segunda-feira, 26 de abril de 2010

Muito pouco...

Por Jussara Godoi


Estivemos, eu e meu companheiro, em Cacique Doble, um lugarzinho lá no norte do Rio Grande do Sul, com pouco mais de 3.000 habitantes. Paramos em um armazém para comprar alguns mantimentos, enquanto aguardávamos um amigo que viria ao nosso encontro e nos levaria até o sítio onde passaríamos o natal. Paramos do lado de fora do armazém para olhar a cidade, que já estava enfeitada com motivos natalinos. Então um senhor muito simpático, devia ter seus 70 anos, começou a conversar conosco. Perguntou de onde éramos, o que estávamos fazendo ali etc. E pela forma tranqüila com que falava, podia-se perceber que era um "costume" daquele lugar as pessoas pararem para conversar, mesmo que fosse com um desconhecido. Diferentemente dos grandes centros urbanos, em que ninguém tem tempo para olhar para o lado, tempo ali não era problema.

Eu imediatamente simpatizei com o morador, mas confesso que se perguntei o seu nome (meio estilo Umberto Eco, o nome da Rosa!?), não me lembro! Lévis Strauss também não precisa se mexer no túmulo, pois jamais serei uma etnóloga. Pois bem, a minha primeira curiosidade foi em relação ao nome do lugar, já que não é comum os índios receberem homenagem, dando nome às cidades, em nossa cultura. Perguntei-lhe se a maioria da população do lugar era indígena, e ele me respondeu calmamente, olhando para a rua: “`Muito pouco´, os índios quase não vem pra cidade..." Então tornei a perguntar: E eles vivem onde?

- Eles têm terra aqui... mas "muito pouco", alguns trabalham aqui... mas "muito pouco". Eles fazem artesanato pra vender, mas "muito pouco".

E a cada pergunta que eu fazia, ele respondia sempre pausadamente com o "muito pouco...". Mas foi possível ver a população indígena circulando pelo lugar enquanto estávamos ali.

Nosso amigo chegou, nos despedimos do morador e fomos para o sítio do seu Onélsimo. Quando chegamos ao nosso destino, novamente fiquei maravilhada. Não só pela emoção de voltar às minhas origens, mas por saber que em algum lugar deste mundo maluco existem pessoas reais, com idéias maravilhosas! Na entrada do sítio, havia uma placa que advertia: “Se você está precisando descansar, precisa de cuidados com a sua saúde, venha prá cá, aqui vc poderá descansar, pescar e não precisa PAGAR NADA”.

Eu mal conseguia acreditar no que estava lendo. Que lugar do mundo e, em especial, do CAPITALISTA, um ser humano poderia encontrar um lugar para descansar e cuidar da sua saúde sem precisar pagar nada?! Meu companheiro também nunca havia estado ali, foi a convite do amigo, cujos parentes eram os proprietários do lugar. Achamos tão simpática aquela placa que já nos sentimos bem recebidos.

Passamos uma semana junto com aquelas pessoas, que nunca tínhamos visto na vida, e parecia que já nos conhecíamos há anos! Nesses momentos é que a gente percebe que se quiséssemos TODOS, uma outra forma de organização social seria viável. E não é preciso abdicar de tudo, como pensam os defensores ferrenhos do capitalismo, já mumificados pelo tempo ou pela falta dele! A tecnologia, por exemplo, poderia trabalhar a nosso favor e não contra, como hoje acontece. Todos vivem a correr contra o tempo. Lá no sítio, o que menos importava a todos eram as horas. O dono do sítio tem hoje 89 anos e conta que nunca tomou remédio na vida. Obviamente que agora vive sob os cuidados do filho e da nora, mas por causa da fragilidade inerente ao ser humano. E eu fiquei me perguntando: Por que, nas grandes cidades, o tempo é nosso inimigo?

Em Florianópolis, apesar de estar longe de ser uma grande metrópole, as pessoas nunca têm tempo pra nada. Eu que adoro tomar café e andar pelo centro da cidade sem nada pra fazer, e encontro poucas amigas dispostas a fazer isto. A maioria diz não ter tempo! Se perguntássemos ao morador da pequena cidade de Cacique Doble o porquê disso, ele responderia: Eles vivem "muito pouco".

Um comentário:

elaine tavares disse...

ei minha amiga de caminhadas e sonhos.. ainda que bem que se algum dia, alguém nos perguntar: E vocês, deixaram de viver belezas e alegrias por medo ou por terem coisa mais importantes para fazer? a gente vai poder responder sem medo: "muito pouco"...
te amo!!!