quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Enxoval de Palavras






Por Míriam Santini de Abreu

Eu devia ter uns 15 anos quando descobri que minha mãe fazia, às escondidas, o meu enxoval. Palavra linda, vem do árabe ax-xauar. Lá estavam, na prateleira mais alta do guarda-roupa dela, escondidos, os delicados conjuntos para enfeite em crochê, toalhas, colchas, lençóis, tudo bordado com ponto cruz colorido e miúdo.

Ah, que berros eu dei naquele dia! Fiz um discurso inflamado contra o que, naquela época, o enxoval significava para mim: casamento formal e filhos. E eu, eu só pensava em ser jornalista.

A mãe, como sempre, fez cara de paisagem e não deu a mínima para as minhas queixas. Anos a fio, continuou a comprar toalhas e tecidos e a costurar e pregar, nas barras, arremates bordados naquele caprichado ponto cruz que ela até hoje tem disposição para fazer.

Algumas peças eu escondi dela, como um pequeno pano decorativo de veludo preto com um beija-flor bordado, de fios lindamente coloridos, que eu queria fazer crescer até virar um vestido tão deslumbrante quanto os de Scarlett O'Hara. Escondi tão bem que nunca mais achei. 

Quando finalmente pude morar num local onde valia a pena colocar adornos tão bonitos, humildemente pedi o enxoval. Ela me olhou com aquela expressão de triunfo e disse que eu deveria, sim, levar o que queria, mas aos poucos. E assim é, até hoje.

Toda vez que vou para casa, vasculho a guarda-roupa dela para escolher peças do enxoval, inspiradas em modelos de umas revistas antigas de ponto cruz que a mãe guarda até hoje. Muitas das peças em crochê foram feitas por tias já falecidas e a gente gosta de afirmar: – Tem pelo menos 50 anos!

Se a mãe inventa de dar alguma peça de presente para amigas e parentes, eu faço um berreiro, em atitude infantil: – É meeeuuu! É tudo meu!

Sob quadros, nas paredes, nas colchas, nos lençóis... As artes enxovalísticas de dona Eluci estão por toda parte lá em casa. 

Naquela época, o enxoval significava tudo o que eu não desejava para mim, o modelo contra o qual eu me rebelava. Hoje, significa o que é: peças delicadas feitas pela minha mãe. 

Nada entendo de agulhas, linhas e máquinas de costura. Mas quero seguir o exemplo da mãe e deixar por aí ao menos um enxoval de palavras.

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