Elaine Tavares
Tramita
desde o ano passado, na Câmara de Deputados, o famigerado projeto de lei que
regulamenta as greves de trabalhadores. Isso por si só já seria uma grande
bobagem pois só os trabalhadores, auto-organizados, são os que decidem sobre
suas formas de luta. Não há qualquer cabimento em o Estado ou o Legislativo
tentar regular aquilo que não é da sua competência. No mundo capitalista, a luta
dos trabalhadores é sempre uma luta contra o capital e, a menos que se entre
numa armadilha de conciliação de classe, uma lei para regular as greves fica
fora de questão.
Mas, apesar
disso, um deputado do Partido dos Trabalhadores, chamado Roberto Policarpo
Fagundes, eleito pelo DF, entrou com um projeto de lei, em 2012, visando
justamente regular as greves. No corpo do projeto ele chama de "democratização
das relações de trabalho e tratamento de conflitos". Um projeto dessa natureza
deveria ser imediatamente rechaçado pelas entidades sindicais, mas, segundo a
justificativa que está no corpo da proposta "o projeto resulta de três anos de
negociação com entidades como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a Confederação
Nacional dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (Condsef) e a Confederação
dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (Confetam), além de
representantes do Ministério do Planejamento, durante o segundo governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva". Ora, isso significa que entidades de
trabalhadores, junto com o governo constituíram essa peça que é uma grave
interferência na auto-organização dos trabalhadores uma vez que se faz em
parceria com o patrão, no caso, o Estado.
Alguém pode
dizer que o estado não é o capital, mas se pensar bem vai ver que sim, é. No
estado capitalista, o estado é representação do capital e é com o capital que os
trabalhadores disputam as verbas que vão prover a sua existência. Um exemplo
claro disso pode ser visto nas negociações por salário. O governo nega recursos
aos trabalhadores, mas nunca se nega a pagar os juros da dívida. Nesse embate, é
a luta contra o capital.
Diz a lei,
no seu artigo primeiro, que o seu objetivo é regulamentar o tratamento dos
conflitos entre os servidores público e o estado e definir diretrizes para a
negociação. Afirma que a livre associação é garantida assim como o direito de
greve, mas estabelece que a negociação entre trabalhadores e governo deverá se
dar dentro dos parâmetros da negociação permanente. Ou seja, apenas busca
regulamentar o que já existe. Desde o primeiro governo Lula que esse expediente
é usado. E ele significa exatamente o que quer dizer: negociação permanente, que
permanece, que não avança.
Pois no
artigo 5, do primeiro capítulo, já aparece a primeira pérola: "o direito de
greve do servidor público submeter-se-á a juízo de proporcionalidade e
razoabilidade". Ora, o que é isso? razoabilidade? Quem define o que é razoável?
O governo? E se o que for razoável para os trabalhadores - como um arrocho
salarial - não o for para o governo?
Depois, o
segundo capítulo, vem uma série de questões que definem como será a vida dos
trabalhadores: direito a livre associação, proteção enquanto estiver em mandato
sindical, direito de afastamento para mandato sindical ( o que hoje não
ocorre), dispensa de ponto para os que participam das mesas de negociação,
direito a divulgação do movimento grevista (sic) e direito a arrecadação de
fundo de greve.
O capítulo
terceiro trata das regras para a negociação. Estabelece que ela se dará pelas
Mesas de Negociação Permanente, uma prática que já existe e que só beneficia o
governo. na verdade, nessas mesas, não há negociação e sim a imposição daquilo
que o governo quer. A prática tem sido a da "enrolação permanente", só
terminando quando o governo chega onde quer.
O capítulo
quarto regulamenta o direito de greve. Caracteriza o que é a greve, como
suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, dos serviços.
Define, no parágrafo 2 do artigo 18, que são assegurados aos grevista o emprego
de meios pacíficos para persuadir os colegas a aderir a greve. No artigo 18 fica
bem claro que o direito á greve deverá ser submetido a juízo de
"proporcionalidade e razoabilidade", mas não explicita o que isso significa.
Joga para uma possível autorregulamentação a ser feita pelas entidades
sindicais, mas que deverá passar pelo crivo do Observatório das Relações de
Trabalho no Serviço Público, uma nova entidade que será criada, com
representação de 50% do governo e 50% das entidades sindicais. Ou seja, mais uma
estrutura, mais cargos, mais cooptação.
Agora, em
2013, esse projeto já poderá ser votado e se constituirá numa ferramenta
importante para a administração no sentido do controle total dos movimentos
trabalhistas. Como conta com o aceite e o apoio das maiores centrais sindicais
brasileiras a sua aprovação pode acontecer sem maiores conflitos.
Daí a
importância da divulgação desse tipo de projeto para que os trabalhadores
conheçam seu teor e não permitam que uma burocracia sindical, muitas vezes
cooptada pelos longos braços do poder, decida por todos. Esse projeto deve ser
conhecido e debatido, com todas as suas nuances desveladas, para que os
trabalhadores decidam autonomamente sobre se é isso mesmo que querem. Se não é
uma tremenda contradição regulamentar, na lei burguesa, como devem se organizar
para travar a luta contra os interesses do capital. É obvio que quando há um
conflito aberto com o capital, como é o caso de uma greve, sempre é necessário
abrir um canal de negociação. Mas isso deveria ser feito caso a caso, conforme o
andar do próprio movimento. Não tem cabimento haver uma lei que determine como
devem ser feitas as negociações, como se todo conflito fosse igual.
A luta de
classe é a base do sistema capitalista, o conflito é permanente porque a riqueza
está sempre acumulada nas mãos da classe dominante. Não cabe aos que dominam
dizer aos trabalhadores como lutar contra eles. essa é uma decisão autônoma
daqueles que vendem sua força de trabalho. Aceitar essa lei é ficar atrelado aos
desejos do estado. E, esse estado que aí está - não importa quem seja o
governante - é o estado capitalista/dependente. Isso significa que estará sempre
defendendo os interesses do capital. Logo, é um contrassenso aceitar um projeto
dessa natureza.
Aos
sindicatos cabe chamar discussões e debater profundamente. Não é possível que as
Centrais estejam negociando sem que a maioria dos trabalhadores saiba o que, de
fato, está em jogo.
Conheça a lei, na íntegra:
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