quinta-feira, 31 de julho de 2025

O cara do oi


Por Míriam Santini de Abreu

Eu ouvi pela primeira vez nas manhãs da pandemia. Vinha lá dos altos da Praça dos Bombeiros: 

– Oi, oi, oi, oi, oi, oi, oi... 

Era assim, praticamente todo dia, uma saudação interminável que corria pelo ar e eu engolia irritada com os goles de café.

Um dia, ao caminhar na praça, topei com ele. O cara do oi. Vinha num passo apressado, meio bamboleante, uma expressão resoluta no rosto barbado:

– Oi, oi, oi, oi, oi, oi, oi, oi, oi, oi... 

Misericórdia. Aquilo ressoava praça ao longe. E digo mais: se ele encontrasse alguém distraído no caminho, gritava mais forte ainda, para espanto do premiado com a saudação inesperada.

É fato. O cara do oi virou um personagem do Centro de Florianópolis. As pessoas comentam:

– Ixi, hoje ele vem atacado.  

É porque tem dia em que ele atravessa a Praça XV e segue pela Avenida Hercílio Luz gritando sem parar, pegando no susto os desavisados. É comum que uns transeuntes respondam:

– Oi, oi, oi, oi, oi, oi... 

O cara do oi grita mais alto ainda e vira um coro de ois na rua que arranca sorrisos de quem passa. 

Um final de manhã, almocei no Mirantes e ouvi o conhecido mantra. Corri porta afora para fotografar e gravar. Ele estava sentado num degrau da Catedral, onde também ocorria um ato dos trabalhadores dos Correios. Ele dava oi, escondia a cabeça entre os braços, se aquietava uns minutos e, de repente:

– Oi! 

E encolhia a cabeça de novo. 

Meus colegas de trabalho às vezes o avistam, gravam e enviam os vídeos para mim:

– Olha aí o teu amigo.

Um desses vídeos o mostra descendo a Anita Garibaldi. Em menos de meia quadra, ele grita oi seis vezes, uma delas quase no ouvido de uma mulher um pouco agachada junto a dois cães. As pessoas vão passando por ele sorrindo ou com ar de pasmo. Mas quando ele chega no Bar do Paulinho, os braços numa marcha desengonçada, dois homens sentados ali, com voz firme, avisam:

– Ei, ei, pode parar, pode parar. 

Ele para. A gravação também. Terá se atrevido a dizer oi?

Uma noite topei com ele na Hercílio Luz. Quase na esquina com a José Jacques, parou, apoiou um braço e uma perna num daqueles bancos verdes de madeira e ali ficou:

– Oi, oi, oi, oi... 

Fiz uma aquarela ordinária para guardar aquela saudação daquele homem naquela noite. E deixo assim. 

Que seu rosto seja encontrado, como eu, por quem o ouve. 



quarta-feira, 23 de julho de 2025

CroniQuintas é novo projeto da Pobres e Nojentas


A Pobres & Nojentas inicia em julho mais um projeto: CroniQuintas da Pobres.

Todas as quintas, no nosso blog e redes, publicaremos uma crônica. A vida cotidiana da cidade na palavra libertária, criadora e caminheira que define nosso projeto desde 2006 e completa 20 anos em 2026. 

O projeto se enlaça com a ideia de croniportagem, um dos três pilares epistemológicos da revista. É o termo que cunhamos para definir a vereda entre a crônica e a reportagem. Ou seja, o texto jornalístico apresenta a necessidade de visibilizar temas cotidianos, tal qual a crônica, mas com a profundidade da reportagem e a informação contextualizada. 

Em fevereiro de 2008, a equipe da revista promoveu o “Primeiro Festival de Croniportagem de Abya Yala”, para a publicação de textos de colaboradores na revista impressa e/ou no blog, com arte específica feita pelo pedagogo Leopoldo Nogueira, que assina as lindas logomarcas da Pobres, como a nova, dos 20 anos, e a das CroniQuintas. A proposta na época foi estimular a produção desse formato de texto, que tem características que o habilitam, dentro de uma larga tradição no jornalismo, a encontrar um lugar singular na produção jornalística atual.

Agora, voltamos com as crônicas, gênero que hoje tem pouco espaço nos veículos catarinenses e, ao longo dos meses, com croniportagens.

Acompanhe mais esse projeto da P&N!

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Pobres e Nojentas rumo aos 20 anos: uma revista de classe





Por Míriam Santini de Abreu e Elaine Tavares

Pois agora! Não é que em 2026 a Revista Pobres & Nojentas completa 20 anos! Foi em maio de 2006 que iniciamos a edição impressa da nossa menina, que durou até dezembro de 2013 com 30 edições impressas por Hélio Devigili, o querido seu Hélio, no formato 23,5 x 21 cm e 28 páginas. Estão ali sete anos de histórias de gentes e lutas populares que faziam pulsar a vida cotidiana de Florianópolis e do estado.

Com o preço do papel inviabilizando a impressão, nosso fazer jornalístico se agarrou ao blog e à conta no YouTube, criados em 2007. O blog tem 355 mil visualizações; o YouTube, 118 mil, com 132 vídeos postados. A conta do Facebook nasceu em 2013 e a do Instagram bem mais tarde, em 2023. 

Desde o nascimento, seguimos na senda de três pilares epistemológicos: a teoria marxista do jornalismo de Adelmo Genro Filho; o jornalismo libertador, inspirado na concepção filosófica de Enrique Dussel, criador da Filosofia da Libertação, e a ideia de croniportagem, vereda entre a crônica e a reportagem.

De lá para cá, fizemos um bocado de coisa e há muito a comemorar.

Uma delas foi apoiar a edição de livros. O primeiro, “Mulheres da Chico”, organizado pela educadora Sandra Cochemore Ribes, a assistente social Vanessa Flores, a fotógrafa Sônia Vill e a equipe da Casa Chico Mendes. Com o apoio da equipe da Pobres, da Letra Editorial e do Sintufsc, o livro foi lançado em 1º de dezembro de 2008 no saguão da Reitoria da UFSC. 

O segundo foi “Seu Antônio – Antônio Joel de Paula – a História de um Líder”, organizado e editado por Sandra Cochemore Ribes (2013). O terceiro, “Contos da Seve – Histórias de Severiana Rossi Correa”, organizado e editado por Eduardo Schmitz com prefácio do jornalista Moacir Loth. 

Em 2008, apareceu a “Pobres & Nojentas Teórica”, um caderno de 36 páginas com três textos da equipe sobre o jornalismo praticado em sindicato. Já em 2009 nasceram dois "Cadernos Soberania Comunicacional” em parceria com o Portal Desacato.

As parcerias renderam e continuam rendendo. Em setembro de 2008, o Portal Desacato e a Pobres realizaram o 1º Encontro pela Soberania Comunicacional, Popular e Libertária na Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Em 2010, integrávamos a Rede Popular Catarinense de Comunicação (RPCC), que reunia veículos de comunicação catarinenses que atuavam com base nos princípios e nas práticas da Soberania Comunicacional. O conceito de Soberania Comunicacional é desenvolvido pela jornalista Elaine Tavares como a comunicação popular/comunitária/libertadora que supera a posição de resistência e caminha para a conquista dos meios massivos, articulada aos que lutam para transformar o mundo, avançando para o novo e sendo capazes de pavimentar outra práxis.  

A Rede foi o resultado de dois Seminários de Comunicação e Cultura Popular organizados pela então Agência Contestado de Notícias Populares (Agecon), uma das integrantes da RPCC, tendo à frente o educador Jilson Carlos Souza, hoje envolvido em iniciativas de comunicação e organização popular na Região do Contestado. 

Em outubro de 2013, apareceu a “Pobres & Nojentas no Mercado”, na conta do YouTube da revista, com entrevistas gravadas em um dos mais “nojentos” pontos de encontro da capital catarinense, o Bar do Alvim, no Box 1 do Mercado Público, onde, antes da “gourmetização” do Mercado, a gente se encontrava para buscar o alimento do corpo e da luta. 

Ao longo da caminhada, uma alegria para a equipe foi depositar as 30 edições da Pobres na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Todas as edições foram depositadas também, em formato impresso e digital, na Hemeroteca Digital Catarinense, que cuida da memória do jornalismo catarinense.

A Pobres era uma inspiração para muita gente que desejava fazer jornalismo fora das grandes redações. Foi por ler a revista quando ainda morava em Minas Gerais que o agora jornalista Rubens Lopes de Souza escolheu a Pobres como tema de seu Trabalho de Conclusão no Curso de Jornalismo da UFSC, apresentado em 2017 com o título “Jornalismo libertador: a estrutura e a dinâmica da revista Pobres & Nojentas”. 

Em 2020, em plena pandemia de Covid-19, publicamos o primeiro livro da coleção “Jornalismo no Coletivo”, nascida na parceria com a jornalista Sandra Werle (Letra Editorial), que, com a jornalista Rosangela Bion de Assis, diagramava a revista impressa. Foram os seguintes: “A rebelião do vivido no jornalismo independente de Florianópolis” (2020). “Território e texto: jornalismo ambiental em Santa Catarina” (2023) e “Jornalismo e comunicação sindical em Santa Catarina” (2024). Publicamos ainda o livro “A atualidade da obra do jornalista Marcos Faerman”, em parceria com VU Produtora, de Laura Faerman (2023).

Apostando no vídeo, em 2023 iniciamos o projeto “Repórteres SC”, até agora com 29 entrevistas, plasmando a memória dos repórteres que fizeram seu caminho aqui no estado, e o “Trajetórias e Histórias”, com 2 episódios, que busca contar a história de personalidades da cidade que fazem parte da história das lutas. Em 2024, foi a vez do projeto “Escadarias do Maciço”, para o qual produzimos três episódios, mostrando a vida nas comunidades dos morros que conformam o Maciço do Morro da Cruz. Em dezembro de 2024, apareceu o “Conversas na Tiradentes”, uma parceria com a Livraria Desterrados, do Tasso Scherer, já com 10 programas, também buscando eternizar a memória dos escritores catarinenses. 

Em breve, divulgaremos um conjunto de vídeos com parceiros desta jornada e lançaremos mais um novo projeto. Este é surpresa!

São 20 anos de aventuras jornalísticas guiadas pela frase de abertura do manifesto publicado no número 1 da revista: cooperativa da palavra libertária, criadora, caminheira. 







quarta-feira, 9 de julho de 2025

Jurandir Silveira, repórter




O fotógrafo e editor de fotografia Jurandir Silveira é mais um entrevistado do projeto Repórteres/SC. Nascido em Porto Alegre (RS), desde pequeno ficou fascinado com as fotografias nos jornais. Órfão de mãe e pai cresceu num orfanato, de onde saiu com um ofício, iniciando sua carreira no jornal como gráfico. Mas, a fotografia o chamava e ele foi aprendendo sozinho. Foi na cozinha de uma tia que improvisou um laboratório para fazer os primeiros experimentos fotográficos. 

Trabalhou nos grandes jornais do Rio Grande do Sul, como Correio do Povo e Zero Hora, e do Rio de Janeiro (O Dia e Jornal do Brasil). Ainda no Rio Grande do Sul, presidiu a Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos e integrou a direção do Sindicato dos Jornalistas. Foi sócio da Agência Objetiva Press Fotografia e Notícias e, em Santa Catarina, foi editor de fotografia no Diário Catarinense, sendo relatado por uma geração de repórteres fotográficos que passaram pelo então principal veículo do grupo RBS no estado. No DC, reformulou o setor de fotografia. Um destaque na trajetória de Jurandir é a riqueza de experiências profissionais enquadradas em diferentes contratos e relações de trabalho.

É um fotógrafo premiado tanto no Brasil quando fora. 

Na entrevista, ele fala sobre sua trajetória, as viagens pelo Brasil e exterior, entre as coberturas de Copas do Mundo e eleições em países da América Latina, e conta detalhes sobre fotografias e coberturas que distinguiram seu trabalho, como a da ocupação da Fazenda Anonni (Sarandi, RS), em 1985, um marco na história do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Brasil. 

Hoje aposentado e morando no Estreito, Jurandir gosta de fotografar a natureza. 

A gravação e as fotos são de Rubens Lopes.

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Jurandir Silveira no 29º episódio de Repórteres SC







O fotógrafo e editor de fotografia, Jurandir Silveira é o 29º entrevistado do projeto Repórteres/SC. Nascido em Porto Alegre (RS), desde pequeno gostava de ver as fotografias nos jornais e iniciou na carreira como gráfica. 

Trabalhou nos grandes jornais do Rio Grande do Sul, como Correio do Povo e Zero Hora, e do Rio de Janeiro (O Dia e Jornal do Brasil). Em Santa Catarina, foi editor de fotografia do Diário Catarinense, sendo relatado por uma geração de repórteres fotográficos que passaram pelo então principal veículo do grupo RBS no estado.

Na entrevista, Jurandir fala sobre sua trajetória, as viagens pelo Brasil e exterior e conta detalhes sobre fotografias e coberturas que marcaram seu trabalho, como a da ocupação da Fazenda Anonni (Sarandi, RS), em 1985, um marco na história do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Brasil. 

O vídeo está em edição e será divulgado com mais detalhes da trajetória de Jurandir. As imagens são de Rubens Lopes.

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Flávio José Cardozo, escritor


Falar em Flávio José Cardozo é dizer Santa Catarina. Seus escritos dão forma à vida que viceja e floresce no nosso estado. A vida das gentes trabalhadoras. Nos contos e nas crônicas o gurizinho de Lauro Müller, que entendia o mundo a partir da verdura da serra do rio do rastro e que transbordou depois que viu o mar, centra o foco no povo, na gente comum. Suas palavras descortinam mundos e seus livros são como cântaros a transbordar beleza.

Ele conta que quando era bebezinho, sua mãe, costureira, trabalhava com ele deitado em seu colo, e desde então o seu corpo foi se familiarizando com a música provocada pelo rodar da roda da máquina de costura. E esse ritmo foi se expressando na construção das palavras que vão se juntando como uma afinada orquestra. “Não fosse escritor, queria ser músico”, diz. O fato é que se a mão não tocou qualquer instrumento musical, atacou com destreza a máquina de escrever. E o resultado sempre foi a pura formosura. 

Neste vídeo trazemos alguns recortes da vida e da obra do premiado e amado escritor catarinense. A infância em Lauro Müller, o seminário, a vinda para Florianópolis, o trabalho na Revista Globo de Porto Alegre, a direção da Imprensa Oficial Catarinense, seu ofício de escritor, tudo narrado com humor e ternura. Flávio ainda fala da literatura catarinense e dos novos tempos. Hoje, aos 87 anos, aposentou a pena e vive sereno, entre pássaros e livros, na perfeição de Santo Antônio de Lisboa, com Isabel, seu amor. Seu legado, “uns livrinhos”, ilumina a literatura catarinense.

O vídeo tem imagens de Tasso Claudio Scherer, com apoio de Marco Scherer.