérias produzidas e propagandeadas pelo que há de mais tacanho e reacionário no jornalismo catarinense buscam legitimar as ações policiais violentas e arbitrárias que se intensificaram nas comunidades por meio da derrubada de casas, agressões e intimidações aos moradores. Violência que vem crescendo na conjuntura de pandemia, aumentando ainda mais a insegurança, impunidade e violações de direitos.
O ataque promovido contra as populações mais vulneráveis não será inócuo, pois, ao mesmo tempo em que vai buscar transformar os culpados em vítimas, passando o pano para a prefeitura e para os verdadeiros criminosos, devedores e usurpadores de terras públicas, vai também, de modo dissimulado e perverso, buscar transformar as vítimas em culpados, transferindo a culpa da falta de políticas habitacionais e da histórica grilagem de terras promovida pelas elites às populações empobrecidas da região.
Lembremos
aqui das origens dos problemas fundiário e habitacional da região que, além da
vinculação junto ao processo originário de acumulação e de expropriação dos pequenos
produtores açorianos, vai apresentar particularidades próprias de ocupação do
solo que abarcarão desde a apropriação das áreas de uso comum pelas classes
mais abastadas; passando pela entrega de terras públicas através da maquiada
“reforma agrária” realizada pelo IRASC no período ditatorial; chegando ao
contexto atual de avanço das agendas e pautas neoliberais e do processo de
financeirização da terra e moradia no país, conjuntura que vai proporcionar um
agravamento da precarização habitacional. Trata-se, de modo geral, do processo
histórico de mercantilização e apropriação da terra pelo grupos políticos e
econômicos dominantes, processo que vai acabar inviabilizando o acesso de
grande parcela dos trabalhadores de baixa renda ao solo e também à moradia no
município de Florianópolis.
No que se refere ao conteúdo do relatório publicado, esse não faz mais do que ratificar a defesa ao modelo autoritário, elitista e segregador de cidade, o qual visa transformar a capital catarinense numa meca das elites locais e internacionais. Contudo, para que esse projeto elitista se torne cada vez mais concreto e hegemônico, é preciso excluir o máximo de populações não solváveis da cidade, ou seja, os setores mais empobrecidos da classe trabalhadora, que por sua condição de exploração e miséria não conseguem se enquadrar nos padrões de consumo estabelecidos pelas elites.
Servindo como lacaios e bocas de aluguel de especuladores, construtores e agentes ligados ao capital imobiliário, os diversos colunistas do “Relatório ND” buscam a todo custo atacar os mais pobres e vulneráveis, uma vez que, além de tornarem-se uma “paisagem indesejável”, acabam inviabilizando as possibilidades de lucro e renda do mercado imobiliário, transformando-se, por esse motivo, em inimigos da ordem e promotores do caos urbano.
No entanto, nem um pio quando o assunto diz respeito à apropriação ilegal de terras e crimes ambientais cometidos pelas elites locais, essas que, diferentemente dos pobres, podem escolher onde vão construir seus empreendimentos de alto padrão e que, por opção, escolhem as localizações privilegiadas, de área de preservação permanente, na beira da praia, privatizando e comprometendo o bem público e o meio ambiente. Nota-se, portanto, a partir da parcialidade dos noticiários, do pretenso relatório e dos comentaristas abomináveis, o nível de intolerância, perversidade e preconceito de classe na hora de discutir sobre a problemática urbana.
Trata-se, sem dúvida, de uma guerra declarada aos pobres da Grande Florianópolis. Essa que, mesmo diante do avanço da pandemia na região, não parou um só minuto. Ao contrário, valendo-se da lógica de “passar a boiada”, enquanto os holofotes e atenções estão todos voltados ao controle e combate do vírus, as prefeituras locais, a exemplo da Capital, aproveitam o momento de fragilidade para intensificar ainda mais as práticas de segregação e violência contra as populações mais empobrecidas da região.
É inadmissível que as populações empobrecidas continuem sendo tratadas com tamanho preconceito e violência por parte da grupo ND. Nenhuma ação, sobretudo as que ignoram processos jurídicos e a própria constituição, pode justificar a derrubada de casas e agressões contra o povo trabalhador das periferias, tão essencial nesse momento de crise sanitária e ao mesmo tempo tão reprimido e violentado.
Fiel porta-voz dos interesses empresariais e da indústria da fé, o grupo ND agora se volta contra parte dos próprios fiéis da Universal, povo sofrido das periferias, favelas e ocupações, que muitas vezes deixam de comer para alimentar a fome insaciável da igreja por dinheiro e poder. Por trás dessa aparente contradição, revela-se a contraface perversa e cruel do grupo ND/RECORD, que, além de lucrar com a exploração da fé, alimentando a situação de vulnerabilidade e pobreza dos fiéis, agora também busca criminalizá-los por sua condição precária de moradia e de miséria. Eis o ópio do povo!
[1]
Relatório ND: Invasão define o caos urbano na região central de Florianópolis
Relatório
ND: A nova rocinha não é aqui em Florianópolis
https://ndmais.com.br/infraestrutura/dossie-nd-a-nova-rocinha-nao-e-aqui-em-florianopolis/
Cidade ameaçada: as
construções clandestinas em Florianópolis
https://www.youtube.com/watch?time_continue=11&v=zoMkmYldRzc&feature=emb_title
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