segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Dia Nacional do Saci-Pererê será comemorado em dia 31 de outubro

A Celebração do Dia Nacional do Saci-Pererê será no dia 31 de outubro, quarta-feira, das 16h30 às 18h30, na Esquina Democrática, em frente à igreja São Francisco, na Capital. A promoção é do Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal do Estado de Santa Catarina (Sintrajusc), com apoio do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Santa Catarina (Sintufsc) e da Revista Pobres & Nojentas.
A lenda é assim! Basta que exista um bambuzal e, de repente, de dentro dos caniços, nascem os sacis. É como eles vêm ao mundo, dispostos a fazer estripulias. Conta a história que esses seres já existiam bem antes do tempo que os portugueses invadiram nossas terras. Ele nasceu índio, moleque das matas, guardião da floresta, a voejar pelos espaços infinitos do mundo Tupi-Guarani. Depois, vieram os brancos, a ocupação, e a memória do ser encantado foi se apagando na medida em que os próprios povos originários foram sendo dizimados.
Quando milhares de negros, caçados na África e trazidos à força como escravos, chegaram no já colonizado Brasil, houve uma redescoberta. Da memória dos índios, os negros escravos recuperaram o moleque libertário, conhecedor dos caminhos, brincalhão e irreverente. Aquele mito originário era como um sopro de alegria na vida sofrida de quem se arrastava com o peso das correntes da escravidão.
Então, o moleque índio ficou preto, perdeu uma perna e ganhou um barrete vermelho, símbolo máximo da liberdade. Ele era tudo o que o escravo queria ser: livre! Desde então, essa figura adorável faz parte do imaginário das gentes nascidas no Brasil.
O Saci-Pererê é a própria rebeldia, a alegria, a liberdade. Com o processo de colonização cultural via Estados Unidos – uma nova escravidão - foi entrando devagar, na vida das crianças brasileiras, um outro mito, alienígena, forasteiro. O mito do Haloween, a hora da bruxa e da abóbora, lanterna de Jack, o homem que fez acordo com o diabo.
A história é bonita, mas não é nossa. Tem raízes irlandesas e virou dia de frenéticas compras nos EUA e também no Brasil. Na verdade, a lógica é essa. Ficar cada vez mais escravo do consumo e da cultura alheia. Jeito antigo de colonizar as mentes e dominar. É por isso que a Pobres & Nojentas quer recuperar o Saci, o brasileiro moleque das matas, guardião da liberdade, amante da natureza que hoje está ameaçada de destruição.
Queremos vida digna, um país soberano na política, na economia, na arte e na cultura. Cada região deste Brasil tem seus próprios mitos. Caipora, Boitatá, Curupira, Bruxa, Negrinho do Pastoreio... São os amigos do Saci que estão presentes na atividade do Dia do Saci Pererê, saudando e buscando a liberdade.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

“Beverly Hills” catarinense e o discurso jornalístico do Grupo RBS

Míriam Santini de Abreu

“Grande Florianópolis tem maior crescimento do país” é a manchete desta quinta-feira, 25, do jornal Diário Catarinense, o carro-chefe impresso do Grupo RBS em Santa Catarina. O estudo é do programa Habitação da Organização das Nações Unidas (ONU). A notícia, na página 33, é acompanhada da “Opinião DC”, que inicia com a afirmação de que “para os moradores é causa de justo orgulho o fato de a Organização das Nações Unidas (ONU) ter apontado a região metropolitana de Florianópolis como a que mais cresce no país”. Não se sabem os motivos de tal orgulho, porque, em seguida, o texto lista os problemas da Capital:

“Eles vão da falta de mobilidade, do saneamento básico deficiente, transitam pelas áreas faveladas, focos de delinquência e carência, e chegam a muitos outros que deprimem a sociedade”.

E termina afirmando que “os benefícios do crescimento ordenado da região (...) não têm sido distribuídos com a desejável justiça e equanimidade”: “O verdadeiro crescimento não se restringe à economia. Mas supõe, também, o compartilhamento dos seus frutos para a construção de uma sociedade mais justa e humana. Chegaremos lá”.

A frase final, como ligá-la ao trecho em que as “áreas faveladas” são indicadas como focos de “delinquência e carência”? A resposta está no próprio jornal, em reportagem especial publicada no dia 16 de outubro e que reproduziu notícia do jornal O Globo, acessível em http://oglobo.globo.com/economia/os-sem-lancha-da-cidade-classe-a-6398816

Em um dos trechos, uma empresária de Jurerê afirma: “Apesar de reconhecer a qualidade de vida local, ela acha que ainda falta glamour ao bairro: — Tem muita coisa aqui que parece de interior, faltam bons restaurantes, bons hotéis, precisamos de um Emiliano, de um Fasano. Tem muita loja feia, tem coisa que parece favelinha. Precisávamos ter tudo chique, branco e dourado, poderíamos ter uma “Beverly Hills” aqui.”

Foi na vizinhança, em Jurerê Internacional, que cinco jovens de classe média foram presos em flagrante no sábado, 20, suspeitos de furtar casas por “diversão”. Está no próprio DC, em http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/policia/noticia/2012/10/jovens-detidos-por-assaltos-dizem-que-praticavam-os-crimes-em-jurere-internacional-por-diversao-3925704.html

Republico abaixo trecho de outro texto que fiz sobre como o discurso jornalístico reproduz, sob os mais diversos modos, a fala preconceituosa da Autoridade e dos “Classe A”.

“Vale a pena relembrar um caso exemplar, a instalação de um empreendimento empresarial turístico (campo de golfe) no balneário de Ingleses, em Florianópolis. Próximo ao empreendimento mencionado há uma comunidade, a Vila do Arvoredo, também conhecida como Favela do Siri, que começou a se formar nos anos 1980. No embate travado para a instalação do campo de golfe, é ilustrativo o conjunto de comentários feitos pelo então governador do Estado, Luiz Henrique da Silveira, em entrevista concedida à TVBV em abril de 2007, na qual há 17 minutos referentes à temática ambiental. Ver em http://video.google.com/videoplay?docid=-8286208201407673708#
Nela o governador Luiz Henrique da Silveira menciona o assunto (1), quando questionado sobre a reclamação dos empresários em relação à “burocracia” e a “dureza” das leis ambientais:
1- Eu acho que nós vamos ultrapassar esse período negro, que não é possível que nós não possamos ter em uma ilha como essa, maravilhosa, certo, marinas para receber turistas estrangeiros com muito dinheiro que venham gastar aqui e gerar emprego. Que nós não consigamos fazer um campo de golfe, meu deus do céu. Em Marbela, você viu, tem 50 campos de golfe e por isso aquela vila pobres de pescadores foi transformada num dos maiores pólos milionários de turismo. Então nós precisamos ter uma evolução. O que as pessoas têm que ter em mente é que uma marina não polui. Nós vimos lá em Marbela, dentro da marina, a profusão de peixes que havia. Pelo contrário, ela desenvolve, ela embeleza. Ela traz um novo dinamismo para as cidades. Então nós temos que superar isso, estamos com um grave problema, eu vou dizer aqui especialmente para os florianopolitanos [...].
No trecho seguinte (2), o governador classifica de “medievalismo” a posição do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em relação às licenças ambientais e diz que é preciso descentralizar as decisões relativas às políticas de meio ambiente:
2 - Quem sabe cuidar mais de Florianópolis é o florianopolitano. É a Prefeitura, é o vereador. Quem sabe cuidar mais do meio ambiente do estado é o Governo do Estado, são os deputados estaduais. Então é preciso acabar com essa burrocracia [com dois erres na pronúncia] em que dois ou três técnicos lá em Brasília, longe da realidade, decidem as coisas, ou não decidem, porque um monte de processo, uma montoeira de processo não lhes dá tempo nem de examinar os processos.
Um dos apresentadores pergunta então se não é necessário haver controle em relação a isso, porque a natureza estaria “dando resposta” às ações humanas, ao que o governador questiona (3):
3 - E agora você me diz: e a favela do Siri, ali? Do lado do campo de golfe que não querem deixar o Fernando Marcondes [de Mattos, empresário] fazer? Por que não se proíbe a proliferação de favelas, que joga - me permita a expressão irada - cocô para a praia para provocar doenças nas nossas crianças? Por que não se atua nisso aí para impedir? Né? Por que não se atua nisso aí para impedir? A favela pode poluir a praia. Agora, um resort, um hotel, um campo de golfe, para atrair turista e gerar emprego e renda não pode.
Do ponto de vista discursivo, evidencia-se, na fala do governador, uma série de indícios que apontam para diferentes sujeitos sociais: “não querem deixar (...) fazer” (quem?); “nossas crianças” (quais?); “por que não se atua (...)” (quem?). No trecho 2, ele deixa explícitos, porém, os sujeitos sociais que seriam os mais capacitados para “cuidar” do “meio ambiente” do estado. E no trecho 1 está sinalizado o exemplo da “evolução”, o balneário de Marbella, na Costa do Sol, Espanha, totalmente descaracterizado pela especulação imobiliária estimulada pela corrupção (ver em http://ises-do-brasil.blogspot.com/2007/08/operao-moeda-verde-verso-espanha.html.”

As páginas 6 e 7 do Diário Catarinense do dia 19 de outubro estamparam um anúncio publicitário da Hantei sobre o projeto de hotel na Ponta do Coral. Um dos tópicos das ditas áreas públicas do empreendimento menciona: “Sem custos à sociedade a nem ao Município”.

Ora, ora... Vale lembrar o que diz o geógrafo Milton Santos:

A globalização atual é perversa, fundada na tirania da informação e do dinheiro, na competitividade, na confusão dos espíritos e na violência estrutural, acarretando o desfalecimento da política feita pelo Estado e a imposição de uma política comandada pelas empresas.

O emprendimento da Hantei, apoiado ardentemente pelo Grupo RBS, “sem custos à sociedade a nem ao Município”, revela toda a hipocrisia de uma empresa oligopólica, dona de praticamente toda a informação dita jornalística que circula em Santa Catarina. Diz ela, em sua “Opinião DC”, que o “verdadeiro crescimento não se restringe à economia. Mas supõe, também, o compartilhamento dos seus frutos para a construção de uma sociedade mais justa e humana. Chegaremos lá”.  Pena que, para a concretização dessa sociedade mais “justa e humana” na “Beverly Hills” catarinense, onde jovens de classe média praticam crimes por diversão, existam, no caminho, “áreas faveladas, focos de delinquência e carência”...

Dia do Saci-Pererê é em 31 de outubro


terça-feira, 23 de outubro de 2012

Salvar os Guarani-Kaiowá?

Elaine Tavares
 
Aprendi com meu irmão, há muitos anos, que não há nada pior no humano do que a hipócrita (por vezes não intencional) musculação de consciência. E isso é coisa que acontece muito no meio daqueles que estão no topo ou no meio da pirâmide social. Olham para o sofrimento dos pobres - a comunidade das vítimas do sistema - como se fossem coitadinhos, e sentem pena. Podem até chorar diante de uma foto ou de uma dada situação. E desde sua pena, buscam ajudar, musculando a consciência. Um quilo de arroz numa campanha para vítimas da enchente, um agasalho para as entidades filantrópicas, uma doação ao “criança esperança”. Depois, consciência musculada, voltam a vida normal, certas de que fizeram tudo que podiam fazer. Arrisco dizer: isso não é suficiente. Apazigua a consciência, mas não muda as coisas.
Detectei essa reação nesses dias em que se resolveu prestar atenção ao sofrimento indígena. Um grupo de índios Guarani, do Mato Grosso do Sul, que desde há 500 anos vêm observando a estranha mania dos cristãos – seus dominadores - em se purificar no sacrifício, resolveu expor a chaga aberta do sofrimento de sua gente numa concreta vivência sacrificial. Ou lhes deixam viver nas suas terras, ou se matam, em grupo. Ato extremo, sofrimento extremo, decisão extrema. Então, como que atiçados pelo sempre excitante momento do sacrifício, as gentes brasileiras decidiram começar a falar do “absurdo” que é essa desesperada decisão. Assim, terminada a novela das oito, que segundo algumas vozes “parou o país”, agora as redes sociais e todos os que têm espaço de voz nos meios começaram a discutir a questão dos Guarani que estão prometendo se matar. Sinto aí certo cheiro de musculação de consciência.
O grito dos Guarani de Mato Grosso do Sul não é o primeiro nem será o último. Desde o momento em que os povos originários perceberam que a cruz e a espada que chegavam com os homens do além-mar eram armas de opressão, a luta pela manutenção do direito de viverem na sua terra, com seus deuses e do seu jeito, começou. Ao longo dos anos, com a colonização europeia, milhões de pessoas foram assassinadas, das formas mais cruéis, simplesmente porque atrapalhavam o caminho para o ouro e as riquezas do novo mundo. Essa gente desesperada que hoje grita em agonia por um naco de terra onde descansar a cabeça, é a mesma gente que antes da invasão aqui vivia em fartura, nas grandes cidades como Tenochtitlán, Cuzco, Tiuahanaco, maiores e mais populosas que Madrid, Lisboa ou Florença no mesmo tempo. Eram homens e mulheres que conheciam a astronomia, a matemática, a hidráulica, a engenharia. Eram os que experienciavam uma forma de vida comunitária, na qual ninguém passava fome, no mesmo tempo em que na Europa medieval as pessoas padeciam de fome crônica. E foram eles os considerados sem alma, os passíveis de todo o tipo de selvageria e escravidão, porque não falavam a língua espanhola ou portuguesa e professavam outra fé, na variedade dos deuses.
O grito dos Guarani de Mato Grosso do Sul é o mesmo grito do cacique da etnia Taíno, Hatuey, que, em 1511, poucos anos depois da invasão, ao descobrir que o deus verdadeiros daqueles homens era o ouro, viajou desde o Haiti até a ilha de Cuba, com 400 guerreiros, para avisar que o que chegava pelo mar era a destruição. Não foi escutado. Mesmo assim se dispôs a lutar contra os espanhóis e só parou quando foi capturado e morto na fogueira. Foi vencido pela força dos arcabuzes, tendo seu povo sido dizimado em castigo. Esse grito segue aí. Também continuam ressoando os gritos de Cuauhtemotzin, no México, quando em 1520 igualmente iniciou a resistência contra os espanhóis que haviam assassinado milhares na cidadela de Montezuma, e os de Ruminahuia, que na região de Quito também se levantou em rebelião contra os que queriam destruir seu mundo e o dos seus. E o que dizer dos Tamoios no Brasil de 1562, que chegaram a constituir uma confederação para enfrentar a vilania portuguesa?
Pois essa gente tem gritado, lutado, batalhado, peleado desde os primeiros momentos da invasão. E, desde sempre esses gritos foram abafados, porque os indígenas não eram vistos como seres capazes de gerir suas vidas. Eram homens e mulheres dominados que tinham de se render calados e servis. Só que nunca foi assim. A batalha pelo continente segue aí, desde então.
Mas, como sempre acontece, os vencedores impõem suas razões. Os povos indígenas foram dizimados em nome do progresso e do bem estar dos invasores. Os que valentemente sobraram acabaram confinados em reservas, ora como bichos raros, ora como coitadinhos e incapazes. Integrar o índio à sociedade passou a ser o mantra dos caridosos vencedores. E os que acreditaram no engodo já viram o que sucedeu. Incorporados a uma sociedade racista, patriarcal, capitalista, seguem sendo vistos como seres inferiores, mesmo os que chegaram aos mais altos postos da estrutura social. Índios, os seres sem alma.
Há poucos anos o país acompanhou a polêmica da reserva Raposa Terra do Sol, uma imensidão de terra indígena que os originários lograram garantir para si. Quem não se lembra dos ferozes argumentos da distinta sociedade pensante? “Para quê tanta terra para índios? O que eles vão fazer com isso? Vão destruir tudo e vender as madeiras.” Esse era o diapasão dos caridosos brasileiros. E as batalhas pela região do Xingu que estão aí, se arrastando há anos, sem que ninguém se apiede das almas das gentes que vão perder seus rios, seus deuses, seu território em nome de uma barragem para gerar energia aos estrangeiros. E os mesmos piedosos argumentam que “essa gente” (os índios) é o atraso, a decadência, o anacrônico, incapaz de ver a importância do progresso que virá com a devastação da Amazônia.
É que esses índios são os que, por estarem em grandes grupos e articulados com movimentos sociais, lutam. Travam a boa batalha contra a destruição do seu modo de vida. E como valentes guerreiros precisam enfrentar as armas inimigas que já não são só arcabuzes e cavalos. Vêm acompanhadas da mídia que fortalece pré-conceitos e visões pré-determinadas do poder. Esses, os “arruaceiros”, não são dignos de piedade por parte da sociedade que fica em frente à TV musculando sua consciência.
Então, das entranhas do cerrado mato-grossense, um pequeno grupo de Guarani-Kaiowá, que luta desde há anos por demarcação das terras, sofrendo violência, mortes, assassinatos, desaparição e o sistemático suicídio de seus jovens guerreiros, resolve usar a última arma que lhe resta: o próprio corpo, sua humanidade, o corpo coletivo de toda a gente. O drama dessas famílias vem sendo denunciado ano após ano pelos Cimi, por jornalistas, por estudiosos, por todos os que se importam, mas nunca tocou o coração das maiorias. O ataque diário dos fazendeiros, a violência da justiça local que não os escuta, o preconceito e o ódio dos que vivem na cidade, picados pela ideia de que os índios só atrapalham o progresso, tudo isso é tema de debate e denúncia nos fóruns de luta social. Mas, nunca houve piedade. As terras seguem sendo griladas, roubadas, subtraídas dos índios. A vida foi se extinguindo, o espaço se apequenando. Foi preciso um ato extremo, uma decisão de desespero, para que a nação se voltasse para esses que são os cordeiros de um novo sacrifício. Agora sim é a hora da compaixão. Os “atrasados” não estão armados, não estão em luta, não fazem arruaça. Eles desistiram. Não têm mais força. São muito poucos, estão sozinhos. Eles desistiram. Já não são mais “perigosos”. São apenas as ovelhas do sacrifício. Eles desistiram. Estão vencidos. Então, por esses sim, podemos rezar, chorar, nos apiedar. Sepulcros caiados. Sociedade apodrecida.
Arrisco dizer que os Guarani-Kaiowá sabem muito bem dessa hipocrisia ocidental, dessa pantomima que os piedosos gostam de fazer para parecerem bons. Ah, eles conhecem essa psicologia desde há 500 anos. E, agora, se valem disso para expor o seu drama e para testar a “bondade” branca. Mas, eles não estão brincando. Seu grito de agonia ecoa anos a fio. Nada nunca foi feito. Já basta. Não há sentido viver quando a vida não pode se fazer real. Diante de uma justiça que protege o rico, o grileiro, o ladrão; diante de uma sociedade que vê como normal a miséria e o abandono de famílias inteiras na beira da estrada; diante do opressivo preconceito que as pessoas da cidade manejam cotidianamente, o que fazer? Se vida não há, porque preservar um corpo? A lógica da simplicidade.
E os Guarani-Kaiowá colocam a sociedade brasileira diante de um dilema também. Salvá-los não basta. Definir uma terra para aquelas famílias não significa o fim do drama indígena no Brasil. O apressado movimento dos atletas de consciência em demarcar áreas para essas famílias em particular não acomodará as tensões que eclodem todos os dias nas áreas permanentemente em disputa entre indígenas e grileiros ou entre indígenas e Estado. Há que ultrapassar esse limite da resolução de um drama singular. Há que se colocar de frente com todos os conflitos. Há que se compreender a realidade indígena, conhecer seus costumes, seus deuses, seu modo de organizar a vida. Salvar os Guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul não pode ser só um ato a mais de musculação de consciência, praticado numa situação específica, com um grupo específico. O drama indígena em “nuestra américa”, inaugurado com a valentia de Hatuey, atravessando perigosas ondas do Haiti até Cuba para anunciar a desgraça e conclamar a união na luta, não se esgota naquele grupo de homens, mulheres e crianças que hoje assumem a condição de cordeiros de sacrifício. Os indígenas não precisam de nossa pena, nem da nossa comiseração. Eles só precisam ser respeitados nos seus direitos e na sua vontade de ser quem são.
Os Guarani-Kaiowá estão a dar uma lição. Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça. E aprenda!

Encontro debate moradia


Marcha dos Insatisfeitos é nesta quinta


terça-feira, 16 de outubro de 2012

Eu estarei lá por você

Míriam Santini de Abreu

Música para quem, como eu, carrega uma longa lista de fracassos. Irmanemo-nos!


Então ninguém te disse que a vida seria desse jeito
Seu trabalho é uma piada
Você está sem dinheiro
Sua vida amorosa morre antes mesmo de começar
É como se você estivesse sempre preso na segunda marcha
Bem, esse não foi seu dia,
Sua semana, seu mês,
Nem mesmo seu ano, mas


(Refrão)
Eu estarei lá por você
Quando a chuva começar a cair
Eu estarei lá por você
Como eu já estive antes
Eu estarei lá por você
Porque você está lá por mim também


Você ainda está na cama às 10h
E o trabalho começou às 8h
Você queimou seu café da manhã,
Até agora as coisas vão indo bem
Sua mãe te avisou que haveria dias assim
Mas ela não te avisou
Quando o mundo te fez cair de joelhos


(Refrão)
Eu estarei lá por você
Quando a chuva começar a cair
Eu estarei lá por você
Como eu já estive antes
Eu estarei lá por você
Porque você está lá por mim também


Ninguém poderia me conhecer
Ninguém poderia me ver
Parece que você é o único que sabe como eu sou
Alguém para encarar o dia comigo,
Vencer todo o resto comigo
Alguém com quem eu vou sempre rir
Até mesmo no meu pior
Eu sou melhor com você,
Yeah!


É como se você estivesse sempre preso na segunda marcha,
Bem, esse não foi seu dia,
Sua semana, seu mês,
Nem mesmo seu ano, mas...


(Refrão)
Eu estarei lá por você
Quando a chuva começar a cair
Eu estarei lá por você
Como eu já estive antes
Eu estarei lá por você
Porque você está lá por mim também


Eu estarei lá por você
Eu estarei lá por você


Eu estarei lá por você
(Porque você está lá por mim também)


http://www.vagalume.com.br/the-rembrandts/ill-be-there-for-you-traducao.html#ixzz29URLA1N2

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Agora me chamem

Míriam Santini de Abreu

Adoro essa música da Rita Lee, especialmente o verso:

Baby Baby
Não adianta chamar
Quando alguém está perdido
Procurando se encontrar


Eh, eh... Agora me chamem...

O jornalismo e a relação entre sociedade e natureza: ser crítico para ser sustentável

Míriam Santini de Abreu - jornalista

 

Nas ciências naturais e sociais, a expressão “desenvolvimento sustentável”, há pelo menos uma década, não é mais usada sem que se deixem claros os sentidos que pesquisadores, quando a utilizam, dão a ela. A crítica ao conceito cresceu rente à disseminação acrítica que a quase totalidade do jornalismo fez dele. O discurso do desenvolvimento na mídia está impregnado de sentidos do meio empresarial, onde qualquer mercadoria se vende de forma “ecologicamente correta” se nela estiver o selo de produção baseado em supostas práticas ditas sustentáveis.

 

Há, sim, no país, jornalismo crítico em relação aos efeitos provocados pela transformação da natureza em mercadoria. Muitos profissionais estão ligados à RBJA –  Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental - http://www.jornalismoambiental.org.br - que reúne as discussões e conversas entre os jornalistas e estudantes de jornalismo que tratam de questões ambientais no Brasil. Mas são experiências jornalísticas concretas esparsas - direcionadas geralmente a um público que já é formador de opinião - e que enfrentam dificuldades para atingir parcelas significativas de leitores, ouvintes e telespectadores. O fato é que, se desejar contribuir para o desenvolvimento sustentável sem ser crítico, o jornalismo só poderá dar uma vil contribuição: impedir a compreensão das relações que cercam a apropriação privada e cada vez mais lucrativa da natureza. Seguir o rumo contrário significa revolver os princípios e a prática jornalística e enfrentar dois temais centrais: a concentração de mídia no país e a formação profissional.


Concentração de mídia

Como retrata James Görgen (2009) em pesquisa baseada nos dados do “Projeto Donos da Mídia”, a influência direta ou indireta das 54 redes de rádio e televisão controladas pelos conglomerados de comunicação social no Brasil atinge mais de 25% dos 9.477 veículos de comunicação identificados pelo projeto. dez conglomerados de mídia que controlam, direta ou indiretamente, 12 redes de televisão, 9 de rádio e 1.310 veículos de comunicação, 14% da base identificada pela pesquisa.

É nesse cenário que se movem os poucos veículos de comunicação que efetivamente contribuem com o debate sobre as consequências da relação entre sociedade e natureza. Isso porque esses veículos deixam clara a impossibilidade de desenvolvimento sustentável se mantido um modo de produção que lucra a qualquer custo, seja ele com base em extração máxima de “recursos humanos” ou recursos naturais.

Discorrer sobre a possível contribuição do jornalismo para o desenvolvimento sustentável já embute a discussão nos marcos acima apontados. Trazer à tona um conceito já tomado por discursos empresariais por si só torna inócuos adendos como contribuir para preservar biomas e recursos hídricos, estimular a geração das chamadas energias limpas ou apoiar ações de educação ambiental. Nesse contexto, proteger florestas, rios, ar limpo, serve somente de marco discursivo para aclamar os avanços científicos e tecnológicos como salvaguarda para proteger o que restar no rastro do desenvolvimento.

Para tornar essa afirmação mais clara, basta ler o documento final da Conferência Rio + 20 – que agora consagrou a expressão “economia verde” -, já em seus artigos primeiro e segundo. O primeiro renova o compromisso dos chefes de estado e de governo com o desenvolvimento sustentável e os já gastos pilares nos quais ele se sustenta: a promoção de um futuro econômico, social e ambientalmente sustentável para o “nosso” planeta e para as gerações presentes e futuras. O segundo artigo também merece ser mencionado: “La erradicación de la pobreza es el mayor problema que afronta el mundo en la actualidad y una condición indispensable del desarrollo sostenible. A este respecto estamos empeñados en liberar con urgencia a la humanidad de la pobreza y el hambre”. Ao longo de 283 artigos, porém, o documento não menciona meios concretos para erradicar a pobreza e a fome. A proposta de criação de um fundo de 30 bilhões de dólares por ano para isso foi, segundo a mídia, afetada pela crise mundial.

O documento final da Conferência Rio + 20, tão espetacularizada pela grande imprensa, impressiona pela planejada indefinição do que intitula “O futuro que queremos”. Mas o artigo 51 menciona que “a informação, a educação e a capacitação em matéria de sustentabilidade a todos os níveis, incluindo o lugar de trabalho, são essenciais para reforçar a capacidade dos trabalhadores e dos sindicatos para apoiar o desenvolvimento sustentável”. A classe trabalhadora e seus sindicatos, portanto, são chamados a promover o que lhes suga a capacidade de vida.

Foi ao espetáculo da Rio + 20 que a mídia deu atenção. No quadro já apontado, relativo à concentração da mídia no país, não seria diferente. Nesse sentido é fundamental mencionar experiências como a da Venezuela e da Argentina. A Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão (Resorte), aprovada em 2010 na Venezuela, diz o seguinte em seu artigo segundo: “La interpretación y aplicación de esta Ley estará sujeta, sin perjuicio de los demás principios constitucionales a los siguientes principios: libre expresión de ideas, opiniones y pensamientos; comunicación libre y plural; prohibición de censura previa; responsabilidad ulterior; democratización; participación; solidaridad y responsabilidad social; soberanía; seguridad de la Nación y libre competencia”.

Também na Argentina a lei de meios audiovisuais, de 2009, inovou ao limitar a concentração de mercado e promover o pluralismo. É o contrário do que permite a legislação brasileira, em que, diz James Görgen (2009), “a simplicidade e as fortes garantias à renovação ilimitada da outorga transformam a cessão do recurso, na prática, em título perpétuo. Isto resulta na privatização do bem público, que passa a integrar o patrimônio (embora não seja propriedade stricto sensu) do outorgatário”.

Formação profissional

 

Um debate sempre presente no chamado jornalismo ambiental é a necessidade ou não de especialização na área. Pode-se dizer que não há um jornalismo ambiental, há o jornalismo, que assume algumas características específicas quando trata de meio ambiente, economia, esporte, cultura e política. Não é possível falar de meio ambiente e ignorar questões de saúde, sociais, econômicas, políticas e culturais. Assim, a expressão “jornalismo ambiental” só se legitima se levar em conta esse contexto. Afinal, citando o geógrafo Milton Santos, os fatos da realidade são objetivos. Mas é papel dos jornalistas transformá-los em fatos históricos, identificando as relações que os definem e seu significado na realidade como um todo.

Por isso os cursos de jornalismo não podem ser unicamente reféns da lógica tecnicista, pela qual a formação se volta aos interesses do mercado, que exige o profissional “multifunção”. Saber tudo não significa exercer tudo dentro das empresas, com as consequências que tal prática traz para as relações de trabalho, a saúde, o tempo livre para continuar a formação. Os currículos dos cursos devem contemplar a filosofia, a sociologia, a economia, a linguística, mas ligando todas essas áreas de conhecimento com o fazer jornalístico no cotidiano.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Jornalismo, no que se refere à Organização do Curso, mencionam a necessidade de se promover a integração teoria/prática e a interdisciplinaridade entre os eixos de desenvolvimento curricular. Falta, porém, fiscalização efetiva, que garanta a qualidade de formação oferecida aos estudantes. Já é notável, por exemplo, que não haja números confiáveis sobre os cursos distribuídos em todo o país.

Em seu Estatuto, a Fenaj é quase omissa em relação à concentração de mídia e à formação profissional. Apenas o artigo 2º diz: “São objetivos da FENAJ: V – Lutar pela união e defesa dos direitos da categoria, buscando o desenvolvimento intelectual, profissional e as conquistas trabalhistas dos jornalistas brasileiros, zelando também pela garantia da liberdade de expressão”.

Tanto do ponto de vista formal, estatutário, quanto na relação com a categoria, a Fenaj pode e deve avançar para fazer frente aos desafios do jornalismo, especialmente com o fim da exigência de formação superior específica para exercer a profissão. No que tange ao chamado jornalismo ambiental, esse desafio é ainda maior, porque o debate em torno da democratização da comunicação não dá conta da crítica necessária para a construção de um discurso jornalístico que se proponha a desvendar a lógica mercantilista da apropriação da natureza.

Nesse sentido, a Federação, em todas as suas instâncias internas e junto aos Sindicatos filiados, também precisa articular uma reflexão mais aprofundada sobre os aspectos da formação nacional brasileira e a relação entre o mundial, o nacional, o regional e o local que vão se construindo no discurso jornalístico sobre o meio ambiente. A partir das experiências de milhares de jornalistas, atuando em regiões com diferentes formações sociais e espaciais, atuantes ou não na cobertura jornalística sobre meio ambiente, é possível, no aprofundamento da crítica, formular de fato um jornalismo sustentável, esse sim capaz de interpretar os fatos para permitir que a sociedade compreenda e possa mudar a atual realidade de mercantilização da natureza.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

É ele, o Senador

Míriam Santini de Abreu

Dia desses, com mais tempo e desejo, escrevo sobre o Senador. Mas adianto que quase todos os dias ele visita o local onde trabalho, solicitando reproduções de vários ofícios nos quais é nomeado para os mais variados cargos. Dia desses me nomeou ministra do STF. Hoje, perguntou:
- Como vai a senhora?
- Bem, Senador, e o senhor?
- Bem, sempre me reinventando.
- Reinventando?
- Claro, todos os dias a gente tem que tem emoções e pensamentos novos.
O Senador já é além do homem.