Sempre foi conflituosa a relação entre direções e trabalhadores de sindicatos. No mais das vezes a tendência é contratar pessoas que estão mais afinadas com o posicionamento político das direções de plantão. O que é ruim para o trabalhador, porque ele sempre estará na corda bamba, esperando que a direção se perpetue para não perder o emprego. E também é ruim para os dirigentes que, sendo de outras tendências políticas, se deparam com pessoas da confiança da chapa anterior no coração da entidade. Esse é um conflito vivido cotidianamente por dirigentes e trabalhadores.
Alguns sindicatos maiores, que têm estrutura grande e empregam mais pessoas, encontram saídas para esse problema realizando concursos, o que parece mais democrático. Mas, mesmo assim, como o trabalho de sindicato é diferenciado, é comum que os trabalhadores se afinem com uma ou outra direção. Logo, é preciso muita habilidade para lidar com todos os problemas que surgem. Não é fácil. Mas, também não é difícil. Ainda assim, não é raro acontecer denúncias de assédio moral, assédio sexual e violências contra trabalhadores de sindicatos por parte de sindicalistas. Em Santa Catarina muitos casos com esse teor foram denunciados e é sempre muito doloroso, porque é como cortar a própria carne, já que todos fazem parte da classe trabalhadora e acusar um dirigente sindical gera sempre um drama na cabeça do trabalhador, que ultrapassa o próprio drama vivido.
Essa semana a cidade de Florianópolis viveu um caso que se enquadra dentro desse contexto. O Sindicato dos Bancários demitiu uma jornalista, com 12 anos de casa, sem estabelecer uma justa causa. Considerando que a jornalista, Janice Miranda, é uma trabalhadora lesionada com diagnóstico de LER/DORT já há alguns anos, e que sua demissão não se enquadra em nenhuma das justificativas acordadas na cláusula 35 do acordo vigente entre os sindicatos e o Sindicato dos Trabalhadores em Entidades Sindicais (SINDES), a entidade que a representa decidiu dialogar com o Sindicato dos Bancários, sem sucesso. Na falta de diálogo, e não concordando com a demissão fora do acordado, o SINDES decidiu chamar um ato de protesto para o dia que foi proposto para homologar a demissão.
O ato aconteceu nessa segunda-feira, dia 11 de julho, com a participação de trabalhadores em sindicatos e jornalistas que foram se solidarizar com a colega. Para surpresa de todos, o Sindicato dos Bancários promoveu um contra-ato. Com uma Combi de som, a diretoria buscava abafar o discurso que se fazia em uma pequena caixinha de som, pelo SINDES, em defesa de Janice. A cena era surreal. De um lado da calçada, os trabalhadores de sindicatos, bem como a jornalista demitida. Do outro lado, os dirigentes do Sindicato dos Bancários falando sobre o fora Temer e discursando contra as terceirizações no setor bancário. De costas para os manifestantes, os dirigentes dos bancários falavam para eles mesmos fazendo alusões de que os que estavam do outro lado da rua estavam tentando desestabilizar a luta da classe trabalhadora. Uma cena triste e patética.
Num determinado momento, duas viaturas da Polícia Militar passaram pela rua e pararam. Não se sabe se foram chamadas pelos bancários ou não. O fato é que os policiais vieram e ordenaram que não se usasse mais a caixa de som. Os trabalhadores que se manifestavam disseram que desligariam desde que os dirigentes bancários também deixassem de usar a Combi de som. E assim foi.
Ainda assim o protesto dos trabalhadores não esmoreceu e todos se dirigiram para a outra rua, na segunda entrada do Sindicato dos Bancários, e ali ficariam até às três horas da tarde, horário marcado para a homologação da demissão. E, de novo, enfrentaram a Combi dos dirigentes, falando em “defesa do trabalhador”. O SINDES emitiu um documento, o qual foi entregue ao Sindicato dos Bancários, recusando-se a participar da homologação. Segundo o SINDES, o sindicato reconhecia a doença de Janice desde 2006, uma LER/DORT, e deliberadamente se omitiu de registrar a reabertura de uma Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), depois que a jornalista voltou de mais uma licença médica.
Para os colegas que participaram do ato em defesa da jornalista Janice Miranda, a posição do Sindicato dos Bancários foi autoritária e imoral, já que se trata de uma trabalhadora adoecida pelo trabalho que desenvolve. “O sindicato pode demitir, é lógico. Mas, precisa ter uma prática diferenciada, já que também defende trabalhadores. Tinha que ter discutido com a trabalhadora, ter conversado com o SINDES, estabelecido um diálogo franco”.
Mas, não foi o que aconteceu, daí a proposta de ato que foi acolhida por grande número de trabalhadores em sindicato.
A direção do Sindicato dos Bancários emitiu uma nota, na qual argumenta que a demissão da jornalista foi um ato administrativo da direção visando o “aprimoramento das relações de trabalho e atendimento à necessidade de adequação do quadro funcional”. Também diz que foi feita a avaliação médica e que essa garante ser a doença da jornalista uma “doença comum”. Também informa a nota que o sindicato pode demitir sem justa causa, conforme o artigo 32 do acordo coletivo de trabalho. A nota fala sobre os investimentos feitos pelo sindicato na saúde do trabalhador e repudia a ação do SINDES, e considera “as declarações inverídicas, oportunistas e desmedidas”, por parte do SINDES.
O fato é que a trabalhadora em questão tem LER/DORT reconhecida e diagnosticada desde 2006. Para quem não sabe, essa é uma lesão por esforço repetitivo, adquirida por conta do tipo de trabalho, no caso do jornalista, a digitação. E é fato também que o sistema capitalista de produção não está nem aí para as doenças que provoca no trabalhador. Quando ele não serve mais, joga-se fora e contrata-se outro. Esperava-se que num sindicato de trabalhadores as relações de trabalho fossem menos impessoais e vorazes. Afinal, todos estão submetidos ao mesmo chicote da produção. Mas, essa é uma relação que precisa de muito diálogo, de superação de divergências pessoais e de maturidade política.
A luta dos trabalhadores – como classe explorada – não é coisa fácil, ainda mais quando tem de travar lutas intra-classe, fragilizando e fragmentando ainda mais uma luta que deveria ser coletiva e unificada.
Nesse caso, quem se delicia é o capital.
Já a dor da Janice só pode ser narrada por nós, trabalhadores, e no, abraço fraterno, encontrar solidariedade. A perplexidade que fica não esmorece a luta por um sindicalismo generoso com seus trabalhadores e diferenciado no trato da demissão.
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