segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Um sítio encantado



Por Jussara Godoi

Encontrei D. Quixote de La Mancha! Ele vive bem aqui pertinho. Com apenas seis horas de viagem podemos desfrutar de momentos agradáveis, junto a ele e sua amada Dulcinéia. "Neni" e "Nesta", como preferem ser chamados, assim como o personagem de Cervantes, vivem felizes a inventar histórias como a "seita do TCHUM", criada e contada com tantos detalhes que o ouvinte jamais desconfiaria que tal "história" só existe em suas mentes.

O lugar onde vivem herdaram dos pais de Neni, que ainda moram com eles. O pai, com 91 anos, e a mãe de 83, ambos com muita saúde e disposição. Neni é o filho mais velho, nunca estudou e viveu sempre no sítio. Casou-se com Ernestina, com quem teve cinco filhos. Quando os filhos cresceram ele deu um conselho: "se vocês quiserem estudar, vão à busca, pois eu não possuo dinheiro para ajudá-los, mas prometo ficar aqui e transformar esse sítio num lugar bom. Assim vocês sempre podem vir me visitar". Os filhos foram embora, estudaram e permaneceram na cidade. Agora, sempre que podem, visitam o pai, que cumpriu sua promessa. Neni se transformou num ambientalista convicto e, apesar de não ter estudo formal, pratica no lugar o método defendido pelo educador Paulo Freire, nem sempre aplicado nas escolas, que é o de aprender a partir do seu local e da sua realidade.

Neni procurou a escola do Município para oferecer aos alunos a oportunidade de ver, na prática, a importância da preservação da natureza e do meio ambiente. E os alunos vêm até ele para "conferir" o resultado do aprendizado em longas caminhadas de conhecimento. Neni não se cansa de falar e de ensinar sobre como fez do seu sítio um lugar para acolher pessoas. Mas não qualquer uma: "aqui só entra quem tem espírito solidário".

Lá no sítio não precisa pagar nada, é chegar e aproveitar, enquanto está lá dentro, de tudo o que o sítio possui, a água, os espaços, as frutas. Mas tem regras claras: é preciso sempre trazer uma pessoa doente, ou velhinha, ou deficiente, para que possa também ter o direito de usufruir. É que, segundo Neni, muita gente não gosta da companhia dos velhos ou dos doentes, preferem sair sozinhos e deixá-los em casa. Ele não acha isso bom.

As instalações são preparadas dentro das condições que o sítio oferece: tem muita água, muito verde, muita fruta e uma cabana, que pode abrigar até umas oito pessoas. Mas dificilmente tem só esse número, pois muitos vão com barracas ou então ficam só durante o dia. Difícil é ir embora.

Cada vez que visitamos esse casal ficamos mais encantados com a simplicidade e a maneira com que os dois encaram a vida. Nesta está sempre a cuidar dos bichinhos, dos idosos, dos que precisam. "Eu sempre gostei de ajudar as pessoas", diz, sorrindo, com seus olhinhos verdes brilhando. Ele passa o dia a plantar e cuidar da água que existe em abundância, fazendo nascer a ideia de construir as piscinas e os açudes. E não é que mesmo com as secas, que ocorrem por lá de vez em quando, Neni nunca ficou sem água.

Já estiveram por lá os representantes de órgãos públicos, para persuadi-lo a pegar algum dinheiro e investir no lugar. Ofertas estas sempre recusadas. "Se eu pegar dinheiro público então todas as pessoas poderão usar o local, já que é do público. Mas não é esse o meu objetivo, pois aqui eu faço tudo quando eu quero, do jeito que eu quero". E tema mais: "eu não preciso de dinheiro, dinheiro só traz problema, vivo bem, com o que tenho aqui".

Todos os dias ele repete, sentado em volta de um fogão de lenha, ou da lareira que ele mesmo construiu: "Como a vida é boa! Para que vida melhor do que esta?". Realmente, viver longe das neuroses das cidades, respirando muito ar puro, se alimentando de forma saudável, sem uso de nenhum tipo de agrotóxico, na terra própria, é coisa que não tem preço. E não adianta alguém oferecer dinheiro para que ele construa com mais “rapidez” as instalações de uso comum. Ele não aceita. Prefere fazer tudo aos poucos, conforme pode.

As leituras que faz são somente da Bíblia, apesar de não seguir nenhuma religião. É daí que ele tira as suas conclusões sobre como viver em paz. Gosta de ficar horas "proseando" com os convidados sobre a vida, sobre o mundo, sobre as pessoas. É "quase" um filósofo! Pode chegar lá qualquer hora do dia ou da noite, que ele recebe com uma gargalhada, como se o aguardasse há muito tempo. Esta é mais uma de suas qualidades.

Lá não se tem hora para nada, em qualquer tempo se prepara uma boa refeição e se reparte com os "outros seres" do lugar: cachorro, pato, gato, cabrito, etc... De vez em quando ele faz uma brincadeira. “Diga lá para os pastores que falam para o povo que quando a gente morrer vai viver no paraíso, entre os bichos, que aqui nós já fazemos isso".

Ele tampouco importa ao "desconfiar" que suas galinhas estão sumindo, e sabe muito bem que o dono da venda recebe muitas delas em troca de "pinga". Obra de um bêbado da região, que dorme na igreja ao lado do sítio. "O coitado precisa e pra mim não faz falta", diz ele. E o Sancho Pança, seu fiel escudeiro, onde está?? Bem, Sancho somos todos nós que o visitamos e ficamos maravilhados ao ouvir suas histórias, seus sonhos e suas risadas.

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