Por Míriam Santini de Abreu
Eu ouvi pela primeira vez nas manhãs da pandemia. Vinha lá dos altos da Praça dos Bombeiros:
– Oi, oi, oi, oi, oi, oi, oi...
Era assim, praticamente todo dia, uma saudação interminável que corria pelo ar e eu engolia irritada com os goles de café.
Um dia, ao caminhar na praça, topei com ele. O cara do oi. Vinha num passo apressado, meio bamboleante, uma expressão resoluta no rosto barbado:
– Oi, oi, oi, oi, oi, oi, oi, oi, oi, oi...
Misericórdia. Aquilo ressoava praça ao longe. E digo mais: se ele encontrasse alguém distraído no caminho, gritava mais forte ainda, para espanto do premiado com a saudação inesperada.
É fato. O cara do oi virou um personagem do Centro de Florianópolis. As pessoas comentam:
– Ixi, hoje ele vem atacado.
É porque tem dia em que ele atravessa a Praça XV e segue pela Avenida Hercílio Luz gritando sem parar, pegando no susto os desavisados. É comum que uns transeuntes respondam:
– Oi, oi, oi, oi, oi, oi...
O cara do oi grita mais alto ainda e vira um coro de ois na rua que arranca sorrisos de quem passa.
Um final de manhã, almocei no Mirantes e ouvi o conhecido mantra. Corri porta afora para fotografar e gravar. Ele estava sentado num degrau da Catedral, onde também ocorria um ato dos trabalhadores dos Correios. Ele dava oi, escondia a cabeça entre os braços, se aquietava uns minutos e, de repente:
– Oi!
E encolhia a cabeça de novo.
Meus colegas de trabalho às vezes o avistam, gravam e enviam os vídeos para mim:
– Olha aí o teu amigo.
Um desses vídeos o mostra descendo a Anita Garibaldi. Em menos de meia quadra, ele grita oi seis vezes, uma delas quase no ouvido de uma mulher um pouco agachada junto a dois cães. As pessoas vão passando por ele sorrindo ou com ar de pasmo. Mas quando ele chega no Bar do Paulinho, os braços numa marcha desengonçada, dois homens sentados ali, com voz firme, avisam:
– Ei, ei, pode parar, pode parar.
Ele para. A gravação também. Terá se atrevido a dizer oi?
Uma noite topei com ele na Hercílio Luz. Quase na esquina com a José Jacques, parou, apoiou um braço e uma perna num daqueles bancos verdes de madeira e ali ficou:
– Oi, oi, oi, oi...
Fiz uma aquarela ordinária para guardar aquela saudação daquele homem naquela noite. E deixo assim.
Que seu rosto seja encontrado, como eu, por quem o ouve.
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