UPA do Continente também será entregue à privatização
No ano passado a prefeitura de Florianópolis anunciou que iria entregar o
almoxarifado para a iniciativa privada. A intenção era se livrar do trabalho de
logística de materiais dos nove almoxarifados que a administração municipal
possuía, seis deles em imóveis alugados, gerando um total de despesa de quase
quatro milhões de reais ao ano, somando vigilância, pessoal, luz, água,
suprimentos e equipamentos.
Então a prefeitura contratou a Prime Log Distribuidora
Eireli - EPplP, através de licitação, tipo concorrência pública, com a finalidade
de terceirizar o serviço de armazenamento e distribuição de produtos
necessários para a realização dos serviços públicos a todos os órgãos da
Prefeitura.Segundo o prefeito isso iria
gerar uma economia de mais de 35%.
Naqueles dias o Sindicato dos Trabalhadores da Prefeitura já
informava à comunidade sobre os riscos de se colocar na mão da iniciativa
privada um serviço como esse. Num informe, em novembro de 2017, o sindicato
alerta: “Por 14 milhões de reais 4
milhões de reais, a licitação dos almoxarifados está em processo de habilitação
e a previsão é que até início do ano de 2018, uma empresa privada seja a
responsável por toda a logística e cuidado com os produtos comprados com verbas
públicas. O descaso dos prefeitos com o investimento e cuidado dos
almoxarifados não é novidade em nenhuma administração. Há anos que a logística
de armazenamento dos materiais usados pelas secretárias, não é tratada com o
seu devido cuidado e importância. O que era um problema crônico de desinteresse
dos prefeitos e descaso com o serviço público, agora vai para as mãos da iniciativa
privada, seguindo a lógica de privatização, em que um serviço é sucateado e
depois "vendido" para empresas terceirizadas”.
Mesmo com a ação do sindicato o processo seguiu, sem que
fosse questionado, sempre com o velho refrão de que “traria economia e
benefícios”.
Na semana passada, por conta de uma denúncia que chegou via
Câmara de Vereadores, a Vigilância Sanitária visitou o espaço onde passou a
funcionar o almoxarifado privatizado e constatou uma série de irregularidades
no armazenamento e na distribuição. A empresa não tinha autorização da Anvisa
para armazenar medicamentos e muito menos a licença municipal para
funcionamento.
Só no campo da saúde o resultado é dramático: o estoque de
insulina, que é um medicamento vital para diabéticos estava totalmente fora dos
padrões e foi imediatamente interditado. “Dados obtidos pelo Sintrasem mostram
que cerca de 3.935 frascos de insulina foram distribuídos só em janeiro na rede
pública de saúde de Florianópolis. Centenas de pessoas devem ser prejudicadas
pela irresponsabilidade da Prefeitura e da terceirização dos almoxarifados
municipais. Um comunicado emitido a todas as unidades de saúde afirma que
providências estão sendo tomadas, mas "isso poderá levar alguns
dias". A situação pode ficar ainda mais complicada, pois nem sequer
autorização da Anvisa ou licença municipal o espaço tem”, denuncia o sindicato.
O diretor administrativo do Sintrasem, Bruno Ziliotto,
acrescenta que o almoxarifado central concentra todos os materiais usados pela
prefeitura, inclusive materiais de limpeza e outros materiais usados nas
escolas, nos postos de saúde, etc. A insulina é só uma ponta. “Quando se
entrega a coisa pública para a iniciativa privada o resultado é previsível. As
empresas estão preocupadas com o lucro, não com o bem estar da comunidade”.
É importante lembrar que o setor de pequenas obras da
educação da prefeitura , responsável pelos reparos nas mais de 100 unidades da
rede municipal de educação, também foi privatizado no ano passado, o que
configura uma tendência da prefeitura em insistir nesse processo de terceirização.
A pergunta que fica é: economizar colocando em risco as pessoas tem algum
sentido?
Não bastasse isso o prefeito Gean, animado com a nova lei
que permite terceirizar qualquer coisa no serviço público, decidiu também
entregar para a iniciativa privada o atendimento da Unidade de Pronto Atendimento
do Continente, que deve ser gerida via Organização Social. Sendo assim os
médicos serão contratados via empresa privada, o que pode redundar em
rotatividade e a completa desvinculação da lógica do médico de família.
O sindicato entende que a experiência da terceirização no
município é clara: não traz economia e não traz nada de bom para a
comunidade. Sendo assim, a prefeitura deveria retomar os serviços garantindo a
qualidade dos mesmos e o bem estar da população. Essa é uma luta que deveria
ser encampada por todos os cidadãos e cidadãs de Florianópolis. Afinal, aquilo que
parece não ter nada a ver com a vida da gente, como a privatização de um
almoxarifado, acaba tendo implicações inimagináveis, como é o caso agora, da
insulina que foi mal acondicionada. E se o remédio não funcionar em quem já
tomou? Quem vai arcar com essa responsabilidade? E quem pode pagar uma vida?
É hora de a comunidade entender bem o que significa entregar
a cidade para a lógica do lucro. Se é a empresa privada que administra, não é o
ser humano que conta. Vejam o que aconteceu em Brumadinho, com a explosão da
barragem. Tudo isso está ligado e quer dizer a mesma coisa: os interesses privados não se ocupam do bem estar geral.
Veja o vídeo com o Diretor do Sintrasem, Bruno Ziliotto.
Foram muitos anos de luta da comunidade LGBTI para garantir o direito de ser num mundo pautado pelo moralismo e a hipocrisia. Não foi fácil. Houve tempo em que a homossexualidade era considerada doença, loucura, e as pessoas eram aprisionadas em hospícios. Também teve o tempo em que era crime. Ser transexual então, era inimaginável. E a pessoa tinha de esconder-se até dos mais íntimos. Foi preciso muita batalha, muita dor, muito sangue derramado para poder emergir, na luz do dia, sem medo. Mas, apesar de todo o avanço da luta dessa comunidade, ainda seguiram incontáveis as mortes, as agressões e toda a sorte de violência contra gays, lésbicas, travestis e trans. O preconceito seguiu latente, mesmo que a discriminação tivesse diminuído. Agora, com o crescimento das forças ultraconservadoras no Brasil e o avanço do fundamentalismo religioso esse é um grupo que está sob fortes ameaças. Na praia do Campeche foram registrados dois casos de agressão a casais homossexuais pelo simples fatos de serem homossexuais. Outras praias da cidade também apresentaram casos parecidos. Agressões verbais e físicas, bem como a expulsão da praia. Por conta disso, o Instituto Acontece Arte e Política LGBTI+, uma entidade que trabalha na defesa dos direitos da comunidade LGBTI , decidiu promover um ato político/recreativo/cultural nas praias onde os casos aconteceram, na tentativa de dialogar com as pessoas, mostrando que cada um tem o direito de ser o que quiser ser e que isso não agride ninguém. A primeira atividade foi nesse domingo, na praia do Campeche. Desde as primeiras horas da tarde ativistas LGBTI foram chegando com suas cadeiras, guarda-sóis e bandeiras coloridas para ocupar o espaço da areia. Com um megafone as pessoas foram trazendo suas falas. Repeliram a violência e reiteraram o direito de estarem em qualquer lugar e poder demostrar carinho como qualquer pessoa. “Floripa é divulgada como uma cidade que é amiga dos gays, mas a gente sente muito o preconceito. Por isso temos de ocupar espaços e garantir a nossa voz. Não estamos aqui para agredir, mas para firmar pé no nosso direito de estar em qualquer lugar”. A comunidade entende que toda ação tem uma reação e por isso vai haver resistência a essa onda de preconceito e violência. “É importante a gente estar junto, para mostrar que estamos unidos e que não vamos deixar os direitos retrocederem”. Durante o ato um homem passou e gritou o nome de Bolsonaro, em clara provocação. O grupo vaiou e respondeu em uníssono: “fora Bolsonaro, fora Bolsonaro”. O homem foi advertido pela polícia que estava no local. O ato teve o apoio da Associação de Moradores do Campeche e do Conselho Local de Saúde que também se mobilizam para garantir segurança e respeito a todos os que frequentam a praia.
Retirada do letreiro do Ministério do Trabalho ocorreu no início de 2019 - Foto: Portal T5
Segunda (21) haverá Atos nas principais
cidades em defesa da JT
Por Míriam Santini de Abreu
Em 1930, Gandhi e seus seguidores caminharam
400 quilômetros em 25 dias contra o domínio do Império Britânico na Índia. Ao
chegar ao litoral, Gandhi apanhou um punhado do sal, produto que os indianos
eram proibidos de extrair de seu próprio país. Um gesto simbólico contra a
opressão. Naquele mesmo ano, no Brasil, o então governo de Getúlio Vargas
criava o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio para fazer o estado gerir
a relação capital-trabalho. Passadas quase nove décadas, o governo do
presidente eleito Jair Bolsonaro abre 2019 com outro gesto simbólico: a
retirada do letreiro que indicava o prédio do Ministério, extinto e dividido em
outros três por uma Medida Provisória assinada no dia 1º de janeiro. E outra
possível extinção se avizinha: a da Justiça do Trabalho.
Na segunda-feira (21), haverá Atos Unificados
em Defesa da Justiça do Trabalho em todos os Estados. Em Florianópolis, a
atividade será às 13 horas, na frente do TRT-SC (rua Esteves Júnior, 395).
Participam a Associação dos Magistrados (Amatra), o Sindicato dos Trabalhadores
no Poder Judiciário Federal no Estado de Santa Catarina (SINTRAJUSC), a Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Catarinense dos Advogados
Trabalhistas (ACAT), o Instituto dos Advogados de Santa Catarina (IASC), a Associação
dos Servidores na Justiça do Trabalho (AJUT) e a Associação Brasileira dos
Advogados Trabalhistas (ABRAT). Também estão confirmadas atividades em Chapecó,
Xanxerê, Imbituba e Itajaí. No dia 5 de fevereiro, haverá Ato Nacional
Unificado no auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados, a partir das 14
horas.
Ataques nos anos 1990
Não são de hoje os ataques à Justiça do
Trabalho. Em 1999, estavam no Congresso Nacional projetos de lei e Propostas de
Emenda Constitucional (PEC), entre elas a PEC 43/97, que dispunham sobre a
extinção da Justiça e do Ministério Público do Trabalho. Pela PEC 43, existiria
apenas uma lei regulamentando a conciliação e o julgamento dos dissídios
individuais e coletivos, que seriam remetidos à Justiça comum.
Passados 20 anos, a pauta voltou à tona.
Entidades de todo o país estão se manifestando em relação às falas do
presidente Jair Bolsonaro no SBT, em
entrevista concedida no dia 3 de janeiro. Nelas, ele afirmou que é preciso
“facilitar a vida de quem produz no Brasil” e que o objetivo é aprofundar mais
ainda a reforma da legislação trabalhista.À pergunta sobre se a Justiça do Trabalho deveria “acabar”, ele criticou
o excesso de processos trabalhistas, afirmou que o Brasil teria mais ações “que
o mundo todo junto” e disse ainda que a ideia de extinguir a Justiça do
Trabalho estaria sendo estudada. Bolsonaro vai encontrar parlamentares
receptivos à proposta. Ainda em 2017, o presidente da Câmara dos Deputados,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao defender a mudança da legislação trabalhista,
reclamou do excesso de regras para a relação entre patrão e empregado e sugeriu
que a Justiça do Trabalho “não deveria nem existir”.
Além dos Atos já marcados, as entidades
envolvidas estão fazendo campanha virtual porque muitas mentiras e
desinformação estão circulando nas redes sociais sobre a Justiça do Trabalho. O
Coleprecor (Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do
Trabalho) está à frente da campanha “8 Fake News sobre a Justiça do Trabalho”.
Uma das mentiras mais difundidas é que Justiça do Trabalho não existe em países
desenvolvidos. Mas Inglaterra, Nova Zelândia, Alemanha, Austrália e Suécia são
exemplos de países que têm tribunais especializados em Direito do Trabalho. Na
Alemanha, há uma Justiça do Trabalho com plena autonomia e um corpo próprio de
magistrados, do 1º grau ao tribunal superior, tal qual no Brasil.
Clichês e senso comum
Os discursos que atacam a Justiça do
Trabalho, especialmente na mídia e por parte de políticos, se baseiam em
clichês e no senso comum, sem dados concretos, e deixam de lado, por exemplo, o
fato de ela existir por previsão constitucional, não podendo simplesmente
“acabar”, como afirmam os grandes meios de comunicação. Mas é possível afirmar
que há formas mais sutis de “acabar” com a Justiça do Trabalho, minar sua
capacidade de atuação.
A juíza do trabalho Ângela Konrath, do Fórum
Trabalhista de Florianópolis, aponta, neste sentido, os cortes orçamentários
que essa justiça especializada vem sofrendo ao longo do tempo, a não renovação
do quadro de servidores, com a supressão de vagas dos que se aposentam, o aprofundamento
da terceirização de serviços como os de tecnologia da informação. A JT, afirma
ela, está atuando com metas quantitativas que aceleram o ritmo do trabalho, mas
necessariamente não alcançam o primor na qualidade das decisões.
Na realidade, diz Konrath, não é um ato que
extingue um ramo do poder ou um ministério. Isso é arquitetado gradativamente
até a chancela final, como ocorreu com o Ministério do Trabalho: “A extinção do
Ministério vem num desfecho de não aparelhamento deste órgão: sem concurso
desde 2013 e com déficit de 1.300 vagas para auditores, sem falar no número
absurdo de déficit de servidores”.
Nos últimos 20 anos, diz a juíza, a JT sempre
teve um papel importante nas relações entre capital e trabalho, seja numa
perspectiva progressista, de afirmação dos direitos sociais trabalhistas,
primando pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores, seja no sentido
conservador, de legitimar política e culturalmente a manutenção do sistema, do status quo de um modelo de gestão em que
o lucro de alguns vem da apropriação do resultado do trabalho de muitos e em
que predomina o velho jargão de que “manda quem pode e obedece quem tem juízo”.
Mas, avalia Konrath, a Emenda Constitucional
45, de 2004, trouxe alterações importantes que impactaram de forma positiva a
afirmação de direitos civis e políticos ao trabalhador inserido numa relação
básica de trabalho. Com a ampliação da competência da JT, temas antes
esquecidos começaram a despontar nos processos, como as questões atinentes à
vida privada e intimidade dos trabalhadores, as lides acidentárias na busca de
reparação de lesões sofridas no trabalho, as não discriminações. “Isso tudo
passou a fazer parte do cotidiano juslaboral, possibilitando que o trabalhador
acessasse ao Judiciário Trabalhista temas pertinentes à sua condição de pessoa
e não apenas restritos aos direitos sociais básicos como são jornada e férias”,
afirma a juíza.
Além disso, o reconhecimento jurídico da
substituição processual plena pelos Sindicatos viabilizou o acesso do
trabalhador à JT via “ação sem rosto”, ajuizada pelas entidades sindicais em
prol de toda a categoria. A jurisprudência da JT também conseguiu afirmar
alguns ícones, como a estabilidade da gestante, que relaciona os direitos do
nascituro com o trabalho da mulher. “Por ser uma Justiça em que o acesso era
indiscutivelmente facilitado pela gratuidade alcançada aos que não pudessem
arcar com os custos do processo, as causas traziam os temas suscitados pelos
trabalhadores, possibilitando a abertura de discussão sobre uma vasta temática
e, assim, corrigindo eventuais lesões, inclusive em sentido inibitório pela
coletivização das demandas”, afirma Konrath. Se as causas não chegam à JT, acrescenta
ela, não há chance de discuti-las e as relações ficam oprimidas, não são
arejadas pelo novo.
Isso mudou com a reforma trabalhista, que
afeta a Justiça do Trabalho, a fragiliza e prepara o cenário para os recentes
ataques. Konrath afirma que a reforma feriu de morte a estrutura dos direitos
sociais trabalhistas e implicou verdadeiro cerceio ao direito de ação ao impor
ao trabalhador o chamado ônus da sucumbência. Se validada esta alteração pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), o acesso à Justiça será impedido, pois quem sequer tem
dinheiro para as custas (2% do valor da causa) não poderá arcar com o ônus da
sucumbência (2% de custas + até 15% de honorários do advogado + honorários
periciais). “Considero esta a pior alteração, junto com a tarifação do dano
moral”, diz a juíza.
A servidora aposentada do Sintrajusc e
ex-coordenadora do Sintrajusc Denise Zavarize afirma que os ataques à JT
ocorrem em contexto de precarização e transformação das relações de trabalho, como
a reforma trabalhista e a adoção de novas tecnologias como o Uber. “O Uber é um
exemplo de como a pessoa pode ficar isolada, crer que não está na condição de
trabalhadora, e sim na de patrão de si própria, mas continuar sendo explorada”,
explica.
Ela avalia que a JT não é nem será
revolucionária, porque seu papel tem a ver com colocar “panos quentes” na luta
de classe. Ainda assim, no atual cenário, essa justiça especializada atua no
sentido de criar condições mínimas nas relações de trabalho, dar um freio na
exploração sem limites, abrindo possibilidades para as pessoas terem o
necessário para buscar outras perspectivas, se organizar, avançar na construção
de outro modo de viver e constituir relações.
Desinformação nas redes sociais
Entre as muitas informações distorcidas que circulam
nas redes sociais, aparece a afirmação de que a Justiça do Trabalho custa muito.
Segundo o relatório Justiça em Números
do CNJ, a JT custa cerca de R$ 88,00 por ano por habitante, menos da metade do
que custa a justiça comum, cuja extinção ninguém está propondo. “O valor é
significativamente baixo, sobretudo se considerarmos os direitos que são por
meio dela garantidos e o fato de que a Justiça do Trabalho arrecadou para os
cofres públicos quase três milhões e setecentos mil reais em 2017”, responde a
Associação Juízes para a Democracia (AJD), em dossiê feito para esclarecer a
população.
O dossiê mostra que a redução de direitos
trabalhistas e o impedimento de acesso dos trabalhadores à JT não beneficiou a
economia, não diminuiu o desemprego, ampliou a informalidade, majorou o
sofrimento no trabalho e o número de acidentes, provocando maior custo social,
e, com isso, reduziu a arrecadação tributária e previdenciária, ampliou o
déficit da Previdência e o déficit público em geral. O juiz Jorge Luiz Souto
Maior, em artigo sobre a possibilidade de extinção da JT, alerta que, mesmo inexistindo, por enquanto, uma proposta concreta
nesse sentido, não deve ter sido mera coincidência o aparecimento do tema logo
na primeira entrevista, em rede nacional aberta, do Presidente da República.
O repórter da Pobres e Nojentas, Rubens Lopes, entrevista o fotógrafo/jornalista Rogério Ferrari que tem dedicado sua vida a retratar as vidas que resistem ao capital. Ele fala sobre sua proposta de vida e também sobre seu mais recente trabalho que mostra os povos indígenas.
Passavam alguns minutos das duas e meia da tarde quando as mulheres começaram a chegar. Carregavam uma mesa e várias sacolas. O vento forte de uma tarde emburrada dificultava um pouco a montagem da pequena banca, mas as mulheres seguiam tranquilas com seu fazer. Apenas haviam armado a mesinha quando uma senhora já se aproximou:
- O que é que tem aí do Lula Livre, pelo amor de deus?
Imediatamente os cartões de natal começaram a aparecer. É uma campanha que o grupo está fazendo para enviar cartão para o Lula, que está preso em Curitiba.
A senhora estava acompanha de três filhas, que se sentaram em frente à mesa, também escolhendo cartões, e logo já se estabeleceu um diálogo acalorado de defesa do Lula. “Não vamos deixar o pobrezinho sozinho no Natal”. Enquanto algumas das mulheres atendiam as pessoas na mesa dos cartões, outras iam ajeitando uma grande faixa na escadaria da Catedral, com os dizeres: Lula Livre. O ritual da quinta-feira estava completo. Elas ficariam ali pela tarde afora, até o anoitecer, e durante todo esse tempo a movimentação sempre é grande. Todo o tempo tem alguém que para e quem não para, espia, curioso.
Lucilene Silva é empregada doméstica e trabalha numa casa no centro. Ela vinha apressada, mas quando viu a junção de gente, parou. Ficou olhando de longe até que uma das mulheres se aproximou:
- Quer mandar um cartão para o Lula?
O rosto de Lucilene se iluminou e ela se chegou na mesa, a escolher.
- Eu não entendo como pode um homem como o Lula tá preso. Ele fez tanto por nós. Sinto uma pena dele lá.
A banquinha da quinta-feira em frente à Catedral não é uma coisa de agora. A ideia de uma ação permanente na rua surgiu ainda em 2016 quando se iniciou o processo de golpe contra a presidenta Dilma Roussef. Naqueles dias foi chamada de tenda da democracia. Uma vez por semana a tenda era armada para que a militância petista pudesse dialogar com a população sobre o que estava acontecendo no país. Como os acontecimentos foram se sucedendo, o grupo decidiu permanecer com a tenda, que saiu da Alfândega para a Praça XV.
“Esse é um momento muito difícil para o país. Nós não podemos sair da rua. Temos de conversar com as pessoas, temos de manter viva a chama da democracia. Veja o exemplo da avós e mães dos desaparecidos na Argentina. Elas saem todas as quintas, aconteça o que acontecer. Nós também faremos isso”, insistem.
Uma das mulheres que batem o ponto toda quinta-feira é Suzana Lucrécia Gava. Ela nasceu em Nova Veneza, no interior do estado, e desde bem pequena já era interessada por política. A família era ligada ao velho MDB, mas ela mesma só foi se envolver com movimentos e lutas quando entrou para a faculdade de Psicologia, na UFSC. Era 1979 e o Brasil viva os grandes movimentos de trabalhadores. Tudo aquilo repercutia na universidade e ela naturalmente foi se envolvendo com as lutas estudantis, chegando a participar de um dos primeiros congressos da UNE.
Com a efervescência das lutas sindicais ela não teve dúvidas em se filiar ao Partido dos Trabalhadores logo que ele foi criado. No mesmo período fez concurso para a Caixa e passou, tornando-se bancária e logo se filiando também ao sindicato. Sua militância fortaleceu no movimento dos trabalhadores e ela chegou a dirigir a Associação da Caixa, bem como participar da direção do sindicato dos bancários. Durante esse tempo foi participante ativa do partido.
Mas, uma tendinite crônica fez com que arriscasse outros vôos, fora da Caixa. Entrou no programa de demissão voluntária e foi para a Inglaterra, buscando trabalhar na sua área de formação, a Psicologia. E, mesmo lá, seguiu ativa, trabalhando nas campanhas petistas sempre que possível. Quando Lula finalmente se elegeu presidente ela estava em Londres e pode acompanhar o orgulho que era ouvir sobre ele nos circuitos da capital inglesa. “Só falavam bem dele, era um orgulho”.
Quando aconteceu o golpe contra Dilma em 2016 ela entendeu que era hora de voltar. Retornou para Florianópolis e desde aí tem participado de todas as atividades promovidas pelo partido, desde a defesa da Dilma, até agora todo esse trabalho em prol da liberdade do Lula. Pessoalmente ela teria preferido que Lula não tivesse confiado na Justiça brasileira. Pensa que ele deveria ter pedido asilo, e não passar por tudo o que está passando. “Eu imaginava que era muito grande o que estava por trás, que não iriam deixar ele livre. Mas, respeitei a decisão dele. Ele sempre foi uma cara íntegro, por isso confiou no judiciário. Agora, creio que vai ficar muito tempo preso, a menos que haja uma rebelião. Mas nós não o abandonaremos”.
Margarete Sandrini é outra que parece incansável na tarde ventosa. Carrega caixas, ajeita os cartões, fala ao telefone, conversa com os passantes, se desdobra em mil. “Ela coordena tudo aqui”, dizem as outras. Seu jeito decidido vem das tantas lutas sindicais que já travou. Nascida em Braço do Norte, no interior do estado, ela confessa, entre risos, que quando mais jovem era “meio de direita”. Seguindo carreira no magistério estadual ela trabalhava em São Lourenço do Oeste e, naqueles dias, como professora, estava mais para a burguesia que para os trabalhadores.
Mas, a vinda para a capital, para fazer pós-graduação, mudou o sentido da vida. Na universidade foi tomando contato com as lutas sociais que se expressavam no campus e acabou militando no sindicato dos professores, aonde mais tarde chegou à coordenação. Quando decidiu filiar-se ao PT entrou para a tendência Convergência Socialista, que inclusive depois saiu do Partido dos Trabalhadores, indo formar o PSTU. “Foi um tempo muito rico pra mim. Aprendi muito com os companheiros do PSTU”.
Margarete voltou ao PT e nessa militância encontrou o padre Vilson Groh, que tem um trabalho importantíssimo nos morros da capital. Com ele, passou a atuar também nesse campo, da luta comunitária, com jovens de periferia. Por conta desse trabalho foi chamada para ser diretora do São Lucas, espaço que abrigava menores infratores, administrado pelo grupo do padre Vilson. Foi mais um aprendizado de luta.
Quando em 2016 aconteceu o golpe contra Dilma ela já estava aposentada e havia decidido viajar pelo mundo. Mas, entendeu que era preciso fazer alguma coisa e voltou para as trincheiras da luta. Começou a participar das atividades da tenda da democracia e logo já estava organizando as caravanas que iam à Brasília e os atos de apoio à presidenta. Depois, quando começou o ataque contra Lula ela deu ainda mais de si. “Eu vi que o Lula ia ser preso, e que a gente teria muito trabalho pela frente. Então, a Lelê me chamou e eu vim”. Sua tarefa era a de arrecadar recursos para as caravanas. “Iniciei uma campanha bem simples. Eu dizia: se tu não podes ir à caravana, então adote um militante, doe. Pois em poucos dias eu já tinha 16 mil reais de doações. Então coloquei tudo à disposição da Luta.
Margarete também pensa que Lula não deveria ter se entregado à justiça brasileira, deveria ter pedido asilo. “Mas, ele jamais faria isso, porque ele preza muito a honra, ele é de uma geração em que a honra é tudo”. Agora, nessa atividade de todas as quintas ela se desdobra, com esperança: “Acho que ele não vai ficar preso muito tempo. Eles já conseguiram o que queriam que era tirá-lo da eleição. Eles pensavam que jogando ele na cadeia ele seria esquecido. Mas, não! Nós estaremos com Lula até o fim”.
Ana Nobre é uma das mulheres que se destaca no grupo das quintas. Ela tem 73 anos e uma disposição de fazer inveja. Sempre vestida com camisetas que estampem a cara do Lula, ela se descola de Palhoça para a atividade de quinta. “Já no ônibus eu venho ajudando o Lula. Seja com a roupa, que chama a atenção, seja falando com as pessoas, porque é uma vergonha o que estão fazendo com Lula”.
Nascida na fronteira com o Uruguai, em Santana do Livramento, a política sempre correu na veia. “Minha família era de maragatos (os revoltosos farroupilhas) e eu sempre estive envolvida com a esquerda”. Decidida a fugir do destino de ser empregada doméstica, que era o que cabia a uma jovem pobre em Livramento, ela pegou o trem e se foi para Porto Alegre quando tinha apenas 14 anos. Queria trabalhar no comércio e chegando lá logo conseguiu emprego. Ela lembra que o seu primeiro voto, aos 19 anos, foi em Leonel Brizola e quando veio o golpe seguiu acreditando que as coisas no Brasil iriam mudar. Empenhada em garantir a existência não chegou a atuar organicamente na oposição, mas estava atenta ao que se passava.
Veio para Florianópolis em 1973 e desde aqui acompanhou o processo de construção da luta dos trabalhadores no ABC. “Meu marido chegou pra mim e disse: vamos ficar de olho nesse metalúrgico. Ele vai dar bom. E deu.” As greves do ABC conduzidas por Lula repercutiam na capital catarinense e Ana se encantava com o rumo que as coisas iam tomando. Filiou-se ao Partido dos Trabalhadores só em 2001, mas sempre foi simpatizante. E quando Lula finalmente ganhou as eleições ela acreditou que as coisas iriam mudar. “O Lula fez muita coisa pelos mais pobres. Ele mudou a cara do Brasil. Não é possível que as pessoas não reconheçam isso. O Lula não é ladrão e ele vai provar. Nós vamos lutar até que ele saia da cadeia, que aquilo não é lugar pra ele”.
As mulheres da banca de quinta em frente à catedral, cada uma têm a sua história, embora todas elas convirjam para esse momento da luta por Lula Livre. “Tem gente que ri de nós, que acha essa luta uma coisa ridícula. Mas, pra nós, cada uma dessas ações pelo Lula Livre, seja o acampamento em Curitiba, o bom dia, o boa noite, é um gesto simbólico de que que estamos por perto, estamos com ele. Imagina a solidão dele lá? Saber que aqui fora tem gente lutando por ele, reconforta. Não vamos parar”.
Para a população que para na banquinha, disposta a mandar um cartão para Lula, o sentimento corrente é de que a prisão do ex-presidente é ilegal e injusta. “Não há provas de que ele tenha roubado. Não há nada. Como podem manter o Lula preso sem nenhuma prova enquanto outros aí, pegos com a mão na botija, estão livrinhos da silva? Isso não é justo. Lula tem de ser solto”, comenta Andressa Miotto, trabalhadora no comércio.
Mesmo aqueles que são críticos do Lula e do PT concordam que a prisão do ex-presidente é injusta. “Eu tenho sérias críticas ao PT e ao Lula, mas essa cruzada do Moro contra ele sempre foi uma jogada política. A gente tá vendo aí, o cara agora é ministro. Era o que ele queria, não deixar o Lula ganhar. É tão claro isso que chega a ser vergonhoso. Essa justiça, fazendo o que tá fazendo, faz um mal para o Brasil, porque as pessoas vão perdendo a fé nas instituições. Aí dá nisso que deu”, diz Orlando Costa, estudante, que, embora não tenha assinado um cartão para Lula, parou e fez questão de deixar seu apoio ao grupo que resiste e luta pela liberdade do ex-presidente. “A crítica a seu governo, que preferiu a conciliação, tem de ser feita, mas que a prisão dele é uma farsa, isso é. Deixa o homem livre, inclusive para enfrentar a crítica ao governo que fez”.
E assim a tarde vai passando, com as mulheres em resistência, dialogando com a cidade. Os tempos são brutos, a intolerância e o ódio ao PT são fortes, mas até agora as coisas têm sido tranquilas. “Aconteça o que acontecer, não vamos parar. Todas as quintas, aqui estaremos gritando por Lula Livre”.
A professora aposentada da
Universidade de São Paulo (USP) Erminia Maricato e o arquiteto e urbanista
Paolo Colosso lançaram nesta terça-feira (6) em Florianópolis o Projeto Brasil
Cidades (BRCidades), ampla rede de ação coletiva em torno da agenda urbana. A
iniciativa já tem Núcleos em cinco cidades (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto
Alegre, Curitiba e Belo Horizonte) e, agora, Florianópolis. O Plenarinho da
Assembleia Legislativa lotou para a apresentação da proposta, cujo manifesto
pode ser lido em https://www.brcidades.org/assineomanifesto
Lideranças do movimento social e
sindical, estudantes, professores universitários, parlamentares e arquitetos e
urbanistas acompanharam a exposição sobre o BRCidades, que já tem atividades
como, em março e abril, o curso de extensão “Viver na cidade: conflitos,
participação e cidadania ativa”, em Itaquera (SP), que é resultado do diálogo
com a Igreja Povo de Deus em Movimento (IPDM), a UNIFESP e o Levante Popular da
Juventude. Veja abaixo entrevista com Erminia Maricato sobre a realidade nas
cidades brasileiras e a proposta do BRCidades.
As cidades revelam a luta de
classes e a tensão entre o modelo legal e o modelo real. Como essa discrepância
aparece?
Ermínia Maricato - A legislação é
de fato modelo; a cidade é uma realidade. Nós temos uma tradição no Brasil,
para a qual vários estudiosos chamaram a atenção – Sérgio Buarque de Holanda,
Roberto Schwarz – de uma distância entre teoria e prática, entre discurso e
prática. São ideias fora do lugar. Então, existe todo um ideário, são valores
que, na verdade, sustentam a dominação, o poder e o discurso, mas que não
chegam à realidade. Valores liberais, valores muitas vezes igualitários, mas a
realidade é profundamente discrepante desses valores. A realidade é muito
desigual, é muito desumana mesmo, eu diria, ela guarda raízes escravistas que
são muito atuais, que estão muito presentes. Então é disto que a gente está
falando. Nós temos um arcabouço legal que é festejado no mundo todo. O Estatuto
da Cidade [Lei 10.257, de 10 de julho de 2001], a Política Nacional de
Mobilidade Urbana [Lei 12.587, de 3 de janeiro de 2012], esta lei é
avançadíssima. Muita gente estuda o Jan Gehl [arquiteto e urbanista
dinamarquês, autor do livro Cidade para Pessoas] para aplicar nas cidades
brasileiras como se isso fosse possível. Nossas cidades são completamente
diferentes das cidades da Dinamarca. Então, eu acho que nós precisamos
mergulhar na realidade, tirar o véu que encobre essa realidade das nossas
cidades e trabalhar com planejamento, com legislação, para responder a uma
realidade que não é só injusta socialmente, ela é injusta ambientalmente. Ela é
insustentável. As nossas cidades, por exemplo, comprometem toda a rede hídrica,
rios, lagos, córregos, com lixo, com esgoto. No entanto, temos um quadro de
leis sobre o meio ambiente avançadíssimo. É disso que a gente está falando. Mas
como superar essa distância entre teoria e prática, discurso e prática? É com
luta social. Nós precisamos o tempo todo capilarizar a organização social como
nós já fizemos nos final dos anos 1970, nos anos 80, organizar um espaço de
cidadania, de disseminar informação que contrarie essa dominação ideológica tão
forte.
Nesta realidade, o que é o
analfabetismo urbanístico e como ele se manifesta, na mídia em especial?
EM – A mídia, especialmente, mas
a elite, a classe dominante trabalha com uma representação da cidade que foge
muito da realidade. É uma representação ideológica, são signos, símbolos,
cartões postais, que mostram uma parte da cidade, uma parte que está muito
longe de representar a cidade como um todo. Quando eu falo em combater o analfabetismo
urbanístico, é combater junto até às instituições brasileiras. Junto às
Assembleias Legislativas, às Câmaras Municipais, e principalmente junto à
mídia, que trabalha com aquela representação que é a do mercado imobiliário. E
grande parte da nossa população está fora do mercado, ela não ocupa ilegalmente
terras porque quer. É porque não tem alternativas. Você tem áreas de proteção
ambiental ocupadas de forma irregular e ilegal por uma população pobre que é
constrangida a ocupar por falta de alternativas. É muito importante que se diga
isso. No capitalismo central, Europa, Estados Unidos, você não tem tanta
exclusão em relação ao mercado imobiliário como você tem no Brasil. Aqui ele
não chega a 50% da população. Metade da população que queira comprar uma casa
própria não consegue ter acesso no mercado formal, residencial, e nem tem
acesso às políticas públicas. Quais são as formas de você ter acesso à moradia?
Ou é pelo mercado formal ou é por políticas públicas. E nenhum dos dois
consegue chegar até a maior parte da população brasileira. E isso faz parte de
um conhecimento que fica escondido, que é oculto. E há a dimensão da população
que ocupa áreas de proteção ambiental, de proteção permanente, beira de
córrego, beira de rios. Aqui em Florianópolis, sei que dunas e áreas de
proteção ambiental não são ocupadas apenas por populações de baixa renda.
Muitos poderosos também fazem isso. Precisamos conhecer essa realidade. Na hora
que a gente conhece, tem que tentar resolver, fazer com que a lei seja cumprida,
para termos onde assentar a população pobre em áreas ambientalmente
sustentáveis.
A distribuição de renda não basta
para se ter igualdade urbana. Como é esse paradoxo?
EM – Temos insistido nisso porque
muita gente, em especial a maior parte dos economistas democráticos, acha que a
distribuição de renda é suficiente para construirmos um país mais justo e
igualitário. Mas eu tenho mostrado que nós tivemos até 2015 um aumento real do
salário mínimo e esse aumento real não foi suficiente para cobrir o aumento dos
custos de transporte e de aluguel ou o custo da moradia. Com o boom imobiliário
e o boom automobilístico no Brasil, de 2009 a 2014, especialmente, foram
construídas – pelo menos contratadas - 4 milhões de moradias do Minha Casa
Minha Vida, e ao mesmo tempo nós tivemos um aumento acima da inflação do custo
de vida, dos aluguéis, do preço da moradia e dos transportes. Então isso quer
dizer que não basta distribuir renda, precisa distribuir cidade também.
O que é o BRCidades?
EM – Várias forças políticas,
democráticas do país, estão repensando o Brasil, lançando projetos, porque é
evidente que nós estamos em um momento de transição, nós findamos um ciclo
democrático e estamos lutando pelo início de outro. É muito importante isso,
que a luta pela redemocratização do Brasil já começou. Então nós temos planos,
o Plano Brasil Nação, O Brasil que o Povo Quer, o plano da Frente Brasil
Popular, o plano da Frente Povo Sem Medo. Nós estamos no contexto da Frente
Brasil Popular trabalhando o projeto para as cidades do Brasil. Nós estamos
divulgando e disseminando a ideia de iniciativas para repensar as cidades
brasileiras. O país tem uma diversidade muito grande, não só dentro de cada
região como entre regiões, e isso precisa ser pensado territorialmente, localmente.
Nós temos um número de profissionais e de estudantes interessados, movimentos
sociais, universidades que estão interessadas na proposta e já começaram a
trabalhar nela. São várias iniciativas e não apenas de nossa parte, insisto
nisso. A gente gostaria de caminhar, depois de um certo momento, para uma
unidade de sistematização dessas propostas todas.
Paolo Colosso, Maria Inês Sugai, professora na UFSC, e Erminia Maricato
Lançamento ocorreu no Plenarinho da Assembleia Legislativa
De todas as maravilhas que já foram feitas pelo nosso povo latino-americano, "La Redota" é uma das mais lindas. mais de 15 mil pessoas seguindo pela imensidão dos campos, armando e desarmando acampamentos, na luta pela libertação. Com o grande Artigas, o povo da Banda Oriental. Nesse documentário contamos essa saga, igualmente buscando uma liberdade que ainda não chegou. produção: Elaine Tavares e Rubens Lopes.
Raimundo Caruso é escritor e já fez brotar de sua “pena” algumas obras importantíssimas sobre a vida e a luta na América Latina. Esteve na Nicarágua nos tempos da revolução sandinista e narrou as transformações ocorridas. Andou pelo Chile, Peru, México, América Central e nas entranhas do Brasil. Esteve na Bolívia de Evo Morales, e escreveu, junto com Mariléia Caruso, um livro fundamental para entender aquele país desde a força de uma intelectualidade indígena. Também é dele o antológico “Aventuras dos jangadeiros do nordeste”, no qual narra as viagens dos jangadeiros em busca de solução para suas demandas. Isso sem contar o instigante romance Sahara Brasiliae, ambientado numa Brasília tomada pela areia.
Enfim, há outros livros, outras histórias – somam 12 – que germinam e nascem, narrando vidas e descortinando problemas latino-americanos. Raimundo Caruso é generoso em letras.
Pois agora, em 2017, ele lança um novo trabalho no gênero poesia. É uma antologia com 55 poemas chamada de “Pré-Theoria da Bahderna”, na qual expressa seu pensar sobre temas diversos, escolhidos desde duas centenas de pequenos escritos. São texto fortes, profundos, cortantes, políticos. São gritos, são ternuras, são provocações.
O livro será lançado nesse sábado, dia 16 de dezembro, às 11h, no Pátio da Rádio Campeche, emissora comunitária na qual ele foi programador por mais de um ano, apresentando o programa Sábado Literário. Um espaço de rara beleza com a presença de escritores, renomados ou não, dessa ilha tão fértil em histórias.
Junto com o livro de poemas, ele também lança o romance Sahara Brasilie e apresenta o trabalho da filha, Isabel Leal Caruso, que tal qual os pais também já se envolve no mundo das letras, narrando uma viagem de bicicleta pelo sul da França. O livro de Isabel, além de apresentar as aventuras dos ciclistas, ela e o companheiro, revela segredos sobre como encontrar pousada sem qualquer custo. A autora também participa do lançamento.
O momento cultural acontece dentro do programa Campo de Peixe, primeiro programa ao vivo da rádio, no ar desde 2006. A Rádio Campeche convida os amigos para prestigiar o lançamento dos livros desse querido companheiro de jornada na dura tarefa de comunicar. Seja pelas ondas do rádio, seja no fechado mercado editorial.
O livro de poemas foi editado de maneira bastante artesanal, pelo próprio Caruso, uma maneira criativa e criadora de desafiar a indústria do livro. Forma e conteúdo em luta.
A voz das gentes de Correntina, na Bahia, travando a dura batalha contra a privatização da água e a destruição dos rios. Vídeo de Diogão StronG. Um cidade inteira em luta.
Parceiros: na Rádio Campeche, no corpo a corpo com a vida
Nessa quinta, às 9h, no Curso de Jornalismo, o querido Rubens Lopes defende seu trabalho final, depois de cumprir uma longa caminhada para chegar ao jornalismo. Nascido em Santa do Alegre, no interior de Minas Gerais, seu destino poderia ser o de quase toda a gente trabalhadora dali: o campo. Tanto a vó, Rita, como a mãe, Edna já tinham trilhado esse caminho. Mas, ele era curioso demais e seus olhinhos vívidos estavam sempre procurando a vereda das gentes.
Vendendo picolé nas ruelas da cidade ele foi percebendo que Santana era um lugar cindido. Pobres e ricos muito bem demarcados. As camionetas dos latifundiários fazendo sombra às velhas bicicletas da gente rural. Depois, trabalhando numa floricultura, ele adentrou aos casarios da pequena burguesia e pode compará-los às moradias humildes daqueles que eram como ele. Na fábrica de leite, o contato com os demais trabalhadores lhe deu a verdadeira ideia do que é ser explorado até a última gota de sangue e ainda ser agradecido ao patrão. Histórias e histórias que lhe saltavam na cara, e que se remoíam dentro dele, sem saber como sair.
E foi para fazer esse parto que ele decidiu fazer o curso de Letras, que chegou à cidade justo quando ele terminou o segundo grau. Quem sabe, nos livros, ele não encontrava um jeito de fazer brotar aquela angústia que lhe tomava. Os estudos começaram, mas a inquietude não parava.
Foi então que ele se deparou com o exemplar do primeiro número da Pobres e Nojentas, uma revista de reportagem produzida em Florianópolis, pela tia do amigo Renato. Os textos que saltaram das páginas encontraram lugar no seu coração e ele soube que era aquilo que queria fazer. Narrar a vida das gentes que, como ele, andavam pelos caminhos fora do centro de poder.
Por essas coisas da vida o amigo Renato saiu de Santana, indo para Florianópolis seguir o seu sonho que era o de estudar música. Esse passo levou Rubens a também buscar o seu desejo maior. E ele embarcou de mala e pão-de-queijo para a capital catarina. O propósito era passar na Federal, no Curso de Jornalismo. E foi um duro processo. Mas, ele enfrentou cada pedra com fibra e decisão. Cabeça nos livros, pré-vestibular popular no Campeche, professora particular conseguida em permuta e lá foi ele. Tentou e não conseguiu. Tentou de novo e de novo. Então, passou.
Não foi um aluno comum. Bem antes de entrar no curso já tinha se engajado no Instituto de Estudos Latino-Americanos, onde foi realizando um lindo trabalho. Filmagens, fotografias, assistência técnica, carregador de mesas e livros. Cada pequena oportunidade de aprender ele agarrou, apaixonando-se cada dia pela América Latina. Também embarcou na viagem da Rádio Campeche, atuando como produtor e repórter do programa Campo de Peixe.
Como não podia deixar de ser, seu primeiro texto jornalístico foi publicado na revista Pobres e Nojentas. Falava de um trabalhador de Santana, sua gente nunca esquecida, então imortalizada pelas suas palavras. Ele encontrara seu lugar. Demorou para terminar o curso, não por mandrião. Mas, por excesso de vontades. Viajou pela Pátria Grande, fotografando as gentes, andou o Brasil todo no projeto Indígena Digital, fotografando e ensinando, querendo para os meninos e meninas que encontrava pelo caminho o mesmo destino que tivera: força para buscar o sonho. O jornalismo vibrava dentro dele e tudo aquilo que queria dizer e não sabia como, agora encontrava o caminho de se fazer.
Nesse dia 23 de novembro o Rubens encerra essa pequena jornada apresentando seu trabalho final de Jornalismo. É uma monografia sobre a revista Pobres e Nojentas, a publicação que orientou seu mundo. Na convivência com as jornalistas que conformam a revista ele solidificou seu projeto de ser e com elas tem caminhado em projetos diversos, sempre à margem, no jornalismo libertador. É um companheiro, um pobre e nojento como nós.
O menino de Santana agora tem o título com o qual sonhou por noites a fio. Mas sabe que o homem que ele se tornou é mais do que o título que está chegando. Forjado nos caminhos vicinais ele prepara os alforjes para novas aventuras, sempre posicionado do lado certo da história, com os trabalhadores, com os seus.
Eu, que por caminhos tortos acabei tendo participação nisso tudo, só posso me alegrar e compartilhar amorosamente desse momento estelar. Vai ser uma grande festa.
O ciclo termina, mas outro vem. E eu sei que lá irá o gafanhoto construir belezas.
Míriam Santini de Abreu Aconteceu ano passado,
quando mais uma vez celebrávamos o Dia do Saci e Seus Amigos na Esquina
Democrática, em Florianópolis. Aproxima-se do grupo uma mulher cega de braço
dado com o companheiro. Ela pergunta:
- Mas por que eles gritam?
- Estão fazendo uma festa.
Tem um saci aqui! – responde o rapaz.
- Um saci? Me leva lá!
E então ela se aproxima de
mim, que seguro o nosso sacizão, e começar a deslizar as mãos pelo boneco.
- Sim, sim, não tem uma
perna, é mesmo o Saci!
Fico de uma ternura infinita
pelo mundo toda vez que lembro daquela cena. Porque sem ver ela tocou e deu
testemunho: Era Um Saci!
Esse será o 14º ano de nossa
festa, organizada pela revista Pobres & Nojentas, que tem contado com a
parceria de sindicatos como o Sintufsc, o Sindprevs-SC, o Sintrajusc e o
Sinergia. Nelas, recolhemos centenas de assinaturas para oficializar em
Florianópolis o 31 de outubro como Dia do Saci e Seus Amigos. Para nós, a
data simboliza a defesa e valorização da
cultura popular nacional, porque no dia 31, já há alguns anos, as crianças
celebram o Halloween, festa bonita, mas que só tem concretude cultural nos
Estados Unidos.
A data já é oficial em
outras cidades do Brasil, como São Luiz do Paraitinga (SP), São Paulo (SP),
Vitória (ES), São José do Rio Preto (SP), Uberaba (MG), Fortaleza (CE),
Guaratinguetá (SP), Embu das Artes (SP), Poços de Caldas (MG) e Independência
(CE). O estado de São Paulo também já instituiu o dia. Finalmente, em dezembro
de 2015, a data foi oficializada em Florianópolis, depois de aprovada pela
Câmara de Vereadores.
Em uma capital que pouco
valoriza as bruxas que de fato a simbolizam, as de Franklin Cascaes, ninguém
esperava que a prefeitura estimulasse essa reflexão nas escolas. Mas sabemos
que sempre há um professor, uma professora, que contará aquela história, do
menino que nasceu índio, moleque das matas, guardião da floresta, interrompido
em seu voejar travesso pela chegada dos brancos, que dizimaram as populações
que aqui viviam. E quando milhares de negros, caçados na África e trazidos à
força como escravos, chegaram no já colonizado Brasil, houve uma redescoberta. Da memória dos índios, os negros escravos recuperaram o moleque libertário,
conhecedor dos caminhos, brincalhão e irreverente. Aquele mito originário era
como um sopro de alegria na vida sofrida de quem se arrastava com o peso das
correntes da escravidão. Então, o moleque índio ficou preto, perdeu uma perna e
ganhou um barrete vermelho, símbolo máximo da liberdade. Ele era tudo o que o
escravo queria ser: livre! Desde então, essa figura adorável faz parte do
imaginário das gentes nascidas no Brasil. O Saci-Pererê é a própria rebeldia, a
alegria, a liberdade. Essa era e é a essência que celebramos, e que a
prefeitura acolheu via Câmara.
Pois agora um certo vereador
Bruno Souza, do PSB, protocolou na Câmara um certo “Código de Revogação de
Leis”. Quer acabar com várias. E, para ele, talvez a do Saci seja a primeira em
“inutilidade”. Sim, agora, nesta legislatura, temos um vereador que se
auto-atribuiu o papel de Vigilante da Utilidade. Ele se define como um liberal
e parte da “renovação” da Câmara.
Eu tenho para mim que é
dessa geração de renovados que não compreendeu nada. E quando falo dos que
compreendem, lembro sempre da cena final do filme “Zorba, o Grego”, baseado no
livro de Nikos Kazantzákis. Nos minutos finais do filme, o grego e o escritor,
sob a vista de todos os moradores da vila, vêem seu projeto de engenharia -
planejado ao longo de meses - ir ao chão.
“Você já viu um acidente
mais magnífico do que aquele?” – pergunta Zorba, às gargalhadas.
“Não restou nada!”, responde
o escritor.
E saem os dois a dançar na
praia, cena de um prazer arrebatador. O Prazer da Inutilidade.
Vivemos o tempo dos
Vigilantes da Utilidade. Não aprenderam a loucura. E estão por aí afora entre
os que vigiam a arte, o corpo alheio, o desejo sexual, as festas, o uso do
espaço público.
Lembro de um comentário
quando se deu a oficialização do dia do Saci. Algo como: “Quanta bobagem... é
preciso um dia pra se comemorar o que não existe de fato”. Sim. De fato há 2016
anos celebramos uma vida que foi concebida pelo Espírito Santo!
Quanto a nós, os sacizeiros
e sacizeiras, sim, sim! Vamos comemorar o que não existe de fato. Porque
existe. E vai existir, pelas mãos dos que são loucos para acreditar que este
mau tempo passará. E vigiamos também, atentos à sua chegada. Como a mulher que,
mesmo sem ver, testemunhou: - É um Saci!
Abaixo, três vídeos de três
diferentes edições do Dia do Saci e Seus Amigos em Florianópolis
Foi por causa do documentário abaixo que, em janeiro de 2009, estive em São Luiz do Paraitinga (SP). Ele foi exibido no Sintufsc quando, em
2004, começamos a organizar o Dia do Saci e Seus Amigos. O vídeo foi trazido
pelo pessoal da Sosaci, que nasceu em São Luiz do Paraitinga. E eu não
sosseguei até ir para lá. Dias lindos demais...
Vale ver o vídeo do início ao fim. Coisa de uma beleza,
de uma vertigem, puro encanto!
O que aconteceu ontem no
Rio Grande do Sul é uma prévia do que virá em todos os estados da
Federação. Deputados votando leis que retiram direitos, trabalhadores
agredidos pelas polícias militares, governadores impassíveis e
insensíveis às dores das gentes. O argumento para a barbárie contra os
trabalhadores é o de que o estado está endividado e há que cortar na
carne para equilibrar as contas. Só que esse cortar na carne, não se
refere a qualquer carne. É a carne de quem produz a riqueza: o
trabalhador. A carne de quem se apropria do lucro gerado por esse
trabalho não sofrerá sequer um risquinho. Não bastasse isso, as pessoas
que sofrem os ataques sequer sabem como a dívida foi contraída, em que
bases e para onde foi o dinheiro.
Isso não é nenhuma novidade
para quem estuda o modo de ser do capitalismo. Nesse sistema, que
Mészáros considera “incontrolável”, o Estado existe justamente para
proteger os meios de produção (que são de propriedade dos capitalistas) e
a propriedade privada. Tudo é feito para garantir a expansão do capital
e a maior extração do trabalho excedente. Logo, quando há uma crise
mais profunda, como agora, cabe ao estado proteger as condições gerais
da extração da mais valia do trabalho excedente. O que isso significa?
Que novas normas e leis são criadas para garantir que a taxa de lucro
dos capitalistas não caia. Logo, a outra face dessa verdade é o chicote
no lombo dos trabalhadores. Assim, cortam-se direitos e diminui-se a
intervenção do estado na vida das gentes, com cortes nos setores
públicos.
O que acontece hoje no Rio Grande do Sul é a expressão
do que já começou a acontecer em nível nacional com a aprovação da PEC
55. Nesse sistema, que Mészáros chama de “sistema metabólico do
capital”, o tripé Capital x Trabalho x Estado é como uma entidade única
de três cabeças, sendo que a cabeça Trabalho é a que vive sob a
subordinação. E ela está sob o tacão da força porque, sem ela, as outras
duas cabeças deixariam de existir. Ainda assim, mesmo dependendo da
força dos trabalhadores para se fazer real, o capital não faz qualquer
concessão. Diante e qualquer possibilidade de perder lucro, o sistema se
reorganiza sem levar em conta, no mais mínimo, os interesses das
pessoas. Todas as decisões são tomadas para manter rodando a roda viva
da produção do lucro. É o “sistema” que precisa se manter. Danem-se os
trabalhadores. Existem tantos no mundo que o capital pode permitir que
muitos deles venham a perecer diante das medidas de austeridade tomadas.
Assim
que não há qualquer eficácia em apelar para os “bons sentimentos” dos
governantes. Eles não estão subordinados a qualquer compaixão. Sua
subordinação é a um sistema que se configura incontrolável, exigindo
sempre mais. Uma espécie de deus sanguinário. Quanto mais sangue se lhe é
sacrificado, mais ele quer. Mészáros diz que o capital tem um controle
sem sujeitos. E o que quer dizer com isso? Que não há no quadro de mando
do sistema alguém que possa olhar para o sofrimento dos trabalhadores e
se compadecer. Não. O sistema exige mais e mais e os seus supostos
controladores – na verdade controlados pelo sistema - só o que podem
fazer é aplicar receitas que permitam a insaciável expansão do capital.
Por
isso que o governador Ivo Sartori pode ser visto dando risadas no
aeroporto enquanto sua polícia desce o cacete nas gentes em frente à
Assembleia Legislativa. Aquele que comanda o estado sabe que sua função
ali será a de garantir o controle de qualquer rebelião que venha a
ameaçar o perfeito rotacionar do sistema. Por isso ele está em paz. Não é
comandado pela moral. Na cabeça dele, a função para a qual foi eleito
está sendo cumprida à risca. Não enxerga pessoas. Vê pequenos cânceres
que com sua ação rebelde querem pôr fim ao sistema metabólico do
capital. O mesmo acontece com aqueles que, enquanto os trabalhadores
apanhavam em frente ao Congresso nacional, se coqueteavam com champanhe e
salgadinhos. O quadro que se desenrolava lá fora era só um borrão,
tapado pela fumaça das bombas. A única visão possível era a dos
policias, bem armados, protegendo a “bastilha”. E só.
Diante
dessa constatação não cabe aos trabalhadores clamar por piedade ou
misericórdia. O único que lhes cabe é a luta. A luta renhida. Mas não
pode ser uma luta pontual, para resolver a questão da previdência ou a
da dívida, como se solucionado esses pequenos pontos, a vida pudesse
seguir seu curso em direção ao paraíso. Isso não vai acontecer. Ainda
que o sistema – em temos de crescimento – possa conceder um ou outro
ganho aos trabalhadores, seus hábitos alimentares não mudam. Segue se
alimentando da mais valia dos trabalhadores. Não pode viver sem isso. É
como o vampiro que diante da moça assustada, dá um suspiro de pena, mas
imediatamente finca-lhe os dentes. Não pode existir se sentir compaixão.
Cabe,
portanto, desmontar esse “sistema metabólico do capital”. Avançar para
uma forma de organizar a sociedade na qual as aspirações legítimas das
pessoas por vida plena, digna e de riquezas repartidas conforme as
necessidades, sejam levas em consideração em vez dos imperativos
fetichistas da ordem. Enquanto existir o modo capitalista de produção,
essas aspirações não terão lugar. Logo, é tempo de decidir. Não que as
lutas pontuais não devam ser travadas. Isso não só é justo como
necessário. Mas, elas precisam avançar para a destruição desse sistema
que nos suga todo o sangue e a alegria de viver.
Ninguém entre
nós que tenha começado a trabalhar aos quatro, cinco anos, cortando
cana, carregando pedra, amassando massa quer trabalhar até os 100 anos.
Esses desejos só sentem aqueles que não produzem riquezas, os que se
refestelam em salas acarpetadas com ar-condicionado. Aos trabalhadores o
que lhes cabe é a rebelião, completa e total, na construção de outra
forma de ditadura, que não essa que vivemos, do capital sobre as gentes,
mas a dos trabalhadores sobre a burguesia parasita. Para, enfim,
chegarmos a tão sonhada estação na qual não haverá mais estado. Só assim
desmontaremos o tripé que sustenta a riqueza do 1% da humanidade que
hoje comanda a vida dos 99% restantes, sugando-lhe todo o sangue.
Longo caminho, é fato. Mas que precisamos começar a trilhar. Ou isso, ou o eterno retorno da morte.
Os cortes nas contas públicas, segundo informações já divulgadas na mídia, podem chegar a 14 milhões. Além disso, a PEC 55, já aprovada, congela os gastos com os setores públicos por 20 anos.
Para nos ajudar neste debate, Previsão entrevistou os pesquisadores, Elaine Tavares, do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (Iela) e Maurício Mulinari, do Diesse/SC.
Veja como pensam estes dois estudiosos do assunto. As entrevistas completas iremos disponibilizar posterioemente no nosso site, boletim eletrônico e redes sociais.
O ajuste fiscal e os serviços públicos
“Os serviços públicos serão afetados. Os investimentos nas áreas públicas ficarão no mesmo patamar deste ano, sem poder crescer por longos 20 anos. Com isso, se aprofundará a crise na saúde, haverá corte de vagas nas universidades e os estudantes que precisam de garantia de permanência perderão os benefícios, ou eles ficarão tão minguados que não será mais possível sustentar. Hospitais ficarão mais precários, não haverá recursos para moradia”, avalia a pesquisadora e jornalista, Elaine Tavares.
Para o pesquisador do Dieese, Maurício Mulinari, “o ajuste fiscal permanente, iniciado ainda durante o governo Dilma sob a batuta do ministro da fazenda Joaquim Levy e aprofundado pelo governo golpista de Michel Temer, consolidado pela aprovação da PEC 241, cortou no período de menos de dois anos em torno de 40% de todo o investimento público nacional. Isso significou uma retração violenta do emprego e da renda. Com menos investimentos, áreas estratégicas da economia nacional, como a construção civil e o setor de petróleo e gás, por exemplo, foram duramente atingidas.
Os efeitos se espalharam por toda a economia, levando a um desemprego de mais de 12% e uma queda da renda dos trabalhadores de mais de 6%”, diz Maurício.
“Até agora, as negociações salariais ficaram muito mais rígidas, com os servidores encontrando forte resistência até mesmo para a reposição da inflação do período, e, por outro lado, os concursos públicos rarearam. Também diminuiu o orçamento para áreas como as da saúde e da educação, o que impulsionou piora no atendimento público de saúde e as famosas reestruturações do ensino público. Estas últimas, não são mais que uma resposta ao arrocho nos gastos com educação, levando governadores a realizar reformas destrutivas do ensino, fortemente combatidas pelos movimentos de estudantes secundaristas de todo o Brasil”, diz o pesquisador.
Dívida Pública
Para Maurício, “a dívida é um mecanismo fundamental para a concentração da riqueza na mão de poucos capitalistas nacionais e internacionais. Tira do gasto primário (aquele com saúde, educação, saneamento básico, segurança, etc.) e joga para o pagamento dos custos financeiros do Estado. Tira do trabalhador, principalmente do mais pobre, e transfere para os ricos, detentores da dívida pública e beneficiários do sistema financeiro, os chamados rentistas”.
Elaine Tavares também lembra que esse ajuste financeiro já vinha acontecendo no governo de Dilma. Porém, ela destacada que, no governo petista “havia uma certa sensibilidade social, pequena, é verdade, mas havia. Agora, não há qualquer compromisso com os mais pobres. Esses, serão os que pagarão a conta, uma vez que o compromisso maior do governo é seguir pagando os juros da dívida, que consomem mais de 45% do orçamento”. A pesquisadora lembra que “o Equador realizou um estudo de cada um dos contratos e, ao final da auditoria, verificou-se que apenas 30% da dívida tinha base legal. O Equador se recusou a pagar os 70% restantes e nada aconteceu. A vida seguiu, os bancos tiveram de aceitar e receber apenas os 30% considerados legítimos. No Brasil, o governo se recusa sistematicamente, inclusive o do PT, a auditar a dívida”, reforça Elaine.
Dilma X Temer
Sobre as diferenças dos governos Dilma e Temer, Elaine Tavares defende que “no campo da economia, o PT não fugiu da lógica neoliberal. É fato que ao longo dos anos em que houve crescimento econômico, o governo petista investiu em políticas sociais, mas eram valores muito pequenos. Na macro política, o PT seguiu pagando os juros da dívida, priorizado o superávit primário, justamente para bancar a dívida e se propôs a fazer, no final do governo Dilma, o ajuste fiscal. Possivelmente, haveria cortes nos programas sociais, mas creio que não haveria o fim dessas políticas como estamos vendo com Temer”.
Maurício Mulinari analisa que “a diferença entre os dois governos existe, mas não é de essência. Ambos, Dilma e Temer, apostaram no ajuste sobre os trabalhadores. As primeiras medidas do novo governo Dilma, ainda em 2014, foram as MPs 664 e 665, que mexiam em direitos trabalhistas (seguro desemprego e abono salarial) para fazer caixa para pagamento do gasto financeiro do Estado. Logo depois vieram os cortes bruscos no investimento público e na área social, que conduziram uma economia já debilitada pelo rentismo para a recessão brusca.” Para ele, “Dilma pecava, na ótica da classe dominante, pela parcimônia das reformas antipopulares. Ela fazia as reformas, mas era necessário convencer os setores de apoio ao governo (movimento sindical e social organizados), processo lento e cheio de percalços, ainda mais em um momento de aumento do desemprego. A crise se acelerou e os lucros, sejam operacionais ou financeiros, passaram a cair. Neste contexto, a burguesia nacional, articulada em torno da FIESP, das demais entidades empresariais e da grande mídia, topou a aposta por um novo governo, mais orgânico aos seus interesses. Aqui entra a escalada do golpe, que se iniciou ainda em 2015 e se completa em 2016. Dilma é derrubada e Temer assume. O ajuste sobre a classe trabalhadora permanece. O que muda é o ritmo e a violência do ajuste”.
Como reagir à barbárie
“O movimento sindical, na sua maioria, esteve apático e domesticado nos anos de governo petista. Fazendo a crítica ritual, sem organização dos trabalhadores. Agora, será necessário muito tempo para que o movimento sindical recupere a radicalidade. Penso que os sindicatos pagarão um alto preço pela domesticação e não será fácil se levantar. Mas, os trabalhadores sabem que não há saída fora da luta. E haverão de construir alternativas”, finaliza Elaine.
Maurício também sinaliza que a única saída é a reorganização da classe trabalhadora. Para o pesquisador do Dieese, “o movimento sindical e social organizado não se preparou para o momento atual. Os anos de governo Lula, embalados pela melhor conjuntura econômica internacional da história recente brasileira, deseducaram a classe trabalhadora. Os trabalhadores passaram a acreditar na mentira de que ocupavam o papel deplorável e despolitizado de classe média, produto da ideologia vendida pelos magos bilionários do marketing eleitoreiro. Não só a base da classe trabalhadora, mas também os dirigentes sindicais e dos movimentos sociais caíram na armadilha da despolitização. Abandonaram as brigas no chão de fábrica, nas portas das lojas, nas associações de moradores, etc., pelos acordos de gabinete. Abdicaram da verdadeira educação da classe trabalhadora, ocorrida unicamente nos conflitos de classe”.
O pesquisador finaliza dizendo que “se os movimentos social e sindical organizados souberem aproveitar as novas experiências radicais que surgem da juventude, refundar as suas práticas, perder o medo das derrotas burocráticas e ousar lutar radicalmente pelo que há de mais essencial – que são as condições reais de vida da classe trabalhadora, que sofre nos locais de trabalho, nas favelas, no transporte, etc., teremos possibilidade de enfrentar a atual ofensiva capitalista global. Se não houver esta possibilidade, a classe trabalhadora brasileira precisará vivenciar toda a destruição do governo golpista para que, da crise social profunda, possa brotar uma nova esperança”.
Publicado originalmente na Revista Previsão nº 13 - nov/dez 2016